domingo, 27 de outubro de 2013

Maria Augusta Santos - Comunicação



MULHERES EM MOVIMENTO
 

IGUALDADE DE GÉNERO NO(S) MUNDO(S) DA POLÍTICA

– TER ATITUDE, CONSTRUIR A MUDANÇA.

Síntese da intervenção
Apesar de progressos significativos em matéria de igualdade de género, as desigualdades de oportunidades entre homens e mulheres nos diversos mundos da política permanecem ainda muito incrustadas no seu seio. Refiro-me aos mundos da política. É isso mesmo. Aos diversos mundos que foram sendo criados na esfera da política, alguns dos quais pouco modelares da própria política.
Construir uma verdadeira igualdade de género impõe mudança. E mudar, sabemo-lo bem, implica, sempre, a perda de regalias, principalmente de quem detém "o poder".
Por essa razão, o contínuo investimento na promoção da igualdade de género é, frequentemente, posto em causa por alguns tipos de liderança do mundo da política partidária, particularmente ao nível do pequeno/grande mundo da política partidária a nível concelhio. Porque é aí que emergem alguns dos protagonistas da política, os quais, para executarem o seu projeto político pessoal, desenvolvem formas de gestão/liderança dos partidos assentes na instrumentalização das suas bases de militância e na adoção de estratégias de organização interna e de seleção e recrutamento de pessoas no interior dos partidos de forma a garantirem o seu acesso e/ou permanência no poder, secundarizando alguns princípios básicos da ética democrática.
É necessário à democracia que os partidos gozem de plena saúde democrática. A verdade é que os partidos têm revelado maleitas que precisam ser estancadas para que a democracia seja revitalizada e os cidadãos voltem a acreditar e se revejam na vida política partidária, independentemente das diferenças ideológicas que diferenciam os partidos democráticos.
A construção dessa(s) mudança(s) pressupõe atitude. Que papel temos/queremos desempenhar neste processo? 


IGUALDADE DE GÉNERO NO(S) MUNDO(S) DA POLÍTICA

– TER ATITUDE, CONSTRUIR A MUDANÇA.
MULHER
………

A mulher não é só casa

mulher-loiça, mulher-cama

ela é também mulher-asa,

mulher-força, mulher-chama

………

A posse vai-se acabar

no tempo da liberdade

o que importa é saber estar

juntos em pé de igualdade

………
Ary dos Santos


Será que, como escreveu Ary dos Santos, sabemos estar juntos em pé de igualdade? Saber, sabemos. Estar, não estamos.

Basta observarmos o que se passou nas eleições autárquicas de 29 de Setembro.
Nas listas para as Câmaras Municipais, dos 1219 cabeças de lista, 156 eram mulheres, o que corresponde a 12,8%.
Nestas eleições, a quota de paridade não foi cumprida e, conforme informação da Comissão Nacional de Eleições, mais de 70 candidaturas não respeitaram a lei da paridade.
Sete anos depois da aprovação da lei da paridade, que prevê que as listas tenham uma representação mínima de 33,3% de cada um dos sexos, pouco melhoramos em matéria de igualdade de género. A lei, pura e simplesmente não é cumprida.
Por outro lado e após o ato eleitoral, verifica-se que apenas 23 das 308 câmaras do país são presididas por mulheres, o que corresponde a 7,46%, no total nacional. Aliás, percentagem semelhante à que se tem verificado em atos eleitorais anteriores.
Confirma-se uma reduzida expressão de mulheres autarcas, e mais reduzida em cargos de liderança, apesar de a participação das mulheres nos órgãos locais registar algum crescimento. Contudo, a sua participação em cargos de decisão política é a que mais evidencia a desigualdade de género. Os níveis de representação das mulheres na política estão, como é visível, muito aquém do limiar considerado paritário. Como explicar?
 Em 1º lugar, através das estratégias de seleção e recrutamento de pessoas/militantes no interior dos partidos. Isto explica também que, apesar do aumento, embora muito ténue, de mulheres nas listas, ele não se traduza num aumento de mulheres eleitas.
É que as mulheres têm sido remetidas para posições não elegíveis ou mais dificilmente elegíveis, protagonizando candidaturas mais simbólicas do que efetivas. Tão simbólicas que, sendo a Lei omissa quanto à possibilidade de, depois de eleitas, as candidatas poderem renunciar e serem substituídas por homens, tem permitido autênticas arbitrariedades e comportamentos inqualificáveis. E nós, mulheres, permitimos isso!
A cultura organizativa dos partidos constitui, de facto, um dos principais fatores condicionantes do processo de participação das mulheres na vida política e na igualdade de oportunidades no acesso ao poder e à tomada de decisão.
Senão, vejamos: grande parte das mulheres é colocada em terceiro lugar nas listas, o que explica, de forma muito clara, as diferenças de poder dos cargos a que concorrem e as menores possibilidades de eleição.
Não existe democracia sem partidos políticos, sabemo-lo bem! Mas a verdade é que as estruturas partidárias têm de implementar mudanças, para bem da democracia. É necessária uma alteração profunda dos hábitos e comportamentos dos partidos, para se preservarem a eles próprios e em defesa do próprio regime democrático.
O Mundo de hoje é substancialmente diferente do mundo de há 20, 15 ou 10 anos. E se os partidos políticos não forem capazes ou não quiserem integrar-se, efetivamente, na sociedade de hoje, não serão capazes de planear o futuro e muito menos de serem o garante da nossa liberdade e da própria democracia.
Sendo os partidos políticos os alicerces e a estrutura da democracia, os poderes de quem nos governa, têm a sua génese nos atos eleitorais internos dos partidos políticos.
Mas, então, em que estruturas assentam hoje os partidos políticos? Onde se decidem estas candidaturas? E quem as decide? Neste processo, qual é o papel dos líderes partidários? E que capacidade de intervenção/decisão têm as mulheres com assento nos diversos órgãos partidários concelhios?
Os partidos políticos revelam, nesta matéria, algumas "maleitas". Uma parte significativa dos mecanismos do poder interno dos partidos assenta nas escolhas que são feitas nas estruturas locais. No tal pequeno/grande mundo da política.
É aí que se jogam, prioritariamente, os equilíbrios de poder interno, quantas vezes através de taticismos sem qualquer sentido estratégico e, quantas vezes, sem escrúpulos. O que se verifica é preocupante. 
 Basta verificarmos que a importância das mulheres é, nesse contexto e em muitos casos, proporcional ao número de votos que elas conseguem obter para manter as lideranças internas.
Os partidos políticos têm de interiorizar que a democracia não se esgota nos partidos, e que o deficiente funcionamento dos partidos políticos induz ao descrédito da política e constitui um risco demasiadamente elevado que não devemos nem podemos correr.
Porquê a emergência e proliferação de um número crescente de movimentos de independentes? Não podemos ficar serenos e acomodados com a emergência de movimentos de independentes. Devemos fazer uma discussão séria e desempoeirada desta situação.
Se os partidos políticos estivessem a gozar de boa saúde política, os cidadãos não sentiriam necessidade de marcar, tão insistentemente, a sua independência. Integrar-se-iam, de forma natural, nos partidos que melhor correspondessem às suas ideologias, anseios e/ou princípios.
A saúde de um partido político assenta na discussão política/ideológica com vista à definição e implementação das melhores estratégias para o exercício "de excelência" da política. Infelizmente, quando tentamos escalpelizar a vida interna dos partidos políticos, passamos a entender, em parte, o afastamento crescente dos cidadãos dos políticos e, consequentemente, da política.
Uma democracia sem partidos é uma ditadura. E é exatamente por desempenharem um tão relevante papel na consolidação e desenvolvimento da democracia, que temos de refletir com profundidade sobre o que devemos fazer. E a participação política das mulheres é fundamental para a democracia e essencial para a obtenção do desenvolvimento sustentável e da paz. Se não adotarmos medidas afirmativas e efetivas que respeitem e promovam a igualdade de direitos das mulheres para participar em todas as áreas e em todos os níveis da vida política, estaremos condenados a uma paralisia em termos de desenvolvimento.
Estamos todas e todos convocados a eliminar todas as barreiras discriminatórias, algumas requintadamente camufladas, enfrentadas pelas mulheres e a adotar medidas proativas para lidar com os fatores que impedem as mulheres de participar da política.
Como mulheres, temos de fazer parte do futuro. Temos de reivindicar que os partidos políticos nos olhem como membros iguais, em direitos e em deveres. Não reconhecer isto significa que desdenham de mais de 50% da população. 
A ação política tem de ser orientada para potenciar as energias de mulheres e homens de forma a concretizarmos as mudanças necessárias e urgentes no funcionamento dos partidos.
Construir uma verdadeira igualdade de género impõe mudança. E mudar, sabemo-lo bem, implica, sempre, a perda de regalias, principalmente de quem detém "o poder". E quem detém o poder nos diversos mundos da política?
As mulheres inseridas nos partidos políticos têm de participar ativamente na execução dos projetos políticos dos seus partidos. Não pode haver lugar à resignação face às mudanças.
É justo e necessário à democracia, que não prolonguemos por mais tempo as desigualdades de género. O que se exige a cada um de nós é que contribuamos para a criação de mecanismos capazes de implementar, efetivamente, as Leis em vigor.
A construção dessa(s) mudança(s) pressupõe atitude. Que papel temos/queremos desempenhar neste processo?


Lisboa, 24 de Outubro de 2013
Maria Augusta A. F. Santos

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