terça-feira, 8 de abril de 2014

OLGA ARCHER MOREIRA Singularidades de Maria Archer





Singularidades de Maria Archer



Senhora Presidente da Assembleia Geral da Mulher Migrante, Dra. Manuela Aguiar,

Senhora Presidente da Direcção da Mulher Migrante, Dra. Rita Gomes,

Senhora Profa. Doutora Maria Benedicta Monteiro,

Senhora Dra. Maria Barroso,

Senhor Professor Doutor Fernando Pádua

Senhoras e Senhores,
No tique-taque incessante das horas e dos minutos da vida relembremos Maria Archer.

Maria nasce no final do século XIX, em Lisboa.

Várias são as mudanças de país e de continente que experimenta ao longo da sua vida, desde a infância à idade anciã.

Maria é uma criança persistente e uma mulher arrojada. As letras fazem parte do seu imaginário de criança e da sua vida de mulher. A crítica sente-a no sangue. Maria Archer foi escritora, jornalista, conferencista, tradutora.

Em 1913, com apenas 14 anos, publica o seu primeiro artigo no jornal "O Ocidental" em Moçambique.
Em 1917, na Guiné, dá voz e alma à tertúlia Lides Literárias. A chama literária ilumina-lhe a alma e em 1918 publica, ainda na Guiné, o seu poema "Desejo Mórbido" e é reconhecida, ainda hoje, como a "poeta do exotismo". 







Casa em 1921 com Alberto Teixeira Passos. Vive com o marido e o afilhado em Ibo – Moçambique durante 5 anos. Regressam a Portugal e vivem alguns meses em Faro e outros em Vila Real de Trás-os-Montes. Na sociedade farense Maria destaca-se pela sua beleza e elegância.

Estreia-se nas letras pátrias nos semanários "O Algarvio" e o "Correio do Sul", ambos de Faro.

Em 1932 encontra-se divorciada e ruma a Angola. De novo África a acolhe e a deslumbra.

Após o divórcio Maria estreia-se na literatura, vive, empenhada e militantemente, do seu trabalho de escrita para jornais e revistas, dos direitos de autor dos livros que publica e que, amiúde, tanta polémica provocam pela incomodidade ao pensamento dominante.

Em 1935 publica o seu primeiro livro "Três Mulheres" em parceria com António Pinto Quartim, em Luanda e, já, em Lisboa, também em 1935 o seu livro "África Selvagem" vê a luz do dia. É reconhecida pelos críticos literários da época como "a revelação da literatura portuguesa de 1935, com uma obra de linguagem rica, de uma perfeita plasticidade e de um colorido brilhante como só grandes escritores sabem utilizar".

Ao longo da sua vida publica em Luanda, em Portugal e no Brasil, mais de três dezenas de livros entre 1935 e 1963. A sua colaboração em jornais e revistas em Portugal e no Brasil ascende às centenas.
Os seus livros são fruto da ousadia e da coragem que a caracterizam. Estão frequentemente ligados a problemas sociais e às questões da condição feminina. Como recompensa, sofreu o isolamento e a discriminação da sociedade da época. 











A leitura das suas obras convida ao fascínio da descoberta. Os seus livros sobre África são pontes para a reflexão mágica, para a beleza. A densidade da escrita enleia-nos tal floresta tropical.

Escreve novelas, romances, livros de viagens que divulgam a diversidade antropológica de África e que Gilberto Freyre tanto elogia no prefácio do livro "Herança Lusíada." Um verdadeiro estudo sociológico.

Também na literatura para crianças Maria Archer se aventura e está presente. Publica semanalmente, entre 1935 e 1937, contos infantis no jornal infantil "O Papagaio". E, em 1938, conquista o prémio Maria Amália Vaz de Carvalho, com o livro "Viagem à Roda de África.

Para as crianças Maria escreve contos de encantar sobre África. Aos sobrinhos conta contos de encantar repletos de expressividade, de côr e de sons africanos. Era um deleite ouvi-la.

E, apesar de ter ganho em 1938 o prémio mencionado, ainda nesse ano e em 1947 vive a desventura de ver alguns dos seus livros apreendidos. ("Ida e Volta de uma Caixa de Cigarros" e "Casa sem Pão")

Em 1943 colabora com a revista Luso-Francesa «Afinidades», que era editada em Faro e em Lisboa, era seu director o Dr. Francisco Fernandes Lopes.

Em 1944, aquando da visita de Clarice Lispector a Portugal, estas duas escritoras encontram-se e convivem como se pode ler nos apontamentos de Lispector.

«Lisboa, 4 de agosto de 1944, sexta-feira - Ontem jantei em Cacilhas com Ribeiro Couto e Maria Archer (…) Mudei-me para o parque Palácio. Li todo o romance de Maria Archer - "Ela é apenas mulher"».

Em Lisboa Maria Archer convive com uma plêiade de escritores.
Filia-se em 1945 no Movimento de Unidade Democrática (MUD). 






Em 1949 Maria Archer apoia o candidato presidencial General Norton de Matos e participa em sessões como nos conta o "Jornal de Notícias" de 02de Fevereiro de 1949: "Em seguida a escritora Sr.ª D. Maria Archer falou sobre o direito de voto à mulher portuguesa e dirigindo-se às presentes disse: se desejai remodelar, reconstruir e trabalhar para um mundo melhor votai em Norton de Matos."

Em 1952, é credenciada como jornalista por Jaime Carvalhão Duarte, director do Jornal "República", para, nessa qualidade, poder assistir ao julgamento de Henrique Galvão. A compilação das notas deste julgamento em livro é considerada, pela PIDE, incómoda e inoportuna, esta polícia invade-lhe a casa e apreende-lhe o manuscrito, mas, sábia e precavidamente, Maria Archer enviara uma cópia para o Brasil.

Em 1955, fruto da rebeldia do seu comportamento político, abandona o País. Parte com a esperança de ver, um dia, o seu sonho realizado. Portugal um país livre, um país de igualdade entre homens e mulheres.
Maria Archer antecipa o futuro quando publica no Brasil, em 1959, "Os Últimos Dias do Fascismo Português", livro que relata o julgamento do capitão Henrique Galvão.



No Brasil a sua intervenção política visa uma resistência ao regime salazarista que se traduz na publicação de artigos nalguns jornais como "O Estado de São Paulo", "Semana Portuguesa", "Portugal Democrático" e na participação em conferências e palestras.
No processo da PIDE deparamo-nos com uma informação datada de 1957 que refere que Maria Archer era, nessa altura, directora do jornal "Portugal Democrático" e onde se lê: "jornal que visa unicamente atacar o governo de Portugal onde é dada guarida a todas as pessoas dispostas a isso."








Maria Archer reitera no Brasil a sua posição de opositora ao regime vigente em Portugal. E, confirmando esta atitude, em 21 de Maio de 1958, o jornal "República" dá a conhecer que Maria subscreve um telegrama enviado ao General Humberto Delgado "pela sua acção decisiva no despertar da consciência nacional" aquando da candidatura do General a Presidente da República em 1958.

Maria Archer integra o Comité dos Intelectuais e Artistas Portugueses Pró-Liberdade da Imprensa que divulga um folheto designado "Intelectuais portugueses livres denunciam o terror Salazarista", segundo conta o jornal "Última Hora" do Rio de Janeiro de 28 de Março de 1959 e, em Abril do mesmo ano, integra a Comissão de Recepção da visita ao Brasil do General Humberto Delgado.

Em Março de 1964, em São Paulo, Maria Archer, na qualidade de Presidente da União das Mulheres Portuguesas, profere a intervenção inaugural do encontro de solidariedade das mulheres brasileiras com as mulheres portuguesas presas políticas, conforme relata um artigo do "Portugal Democrático" de Abril de 1964.

Em Maio de 1966 a "Rádio Portugal Livre" noticia que Maria Archer integra um grupo de intelectuais e democratas portugueses, também residentes em São Paulo, que enviaram uma carta à Organização das Nações Unidas onde apresentavam acusações ao Governo Português de atentar contra a dignidade humana referindo expressamente o assassínio do General Humberto Delgado.

Maria Archer dá, ainda, o seu apoio à Frente Patriótica de Libertação Nacional por considerar que este é um movimento agregador com capacidade de dirigir o povo português na luta contra o regime vigente em Portugal. Será que algum dia verá as cores da liberdade?
A saudade vai-se instalando no espírito da escritora e a esperança de um novo dia e de um novo país também. Em Abril de 1970 Maria confidencia-nos: "de quando 









em quando sinto a esperança de se aproximar o dia em que regresso a Portugal…". Aliada à esperança do regresso a esperança de ser deputada da oposição, a esperança de por Portugal e pelos direitos das mulheres pugnar.

Apesar de os ventos não lhe serem de feição e de com 71 anos continuar a trabalhar para sobreviver, o espírito solidário e o idealismo mantêm-se inalteráveis. Nas linhas escritas em 6 de Julho murmura aos familiares o seu reconhecimento: "Agradeço o envio do dinheiro porque o mesmo se destinava à Comissão que trata de assuntos dos portugueses em más condições e destinava-se a pagar um tratamento de emergência ao Henrique Galvão, que contudo não o salvou. Serviu para ajudar a pagar o enterro."

Nova esperança surge na vida de Maria Archer quando em Fevereiro de 1973 um diplomata chinês a convida oficialmente a visitar a China onde "se processa agora a maior experiência sociológica de toda a História." Ao convite Maria responde que aceita mas impõe condições. As despesas terão que ser pagas pela China. Em troca "darei os direitos de autor das 1ªs. edições de livros que escrever". Em Março do mesmo ano o diplomata desloca-se propositadamente a Poços de Caldas para falar com a escritora. Maria vibra com o entusiamo de voltar a escrever mas a sua saúde não recupera e ela não consegue viajar até à China.
Regressa, em 26 de Abril de 1979, a Portugal, doente mas com um dos seus sonhos concretizado: Portugal vive as cores da liberdade. O verde da esperança e o vermelho da conquista e da alegria.
Perante a fragilidade da sua saúde falaram os silêncios. Silêncios que Fernanda de Castro poetizou não para Maria Archer mas adivinham a fragilidade da sua saúde:









"Já não vivo, só penso. E o pensamento

É uma teia confusa, complicada,

Uma renda subtil feita de nada:

De nuvens, de crepúsculos, de vento.

Tudo é silêncio. O arco-íris é cinzento,

E eu cada vez mais vaga, mais alheada.

Percorro o céu e a terra aqui sentada,

Sem uma voz, um olhar um movimento."

Em 1982, na hora da sua partida, de novo o silêncio de um país e de uma sociedade se ergueu no ocaso da sua vida.

"A pátria, não lhe reconheceu, como deveria ter reconhecido, o seu bom combate pela liberdade e pela igualdade da mulher" (Salvato Trigo, 24/11/2011).

Obrigada.

Lisboa, 26 de Março de 2014.
Olga Archer Moreira
(vale.olga@gmail.com)