terça-feira, 13 de junho de 2017

VIVER A DEMOCRACIA NUM PAÍS DE EMIGRAÇÃO E DIÁSPORA

Breve comentário ao colóquio de 24 de maio, na Sociedade de Geografia A Comissão das Migrações da Sociedade de Geografia (atualmente presidida pela Profª Maria Beatriz Rocha Trindade), em parceria com a Associação Mulher Migrante, escolheu esta temática para debate, sobretudo, porque ela não tem sido suficientemente pensada, nem na agenda do "congressismo" voltado para as nossas migrações, nem nos "fora" sobre o estado da democracia em Portugal, onde se tende sempre a esquecer os emigrados... O Colóquio, organizado no passado dia 24 de maio, centrou-se na caminhada democrática, que tem, gradualmente, aproximado os portugueses, aquém e além fronteiras, Como indica o título, "Dar voz à Diáspora Portuguesa - Perspetiva Diacrónica dos Mecanismos de Diálogo", esteve em análise a natureza e a direção do movimento, que se iniciou antes mesmo de 1974 e que progrediu, depois, com novas políticas públicas e novos direitos, na procura do aperfeiçoamento de meios concretos de ação. O diálogo foi convertido em instrumento privilegiado de construção de um todo nacional verdadeiramente inclusivo, não só no campo juridico-constitucional e político, mas, mais latamente, nos vários domínios da vida coletiva. A reflexão tinha, obrigatoriamente, de começar nos anos sessenta do século passado, na primeira grande iniciativa que "deu voz à Diáspora", equacionou as formas de a unir e de expandir o mundo da lusofonia: os Congressos das Comunidades de Cultura Portuguesa, promovidos pela Sociedade de Geografia, sob a presidência e com a visão do Prof Adriano Moreira. O colóquio realizava-se, pois, num lugar muito significativo, no Auditório que recebeu o seu nome, e com ele mesmo a recordar, num empolgante improviso, esses míticos Encontros pioneiros em que se projetava o futuro da "Nação peregrina em terra alheia", como realidade "sui generis", que haveria de sobreviver ao fim do império. Seguidamente, o Deputado José Cesário levou-nos, com a força do seu entusiasmo, a lançar "um olhar retrospetivo projetado sobre o futuro", ou seja, à análise do que foi feito e do "por fazer", numa perspetiva pragmática, para facilitar, por exemplo, o exercício do voto no estrangeiro, a transmissão da nacionalidade, ou a operacionalidade do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP). Coube-me trazer a discussão o acidentado percurso do primeiro CCP, órgão de representação e audição da Diáspora, que foi sendo implementado , em interação Governo/sociedade civil, numa busca nem sempre fácil, mas eminentemente democrática, de consensos, de expressão das preocupações sentidas pelas pessoas e da sua vontade de influir na mudança, através daquela instituição inovadora. A voz das comunidades ouviu-se no Conselho, ao longo de sete anos (1981/88), através dos dirigentes das suas organizações e dos seus "media", sem os quais as comunidades, como presença coletiva, não existem. O CCP renasceria em 1996, com idêntica finalidade, ainda que em moldes diversos, aliás, objeto de sucessivas modificações, que nunca alteraram a sua identidade. A única "assembleia" de cidadãos emigrados em todos os continentes é imprescindível e insubstituível, mas não veio diminuir a importância de outras componentes do espaço de cooperação e fraternidade de que falávamos. Particular destaque mereceu o primeiro jornal que, a partir de Lisboa, quis ser um traço de união entre as comunidades emergentes.nos inícios da década de setenta, O painel intitulado "O Emigrante/Mundo Português - razões de um projeto singular" teve como oradores o Padre Vitor Melícias, um dos fundadores do jornal, e o Dr Carlos Morais, seu atual diretor, que evocaram, emotivamente, os tempos da chamada "emigração a salto" e, também, a memória do co-fundador falecido poucos dias antes - o Comendador Valentim Morais, que muitos de nós tivemos o privilégio de conhecer e que todos admiramos como "homem de causas". O papel da Igreja neste campo (" a igreja face à mobilidade - solidariedade e ação social") foi historiado por Dom Januário Torgal Ferreira, Bispo Emérito das Forças Armadas (que, como estudante, acompanhou, de perto, a realidade da emigração portuguesa em Paris, no seu período mais dramático) e a Drª Eugénia Quaresma (a primeira mulher a dirigir a "Obra Católica das Migrações"), focando as preocupações sociais e culturais das paróquias do estrangeiro e os relevantíssimos serviços que, nessas vertentes, têm prestado aos portugueses O último painel foi dedicado a "novas formas de diálogo", com Mestre Emmanuelle Afonso a salientar os contributos reais e potenciais da "geração Europa", a que ela própria pertence, e os estudos promovidos pelo "Observatório dos Luso Descendentes", e com o Prof José Marques a trazer-nos testemunhos filmados de uma emigração passada e, afinal, ainda presente, agora que o êxodo migratório recomeçou, . É tarefa difícil sumariar as intervenções de uma jornada que constituiu ocasião para ampla troca de ideias e de experiências muito variadas, abriu perpetivas para outras abordagens e apontou para outros campos de intervenção. Diz-se que qualquer realização só deve ser avaliada pelo "dia seguinte". Esta promete continuação em próximos debates, onde se possa refletir sobre o progresso da democracia, como tempo e lugar de reencontro entre os portugueses, numa emigração crescente e cada vez mais heterogénea

Colóquio na Sociedade de Geografia - link

http://www2.uab.pt/TVUAb/detailMenu.php?Menu=11 .

PORTUGAL, CAMÕES E OS LUSÍADAS DO SEC XXI

PORTUGAL; CAMÕES E OS LUSÍADAS DO SÉCULO XXI 1 - O "10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas” é uma expressão da liberdade de ser português, da "lusitana antiga liberdade", que o Poeta cantou e do seu renascimento contemporâneo, na trilha acidentada de uma revolução. Veio ocupar, naturalmente, o lugar do "10 de junho, Dia da Raça”, que o regime deposto celebrava, com pompa imperial, no Terreiro do Paço, mantendo a data e, numa cidade diferente, em cada ano, a evocação de Camões, com outra leitura de "Os Lusíadas", outra visão da história e de nós, hoje. A revolução de 74 derrubou uma ditadura de meio século, resolveu o impasse de uma guerra sem sentido e fechou o ciclo colonial, recolocando o Estado nas suas fronteiras geográficas europeias, mas não quis, nem poderia querer, pôr fim à presença universal dos portugueses. Presença que tem "vida própria", à margem dos desígnios e do poder do Estado, em múltiplas formas de integração nas mais diversas sociedades que, não por mero acaso, certamente, ganhou, então, uma nova visibilidade. “Há um Portugal maior do que o Império que se fez e desfez e que é constituído pelos portugueses, onde quer que vivam”, diria Vitorino Magalhães Godinho num 10 de junho, realizado sob a égide do primeiro presidente eleito da jovem democracia, António Ramalho Eanes. Com a mesma clareza, falava o Primeiro-ministro Sá Carneiro, em 1980: “Portugal foi uma Nação de colónias. Hoje não é apenas uma Nação territorial, é uma Nação de povo" .“Uma Nação de Comunidades”. “É uma cultura, mais do que uma organização rígida”. A existência da Diáspora, parte integrante da Nação, precedeu, de facto, em alguns séculos, o seu conceito, o seu reconhecimento - uma Diáspora que se afirmou na construção de espaços extra territoriais da sua cultura, em fácil diálogo com outras culturas, numa malha densa de instituições focadas na defesa da língua e na fidelidade a tradições e valores humanistas. Pura “sociedade civil”, que ao Estado nada deve…. 2 - A nossa vocação migratória revelou-se, é certo, a partir do plano estatal de expansão marítima e colonização de vastas possessões, mas depressa o transcendeu, de uma forma espontânea e imparável. O êxodo foi assumindo, crescentemente, o carácter de aventura individual, em destinos transoceânicos, longínquos (sobretudo, o Brasil colonial e, depois, com o mesmo espírito e os mesmos objetivos, o Brasil independente…) e, por isso, os historiadores das nossas migrações não conseguem determinar, precisamente, os termos da transição de um ao outro dos fenómenos – da colonização à emigração – mas reconhecem a prevalência desta última, dentro e fora do universo colonial. O Estado tentou, em vão, proibi-la, ou limita-la, porque, na sua ótica, como, aliás, na dos académicos e até na da opinião pública, os males de uma debandada de tamanha grandeza superavam as suas vantagens, avaliadas, essencialmente, em termos economicistas (contributo para a exploração de recursos das colónias, réditos do comércio, remessas de emigrantes). Valores substanciais, mas perecíveis, que tiveram o seu tempo e com ele se desvaneceram. O que persiste, afinal, é o incomensurável espaço de lusofonia e de lusofilia, um universo linguístico e cultural em expansão, engendrado pela vontade de cidadãos, muitos dos quais partiram à revelia dos governos. Faz, pois, todo o sentido, colocar no centro das comemorações do Dia de Portugal a língua de Camões (que de europeia se volveu, mais por mérito dos povos que a partilharam, no seu relacionamento quotidiano, do que dos Estados, também, em americana, africana, asiática, universal) e as comunidades portuguesas, que vivem, em paz e harmonia, nos principais lugares onde aconteceu a aventura coletiva que o Poeta imortalizou. O povo.... Solúvel e insolúvel este povo, na memória dos outros e na sua própria, nas palavras de Jorge de Sena. . 3 - A ideia de um "Portugal - Nação de Comunidades", dentro e fora do território, ganha força em consensos alargados, traduzidos no estatuto de direitos dos expatriados, nas leis e nas iniciativas com que o Estado acolhe Nação inteira, num tempo de recomeço de migrações em massa. Uma realidade que exige dos responsáveis pela "res publica", políticas de reencontro com os portugueses, e entre portugueses onde quer que vivam – verdadeiras políticas de "desterritorialização”… O 10 de junho convida, muito em especial, à reflexão sobre as infinitas potencialidades que elas nos abrem... Um passo em frente, de grande significado, se ficou a dever ao Presidente Marcelo, quando, em 2016, em início de mandato, decidiu "desterritorializar" a própria comemoração e a foi celebrar a Paris, com os seus concidadãos. Depois será a vez de São Paulo, a par do Porto, ou de Newark, ou de Macau... Um gesto inédito, porventura, a nível planetário, que nos diz mais do que muitos discursos. Diz-nos que na história da civilização “fizemos a diferença” e diz-nos, também, que essa história, ainda hoje, faz a nossa diferença. (PUBLICADO NO JORNAL "AS ARTES ENTRE AS LETRAS, 31 de maio de 2017)