sexta-feira, 3 de junho de 2016

Colóquio Migrações e Cidadania 2 de junho Homenagem a MARIA BARROSO

" Maria de Jesus Barroso Soares marcou a nossa vivência colectiva antes e depois da Revolução de Abril. Antes, mercê da sua resistência à ditadura e pela coragem sem medo que demonstrou; depois, pelos inúmeros cargos que exerceu, pela forma como os exerceu e pelas sementes de qualidade que deixou desse exercício. Maria Barroso foi sempre o esteio da sua Família. A pessoa que tudo segurou quando a perseguição política de que ela e seu marido eram vítimas lhes tolhiam a possibilidade de trabalhar. O regime impediu-a de dar aulas no ensino oficial mas, através do Colégio fundado por seu sogro, -o Colégio Moderno - onde teve que passar a leccionar, formou milhares de crianças e jovens que aí encontraram um modelo pedagógico vanguardista, exigente e de qualidade inquestionável que as preparou para a vida. E foi a Directora sempre presente do Colégio, mesmo quando já não o era, pela forma natural como a sua autoridade era reconhecida. Mas uma autoridade doce e terna que marcou gerações e que é recordada com tanta saudade por todos quantos a conheceram. Sabia de cor o nome de todos os alunos : dos primeiros que formou, dos filhos deles e dos seus netos, numa cadeia virtuosa que não para! Para cada um Maria Barroso tinha a palavra adequada, a palavra certa e o olhar protector que lhes conferia segurança, quando os recebia, logo pela manhã , às portas do Colégio . Até ao último dia! Mas não foi apenas como pedagoga que Maria Barroso marcou a sociedade. Ela foi a actriz que faltava, quando essa profissão não era olhada com bons olhos, conferindo-lhe dignidade e prestígio. Ela foi a declamadora poderosa que divulgou o melhor da nossa poesia e que arrebatou a alma dos que a escutavam. Ela foi a Deputada com voz ouvida e respeitada. Ela foi a Mulher de Ministro e de Presidente da República com uma agenda própria e não apenas de acompanhante , sempre ao lado do Marido e não atrás dele, como sempre dizia. Afirmou a grandeza da alma portuguesa lá onde estivesse a representá-la, conferindo um enorme prestígio ao País junto das mais marcantes figuras internacionais e em todos os "fora" onde se deslocava. E foi, até ao fim da sua vida, uma lutadora pela defesa intransigente dos Direitos Humanos, como pedagoga, como conferencista, como declamadora, como Presidente da Cruz Vermelha ou como Presidente da Associação Dignitate! Nunca recusou um convite para intervir, estava sempre disponível. Considerava ser sua responsabilidade cívica aproveitar todas as oportunidades para fazer ouvir a sua voz na defesa dos seus ideais e fê-lo sempre com enorme coerência, ao mesmo tempo que respeitava as ideias dos outros. Por isso o seu desaparecimento provocou tanta consternação e deixou como que um sentimento de orfandade nas dezenas de milhares de pessoas que, durante horas, desfilaram na sua câmara ardente. Poucas pessoas em Portugal mereceram este reconhecimento . Mas é um reconhecimento que perdura. Maria Barroso faz falta: à sua Família , sem dúvida. Mas também a todos quantos, conhecidos ou desconhecidos, viam nela uma pessoa de carácter e de coragem, uma pessoa rigorosa, uma pessoa corajosa, uma pessoa sem medo e de uma verticalidade inquestionável. Maria Barroso faz-nos muita falta pela postura exemplar que assumiu ao longo da sua vida. Mas far-nos-á ainda mais falta se não conservarmos a memória do seu exemplo por forma a que perdurem as multifacetadas lições positivas que nos deu ao longo da sua vida longa! Por isso me congratulo tanto com mais esta homenagem que tão justamente lhe é prestada e por isso me associo a ela com tanto gosto." Maria de Belém Roseira

Colóquio Migrações e Cidadania Universidade Aberta 2 de junho

I A divisa da AEMM - :"Nenhuma pessoa é estrangeira numa sociedade que vive os direitos humanos". - é uma utopia, mas também uma ideia-força, que vai ganhando espaço, na progressiva consolidação de um "Estatuto de Direitos dos Expatriados", como emigrantes/ imigrantes, face a duas sociedades, a dois ordenamentos jurídicos - o do país de origem e o país de destino – assim como em convenções e tratados internacionais. Um Direito novo, que se vem criando, desde o último quartel do século XX e que coloca no centro os interesses das pessoas, e não o dos Estados, A dupla nacionalidade, a dupla participação política são crescentemente aceites "de jure constituto", bem como o sufrágio dos imigrantes em eleições locais - em alguns países, como o nosso, ainda sob condição de reciprocidade, limitação injusta dos direitos dos imigrantes, que, na cidade onde moram, na sua cidade, devem ser todos iguais perante a lei Contudo, ter direitos e poder exercê-los livremente não é a mesma coisa, como nos ensina a saga das mulheres na reivindicação da sua cidadania. A proclamação formal e a prática dos direitos raras vezes aconteceram em simultâneo. E as discriminações no ordenamento jurídico e na realidade vivida fizeram das mulheres "estrangeiras no seu próprio país"... Vamos falar hoje, aqui, de cidadania e migrações, com acento na componente de género. Vamos lembrar o mais perfeito exemplo de "Mulher - cidadã" que nos deu a sociedade portuguesa do nosso tempo: Maria Barroso! Recordaremos o seu pensamento e a sua ação num dos setores em que é, porventura, menos conhecida a importância do seu papel: na luta pela afirmação cívica e política das mulheres nas comunidades da emigração, como dinamizadora do projeto que representou uma viragem nas políticas públicas para a igualdade – os ”Encontros para a cidadania”, que decorreram nos quatro cantos do mundo, entre 2005 e 2009. Foi uma grande aventura contra o descaso, a marginalização das migrações femininas - tão esquecidas, até data recente, nas investigações académicas, na literatura, no jornalismo, na opinião pública, como o haviam sido nas preocupações do Estado e até no movimento feminista de novecentos.. No que respeita a definição de políticas para as mulheres migrantes, podemos, em Portugal, distinguir três períodos: - o das políticas proibitivas, que começa na Expansão e vai até 1974, com o objetivo dominante de confinar as portuguesas nas fronteiras da terra-mãe, em consonância com costumes ancestrais que, praticamente, as emparedavam dentro de suas casas, por vontade de pais ou de maridos - o das políticas de indiferença, que se estende por três décadas, a partir da revolução de 1974, depois de reconhecida a liberdade de emigrar e a igualdade de direitos entre os sexos, sem todavia a encorajar fora do território, não atentando nas especificidades das migrações femininas, padronizando-as, globalmente, em estereótipos masculinos – e isto, apesar da "feminização da emigração", que era já, então, um fenómeno omnipresente (visto que, após a crise petrolífera de 1973/74, os países de acolhimento apenas permitiam o ingresso de estrangeiros a título de reagrupamento familiar). - o das políticas de emigração com a componente de género e cidadania, que, têm pouco mais de uma década de existência e se desenvolveu, de início, em parcerias entre os poderes públicos e a "sociedade civil", através de instituições com sede no pais, como a AEMM e a Fundação Pro Dignitate, ou na Diáspora. Uma primeira tentativa de implementar um programa para uma maior participação cívica feminina acontecera em 1985, com a convocação pela Secretaria de Estado da Emigração, de um encontro mundial de mulheres do associativismo e do jornalismo - gesto absolutamente pioneiro, a nível europeu e universal. e deveras improvável à luz da nossa experiência multissecular, neste particular domínio Todavia, a sua prossecução, através de audições periódicas em Conferências, organizadas na órbita do Conselho das Comunidades Portuguesas (órgão, quase exclusivamente constituído por homens...) foi interrompida pelos governos seguintes. Historicamente do domínio do efémero, deixou, porém, um rasto de memórias que levou a AEMM, vinte anos depois, a propor ao Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas um novo Encontro mundial, não tanto para celebrar o passado, como para antecipar o passo em frente que tardava. O Secretário de Estado António Braga foi além da proposta, avançou, em moldes completamente inovadores, para os "Encontros para a cidadania", realizados, sucessivamente, na América do Sul, Europa, América do Norte e África e finalizadas por um encontro internacional no nosso país. A Drª Maria Barroso foi, como disse, a figura emblemática desse ambicioso programa de mudança. Tinha mais de 80 anos, mas não hesitou em o fazer seu, contribuindo poderosamente, com a força da sua convicção, do seu entusiasmo. do seu carisma, para a compreensão da importância da chamada das mulheres a uma intervenção maior - importância para elas próprias, como cidadãs, mas também para um movimento associativo em fatal declínio, se não souber eliminar, por completo, a exclusão de género e de geração. No Encontro internacional de 2009, em que se procedia à avaliação de todo o projeto , a Drª Maria Barroso afirmou: "A meu ver, são duas as condições "sine qua non" para o "empowerment" das mulheres, em geral, e das mulheres migrantes, em particular. A primeira é a sua integração no mercado de trabalho, que as conduz a uma progressiva independência económica e lhes permite o acesso, seu e dos filhos, aos bens fundamentais, como a educação e a saúde.. A segunda é a sua participação nos vários órgãos do poder, central e local, nomeadamente as legislativas, onde se tomam a decisões, que também a elas dizem respeito, e nas associações, onde têm dado provas de enorme sucesso na dinamização das comunidades e na reclamação dos direitos coletivos das mulheres". A tónica nestes dois pontos ajuda-nos a sublinhar, justamente, a trajetória diversa das mulheres nas sociedades de destino e no mundo aparte das nossas comunidades, enquanto espaço extraterritorial de língua, de cultura, de costumes portugueses. O acesso a um trabalho remunerado, essencial à melhoria do nível de vida da família, à educação dos filhos, tornou a emigração uma via de emancipação das portuguesas, que elas, efetivamente, trilharam em massa. Em França, onde o fenómeno está melhor estudado, a investigação científica veio evidenciar que o emprego, regra geral. no setor dos serviços, lhes facilitou a aprendizagem da língua, os contactos sociais, a vivência de um novo modelo de família, o êxito social e profissional. A mulher tornou-se, contra as expetativas, o principal agente de uma transição para a modernidade. E, assim, de uma infinidade de casos concretos se teceu o sucesso de toda uma geração de emigrantes, que se deve, sobretudo, a elas próprias, mas também ao apoio e recetividade dos homens, da família inteira na partilha de novas formas de solidariedade, de conhecimentos e de tarefas. Oposta é. porém, a sua situação nas comunidades portuguesas, onde, quase sempre, são (ou eram, até data muito recente) forçadas a regredir para papéis tradicionais, porque o coletivo reproduz ainda largamente a divisão de trabalho entre os sexos imposta no viver das aldeias rurais, de onde partiram. Os desfasamentos na evolução do estatuto das nossas compatriotas nestes espaços sobrepostos foram claramente denunciados no 1º Encontro Mundial em 1985, e, porque o "status quo" em quase todo o lado se mantivera, referidos, insistentemente, nos Encontros para a Cidadania, e nos Congressos mundiais, que os prosseguiram, em 2011 e 2013, por impulso do Secretário de Estado José Cesário. Tal constatação tornava mais evidente a premência de o Governo Português dar cumprimento, não só dentro como fora do País, à tarefa fundamental de promover a participação cívica e política das mulheres, de que o incumbe a Constituição. Por duas razões: - primeiramente, porque, como vimos, é naquela esfera comunitária que mais se sente a discriminação das emigrantes, com ostensivos obstáculos ao seu acesso a cargos diretivos. - em segundo lugar, porque é nesse âmbito que o Governo nacional mais e melhor pode contribuir para a tomada de consciência das desigualdades subsistentes - e não tanto, como é óbvio, no mercado de trabalho ou nas formas de relacionamento social ou profissional num outro país. Em apenas uma década de ativa defesa da igualdade, por governos de diferentes quadrantes (note-se!), muita coisa mudou, sem ter ainda mudado radicalmente um "estado de coisas" . Os "encontros para a cidadania" estimularam a expansão de um associativismo feminino, que, não rompendo com as tradicionais vertentes da beneficência e cultura, assumiu, crescentemente, o carater de reivindicação de direitos e de intervenção na "res publica" . Não deixa de ser significativo que as presidentes de ONG's nascidas por inspiração da "Mulher Migrante" se tenham candidatado e vencido às eleições para o CCP. na Argentina e na Venezuela e que mais de metade das Conselheiras pertençam a este novo tipo de associativismo. De destacar, também, o facto de o atual Secretário de Estado José Luís Carneiro, numa decisão inédita, ter levado a debate, no bastião masculino que continua a ser o "Conselho" as questões de género, pela voz da Secretária de Estado da Igualdade e Cidadania, Catarina Marcelino, cuja intervenção aí, como agora, entre nós, focada nos problemas das portuguesas expatriadas, é uma prova clara de uma nova concertação de esforços no plano interministerial.. A nosso ver, num país de migrações e Diáspora como Portugal, o Governo deve agir, neste campo, através de uma estreita cooperação entre os departamentos da SEI e da SECP, que tutela a rede consular e junto da qual funciona a grande assembleia representativa e consultiva, que é o Conselho das Comunidades,. . Uma palavra final para dizer que o caminho iniciado com Maria Barroso nos "Encontros para a cidadania" tem, no presente, muitas caminhantes. O seu apelo, o seu exemplo tornaram as emigrantes "mais portuguesas, mais cidadãs". Esses múltiplos congressos tiveram o seu lugar, a sua data. São passado, para recordar. Porém, enquanto paradigma, são futuro pata viver. Como a Drª Maria Barroso, na memória do País. Maria Manuela Aguiar Lisboa, 2 de junho de 2016