sexta-feira, 27 de abril de 2012

SEMINÁRIO SOBRE MARIA ARCHER - INTERVENÇÃO DA VEREADORA LEONOR FONSECA

Imagine-se que alguém, nascido ainda no século XIX, termina a quarta classe por iniciativa própria, aos 16 anos. Esse alguém imaginário casa aos 22 anos, separando-se ao fim de dez. Faz das letras a sua vida, colaborando com jornais e editando obra própria, o que lhe custa não só a relação com a família – fruto de pinceladas autobiográficas vertidas para um romance Os Aristocratas – como perseguições políticas, nomeadamente após declarar a intenção de escrever um livro sobre Henrique Galvão e também por lhe terem sido apreendidas obras pela PIDE (a saber, Ida e volta de uma caixa de cigarros e Casa sem pão).
Esta personagem imaginária parte para o Brasil em 55 e aí mantém a veia literária, editando e colaborando de novo com a imprensa. Regressará a Portugal em 79, já doente, vindo a falecer em 1982, em Lisboa.
Novelista, contista, romancista, jornalista, cidadão na verdadeira acepção da palavra – pois afirmou inequivocamente a sua oposição ao regime de Salazar -, escritora de literatura de viagens, de livros infantis, de ensaios sobre usos e costumes africanos, a tudo isto se soma ainda a nobilíssima missão de retratar - e defender - a condição da mulher portuguesa ao longo do século XX.
Comecei por vos falar em imaginar. Pensar uma personagem. Talvez porque, remetendo-nos nós para inícios de 1900’s, dificilmente poderíamos imaginar a materialização de uma mulher assim. Existiram, é um facto: Olinda da Conceição, Margarida Marques, Ana de Castro Osório, Carolina Beatriz Ângelo. Mas eram poucas, e menos ainda as que tinham tão particular vivência, errância e que, mesmo assim, não perderam o seu norte, as suas convicções, não soçobraram ao machismo vigente.
Maria Archer é pois a nossa personagem imaginária. Ela é apenas uma mulher, dir-se-á – e a própria disse-o, dando a essa frase o título de uma das suas obras. Mas uma mulher maior porque, na grandeza das suas atitudes, se efabulou para todas e todos nós. Alcançou o justo lugar de exemplo, apenas por viver. Mas viver plenamente, activamente, numa altura em que viver, para uma mulher, era sinónimo de submissão. Maria Archer abdicou do conforto, da riqueza, para ser livre, criativa, participante.
É pois, para mim, uma personagem imaginária. Real, mas imaginária. Porque é nesse lugar que guardo as pessoas capazes das coisas impossíveis.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

MARIA LAMAS

ATRIBUIÇÃO DO NOME MARIA LAMAS A UMA ESCOLA DO PORTO

Fina d’Armada

Quando eclodiu a revolução dos cravos, em 1974, a gente quis voar como pássaros a
quem libertam da gaiola. Tínhamos fome de mudança. Eu trabalhava como professora numa escola feminina do Porto que não tinha edifício nem nome. Era uma secção da escola preparatória Gomes Teixeira, com sede na Praça da Galiza, mas funcionava no edifício da escola “secundária” Clara de Resende, em frente ao estádio do Bessa.
Com a revolução e a vontade de construir um mundo novo, os diretores das escolas
foram substituídos por comissões de gestão eleitas. Ora, eu fui uma das eleitas. E um dos nossos objetivos foi lutarmos por uma escola independente. Para isso, precisávamos de arranjar um patrono. Como a escola era feminina, propuseram-se nomes de mulheres.
Surgiram dois fortes – Guilhermina Suggia, uma violoncelista de renome mundial, e
Maria Lamas, talvez sugerida por mim. A primeira estava dentro dos parâmetros da lei – era do Porto e falecida. A segunda não se enquadrava. Era de Torres Novas e ainda viva.
Contudo, Maria Lamas tinha estado exilada em França e chegou com a revolução tal como Álvaro Cunhal e Mário Soares. Ao tempo, se Mário Soares era o pai da Democracia, Maria Lamas era vista como a mãe dessa era nova.
Em reunião de assembleia de escola, ganhou Maria Lamas. E como era o tempo de “o povo é quem mais ordena”…
A comissão de gestão travou uma luta árdua. Recordo que fomos duas vezes a Lisboa,
à Direcção do Ensino Básico. Acho que o diretor era Rogério Fernandes. E fomos também várias vezes (eu recordo ter ido só uma vez, mas outros membros da comissão, éramos cinco, foram mais vezes) falar com o presidente da Câmara do Porto, que era o famoso Carlos Cal Brandão.
A criação da escola preparatória Maria Lamas veio no “Diário de Governo”, a 1 de
Abril de 1975. Eu escrevi um artigo no “Jornal de Notícias”, noticiando a nova escola com uma breve biografia de Maria Lamas, em 11 de Outubro de 1975.
E foi a nossa insistência, as nossas idas a Lisboa, a revolução que tudo alterava, com a
ajuda do presidente da Câmara do Porto e o diretor do Ensino Básico, que conseguimos
atribuir a uma escola um nome “fora da lei”. Maria Lamas soube desde o início dessa
homenagem, nós telefonámos-lhe.
A título de curiosidade, o nome “Maria Lamas” foi atribuído, pelo menos, a 16 ruas do
País.