quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Luz Morais Comunicação

UMA JOVEM PORTUGUESA EM PARIS
Criação: Luz Morais
O QUE APRENDI COMO ESTRANGEIRA EM PARIS:

De uma forma simples, sem me aprofundar muito, posso perceber com certeza que morar fora de Portugal por 18 anos, apesar das dificuldades, dos transtornos, me ensinou a:
- Conviver com diversas raças e procurar enriquecer com os costumes diferentes;
- Respeitar o sentimento e a escolha de vida das outras pessoas;
- Ser mais alegre e mais livre de preconceitos;
- Lutar para realizar os sonhos;
- Perdoar a mim mesma e perdoar os outros;
- Realizar igual ou melhor, no lugar de invejar:
- Ser hospitaleira e compreensiva com os estrangeiros.

Nasci no Porto (São Roque). Sou neta e filha de portugueses. Nasci nos anos 1947. Conheci a escola indesejada, onde as crianças sofriam agressão física e verbal. Havia professores insuportáveis, mal-humorados, arrogantes.
Como se tivesse sido escolhida, lá tive eu que conhecer uma professora que, ainda hoje, aparece nos meus pesadelos. Sinto medo de professores, ainda hoje. Pensar em enfrentar uma professora me tortura, me sufoca com lembranças horríveis dos bolos que minhas mãos, ainda tão pequenas, tiveram que suportar. Quanto mais a professora me agredia com palavras e batia em minhas mãos, mais meus lábios e minhas mãos se negavam a ler e a escrever. Não conseguia dormir, sofria pesadelos constantes, imaginava o quanto o mundo seria lindo se não existissem escolas e professores.
Meus pais eram bondosos e alegres, meu irmão era meu amigo, meus avós maravilhosos; nossa casa era um paraíso para mim. Meu pai gostava de música, de desenhar e era ator de teatro amador – eu adorava vê-lo a representar. Até que um dia desfaleci quando fui vê-lo detido pela Pide (atrás de uma grade), por que lutava e ansiava por liberdade, foi o que me disseram os adultos. Minha saúde, a partir desse dia se tornou muito frágil, a merecer sempre atenção e cuidados. Antes de acontecer isso com meu pai, nós eramos uma família contente. Podíamos jogar cartas, saiamos a passear pelos parques e pelas praias. Fizemos muitas viagens, cantávamos juntos, sempre alegres.
Tive a sorte de frequentar a quarta classe numa nova escola, com uma professora muito simpática, que me tratava com carinho. Ela fez minha voz ganhar força para a leitura e minhas mãos, além de conseguirem finalmente escrever, até desenhavam. A professora ficava sempre com os meus desenhos, mesmo quando eram feitos enquanto ela dava aula de língua portuguesa. Perdoava minha distração e achava lindos os meus desenhos – colocava enfileirados no quadro para os colegas apreciarem. Minha alma destroçada explodiu de alegria quando, finalmente, o obrigatório diploma de quarta classe chegou às minhas mãos. Estava livre, jamais voltaria à escola, nunca mais, nunca mais!
Talvez meu destino acadêmico tivesse sido outro, se aquela professora má nunca tivesse
atravessado o meu caminho.
Minha mãe era uma excelente modista. Livre da escola, eu ajudava a coser as roupas, a pregar botões, enquanto cantávamos, ríamos, junto com a minha mãe e com as suas três auxiliares. Meu pai continuava no seu trabalho como marceneiro na Companhia de Caminho de Ferro. Eu trabalhei, como comerciaria de balcão numa grande loja de roupas do Porto, que ainda hoje existe com muitas filiais. Meu irmão continuou os estudos e tirou o diploma de Guarda-Livros.
Quando completei 18 anos, tão logo meu pai pode virar as costas para Portugal, livre da Pide, meu irmão, minha mãe, meu pai e eu, mudamos para Paris. Meu irmão e eu ficamos mais unidos e confidentes numa cidade onde o idioma era estranho.
Eu me casei logo que chegamos em Paris, com um jovem português que já lá morava e me ensinava francês. O casamento durou apenas alguns anos e veio a separação.
PARIS – quem é que quer Paris?
Foram anos difíceis. Já não era conveniente morar em Paris. Com meus filhos em idade escolar, entre 12 e 14 anos de idade, aceitei o convite da minha tia e madrinha para voltar a morar em Portugal. Senti que a vida valia ser vivida; tudo passou a ser só felicidade, embora tivesse interrompido a vida escolar dos meus filhos. Mesmo sem o meu marido fui vivendo, ajudando meus filhos a se adaptarem à nova vida na nova escola e com os novos amigos. Quando meus pais também retornaram a Portugal, fiquei ainda mais feliz. Decidi, então, que sofrer nunca mais, desistir nunca mais. Já tinha
aprendido a lutar para realizar os meus sonhos, mesmo que fosse a duras penas. Em Portugal, na cidade do Porto, reconstrui minha vida. Casei com um homem maravilhoso, engenheiro competente e que me amava de verdade. Meus filhos continuam a amá-lo como seu verdadeiro pai. Ele e eu vivemos casados mais de vinte anos, em plena felicidade, a viajar muito pelo estrangeiro, sempre muito alegres e felizes, numa vida estável. Sinto saudades do seu modo de ser; gostava de livros, de ler, de ir ao cinema, de futebol e da engenharia. Ele me ajudou a reorganizar a minha vida, a estabilizar a minha saúde. Infelizmente já não está entre os vivos.
Quando um dos meus filhos terminou sua missão na Tropa, chegamos à conclusão que seria melhor ele viver em Paris com o pai biológico, oportunidade para estudar, encontrar novos amigos, um bom trabalho. Para suportar tanta mudança, agarrei-me a Jesus, com as minhas mãos ainda doloridas
dos bolos que levaram, mas agora já não havia professora, já não havia escola.
Meu irmão conheceu sua segunda mulher e, desde então, quase não o vejo, ocupado que está com a sua vida em Paris. Meus avós e meus pais já faleceram. Costumo ir Paris, com uma certa frequência, para visitar meu querido filho e minhas netas. Enquanto lá morei, senti o gosto da bela e famosa Paris. Lá eu fui feliz por alguns anos, mas não consegui trabalhar, realizar, evoluir, por circunstancias diversas.É assim mesmo que acontece quando estamos felizes: as árvores são verdes, não são
cinzentas; o sol brilha mesmo que esteja a cair neve e as pessoas são simpáticas. A vida difícil passou a ser um grande desafio para mim. Aprendi a usar a força que herdei dos meus pais.
Minhas idas a Paris servem para reforçar o meu amor pela cidade do Porto, pela nossa gente. Volto sempre mais convencida de que Portugal é mesmo uma pequena e forte nação e a cidade do Porto uma cidade linda, onde convivo com os amigos, onde posso sonhar com a realização dos meus projetos como artista.

A ARTE:
Assim como diz a minha orientadora de arte, estou vivendo um espaço de tempo que poderá ser infinito, como artista plástica, desde que eu dedique o meu tempo para criar e a minha energia para inovar. Desenvolvi o gosto pela Arte desde a infância. Já pintei porcelana, criei lindas peças para decoração e bijuteria. Fiz algumas peças com as técnicas de: bronze, metal, cerâmica, pirogravura.
Hoje tenho uma consciência de arte como algo novo, criado por mim. Eu crio as minhas obras, as minhas peças com a minha personalidade, usando a inspiração e a criatividade.

A ARTE NAÏF.
Com um curso direcionado, bem conduzido, sou agora uma enérgica estudiosa da Arte Naïf. Procuro fazer meu trabalho de forma organizada, feliz por poder criar com toda a liberdade possível. Já sou uma artista expositora, participei de duas bienais, de várias exposições coletivas e fiz uma individual.
Pretendo voltar a estudar, para dar continuidade a uma parte da minha escolaridade que ficou parada no tempo.
Penso que estou a perceber e a sentir um enorme desejo de contar, nem que seja apenas para mim mesma, algumas passagens da minha vida.
Agora tenho as minhas mãos livres, liberdade que ganhei à custa de muita força de vontade,. Sempre aceitei o que a vida me ofereceu, sempre achei um outro jeito de ser feliz. Embora quisesse muito mais, eu sabia que precisava esperar com paciência para realizar os meus sonhos de ser uma artista plástica.
Já posso dizer que crio e desenvolvo algo para mim, para o meu contentamento. O caminho ainda é estreito, mas vejo uma estrada larga à minha frente.

Luz Morais - Artista plástica naïf, pintura em porcelana, pirogravura
Porto, Portugal, 2013

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