terça-feira, 9 de agosto de 2016

UMA SELEÇÃO LUSÓFONA

1 - Enfim, a utopia, que perseguíamos, desde há tanto tempo, concretizou-se, as bandeiras verde rubras saíram à rua, soltou-se das gargantas roucas de gritar o hino, cantado mil vezes, ao esplendor de Portugal. Uma explosão de alegria, de afetos, de festa. Hoje, é ainda para nós mais fácil, hoje, falar de emoções incontidas, de estados de alma, do que do estado do nosso futebol, de táticas, estratégias e exibições individuais e coletivas, de que se teceu a vitória. O mesmo se diga para o estado da Europa ou do país... Brexit? Sim, sim, pois, dutranteestas últimas semanas, a Inglaterra dececionou, o Reino Unido foi mais Gales (Ramsey, Gareth Bale) ou Irlanda (com o cântico àquele rapaz que jogou ainda menos do que o nosso Rafa). Sanções? Quais sanções? Os três "penalties" que ficaram por marcar a nosso favor? Ou o cartão laranja - ou vermelho - que não foi mostrado a Payet? Como no disco dos Pink Floyd (salvo erro): "Crisis? What crisis?". 2 - Desta celebração infinda, em que estamos irmanamos, fica uma página de história que se escreveu, épica e titânica, através dos seus heróis , todos vivos no panteão da memória do país. Mas ficam, também, lições preciosas para a história do futuro ( e já Agostinho da Silva dizia sabiamente que "a história que interessa é a do futuro"). Ensinamentos que podem mudar Portugal, muito para além dos campos de jogos. O primeiro tem a ver com uma perceção nova da dimensão que a existência de comunidades portuguesas em todo o mundo, confere ao país. Todos os que estudam e acompanham , no terreno, o fenómeno migratório, o sabem perfeitamente, mas não tinham nunca conseguido evidenciá-lo perante a opinião pública portuguesa, dar-lhe a visibilidade que só os modernos "media" podem oferecer. A partir de Marcoussis e das várias terras de França, de onde chegaram, quotidianamente, as imagens e as vozes dos próprios emigrantes, a realidade do seu amor pátrio, da sua pertença à comunidade nacional tornou-se património comum do povo, por fim, unido no conhecimento recíproco. Não podemos deixar que esta proximidade afetiva, que foi agora alcançada, se venha a perder, do lado de dentro do país, Do lado de fora, não há esse risco, como se viu, como se vê e (acredito!) se verá sempre. É bom que dominem a nossa língua, é bom que nos visitem assiduamente, que participem no movimento associativo e na vida política nacional, mas essas não são condições "sine qua non" de fidelidade às origens. Há sucessivas gerações que nos são fidelíssimas, não votando em processos eleitorais, não frequentando quotidianamente as associações étnicas, mal falando, ou não falando mesmo, o idioma dos seus pais . Não somos apenas 11 milhões, nem 15 milhões - somos muitos mais. O que determina o "ser português" no estrangeiro não é nenhum daqueles fatores, embora todos e, antes de mais. a língua, sejam muito importantes. O maior denominador comum é o afeto, é a cultura, no seu sentido lato. Incentivar os afetos, potencia-los, levará a uma imensa expansão deste nosso universo. 3 - Parece já tanto e foi ainda mais o que se construiu, a partir de uma seleção que, tanto ou mais do que estreitamente portuguesa foi essencialmente lusófona. Fui sempre incondicional defensora da dupla cidadania para os migrantes, sem excetuar os atletas, como muita gente do desporto queria, porque em regra ela corresponde aos sentimentos dos imigrantes, que têm as duas pátrias no coração (estes portugueses de França, as segundas e terceiras gerações são também bons franceses - e o mesmo se pode afirmar dos emigrantes que se fixaram noutros países, à escala planetária). As exceções, a naturalização por oportunismo. são poucas e negligenciáveis no domínio do desporto. (Não estou a considerar aqui os "vistos gold" - isso é outra coisa...) A campanha contra os naturalizados atingiu sobretudo os brasileiros - um jogador genial, que é justamente o que hoje mais falta a esta nossa seleção "pragmática" (o insubstituível Deco, o maestro de um futebol orquestrado de arte e de espetáculo) e Pepe, cuja qualidade e, sobretudo, cuja pertença, em 2016, já ninguém se atreve a por em causa. Temos, assim, laços ao Brasil, e, ainda mais numerosos, aos países lusófonos da Àfrica e os povos lusófonos responderam com um apoio jamais visto à seleção portuguesa, porque os povos a sentem sua, também. Em cada um desses países e nas comunidades de imigrantes em Portugal, as manifestações de regozijo irmanaram com as nossas. Afinal, o "homem do Jogo" nasceu no Brasil, o capitão em Cabo Verde e o herói, que sentenciou o campeonato (com um golo de sonho, na Guiné Bissau.