quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Andreana Buest recortes de um livro



A IMAGEM FEMININA NO CINEMA

(Recortes do livro MULHER VESTIDA PARA…



A moda, o Figurino e a imagem feminina no cinema de Hollywood)
Este texto é composto por recortes do livro Mulher Vestida para…, publicado em 2008 pela autora Andreana Buest1 e propõe uma análise centrada na construção da imagem feminina. O livro sugere que por meio do estudo do figurino de cinema, bem como pelo estudo da moda de um período, é possível construir uma visão do contexto sócio-cultural e, portanto dos desdobramentos na formação da imagem da mulher.

1 CV disponível em: http://lattes.cnpq.br/8524864511640916



O livro teve como escopo de análise a imagem feminina construída pelos filmes hollywoodianos nas décadas de 1930 e 1940, período das grandes produções do cinema norte-americano, em que as atrizes não eram seres mortais, mas divindades, criaturas celestiais. Nesta fase do cinema norte-americano, as imagens de tais atrizes ultrapassavam o limite de seus filmes e criavam mitos além da tela. Seus rostos, seus corpos, seu estilo de vida, suas roupas e frases passavam a simbolizar idéias e comportamentos aceitos e valorizados socialmente. Criavam-se seres a parte da interpretação, seres espetaculares. Nem mesmo grandes e poderosos personagens conseguiam anular a presença divinizada que se formava em torno de determinada atriz.
A análise apresentada no livro ficou limitada às atrizes e filmes de Hollywood das décadas de 1930 e 1940. Entretanto os resultados podem encontrar paralelos nas produções hollywoodianas contemporâneas. Novas linguagens e propostas quanto ao papel das personagens femininas nos filmes surgiram, atualizadas obviamente, pela própria mudança cultural da sociedade nos últimos 50 ou 60 anos. Mas há ainda entre as produções atuais um grande número de filmes, especialmente nos hollywoodianos, em que a imagem da atriz mantém modelos de comportamento e desempenha papéis que reificam a imagem de deusa, de glamour, de distanciamento, próprio do "star system", atualmente potencializado pela evolução da tecnologia de manipulação de imagens, como a computação gráfica.



Elemento essencial na sociedade espetacular e pós-moderna, a imagem representa ao mesmo tempo o rompimento com os limites e valores passados e por isso mesmo a exaltação e mesmo a disposição pelo consumo de novas formas de vida, de idéias e identidades. A imagem cinematográfica é, portanto a possibilidade de participação e expressão no mundo em que a aparência é tão importante e representa a busca por um presente eterno, pela novidade e por uma diversidade contraditoriamente homogeneizante – todos devem ser diferentes, capazes de encontrar a 2/6



personalidade marcante dentro de uma imensa gama de imagens possíveis. Associando-se às imagens virtuais, de seres humanos digitais, o cinema representa, na contemporaneidade, o espelho desta busca por imagens simbólicas, de identidades sempre renovadas.

Às imagens cinematográficas aliam-se às da publicidade, da moda, à do computador e tantas outras, exacerbando a curiosidade sobre o corpo / sujeito, consumível, plástico, permanentemente insatisfeito e em busca não mais do novo, mas de inovar-se continuamente, seja por meio de intervenções em seu próprio ser ou por meio das imagens constantemente inovadas que apresentam-se diante de si.

Em uma sociedade que dessacraliza os valores, os conceitos, as idéias e as artes, a cultura cinematográfica abre espaço para intervenções de outras linguagens. Assim, o Olimpo do cinema de Hollywood expandiu-se e apresenta novas deusas, humanas ou virtuais, ou ainda as top models do mundo da moda.
Desde o advento do cinema, a relação com a moda garante uma parceria mutua pela conquista do espectador e do consumidor. Assim, é cada vez mais freqüente a migração das passarelas para os filmes e das telas para os desfiles de moda. Top models esquentam a bilheteria de produções com forte apelo comercial, como Taxi (2004, Diretor: Tim Story) ou The devil wears Prada (uma exaltação cinematográfica ao mundo da moda e da imagem publicitária, do diretor David Frankel, 2005), ambos com participação de Gisele Bündchen, a top model mais icônica do universo imagético contemporâneo.

Apoiada na supervalorização da moda e de suas top models a partir dos anos de 1990, a construção da imagem da mulher no cinema recebeu e legitimou mais e mais elementos de valorização das características hiper-femininas em filmes como Pretty Woman (Uma linda mulher, 1990, diretor: Garry Marshall) ou One Night at McCool's (Que Mulher é essa, 2001, diretor: Harald Zwart), Moulin Rouge (2001, diretor Baz Lurhmann), cujas protagonistas tem forte ligação com o universo da moda: participam de desfiles, campanhas publicitárias para perfumes ou Maisons de Haute-Couture, estabelecendo as novas tendências que serão apresentadas nas coleções de moda.

O figurino (construído digitalmente ou não) continua sendo utilizado para auxiliar na criação de ícones e símbolos da beleza feminina. Lingeries, roupas justas, cabelos longos e sedosos são usados por Vivian Ward, personagem de Julia Roberts em Pretty Woman como instrumento para atrair o espectador masculino. A função do figurino é seduzir, demonstrando que a personagem age de acordo com o esperado pela sociedade: é uma mulher submissa e gentil.

Mas em Disclosure (Assédio Sexual, 1994, diretor: Barry Levinson), Basic Instinct (Instinto Selvagem, 1992, diretor: Paulo Verhoeven), Fatal Attraction (Atração Fatal, 1997, diretor: Adrian Lyne), e principalmente a série Alien as personagens femininas saem de sua postura "habitual", 3/6



passiva, para agir com liberdade e poder. Não é por acaso que são chamadas de mulheres fatais, são agressivas e agem "como homens", portanto seu fim é normalmente trágico. A icônica personagem de Sigourney Weaver, Lt. Ripley, fez sucesso porque causou ao espectador estranhamento. Suas atitudes não eram esperadas em uma personagem feminina. Ao utilizar-se de gestos, palavras e roupas masculinas a personagem despertou nos espectadores o mesmo que Marlene Dietrich em sua época. A ousadia, o raciocínio rápido e atitudes de liderança são características das personagens de ambas as atrizes.
MARTINS (2002) faz uma associação entre a Lt. Ripley e à imagem feminina como origem do Mal. A autora enfatiza que o monstruoso é associado ao Mal e à imagem da Mulher desde o final da Idade Média e que a idéia de que o Mal entrou no mundo por meio de um ser humano, de uma mulher, tornou-se um dos fundamentos da misoginia na cultura judaico-cristã. Tal concepção responsabilizou Eva e suas descendentes pelo pecado e as cobriu de culpa, associando-as ao Mal e ao Demônio. No outro extremo a imagem de Maria, mãe de Jesus, redimiu todas as mulheres por meio da maternidade, da abnegação e do sacrifício. Assim, a imagem feminina na cultura ocidental oscila entre Eva, a pecadora e Maria, a salvadora. Herdeira de Eva, Lt. Ripley é também herdeira das mártires, como Joana D´Arc, Madalena, etc. Nesse contexto, o cinema de Hollywood apropriou-se deste imaginário e em filmes como Alien3 os temas morte, pecado, luta entre Bem e Mal, fragilidade humana, obsessão com a salvação, estão, segundo MARTINS (2002) ancorados no simbolismo religioso do Ocidente. Para a autora a oposição entre humano e monstruoso na série Alien está associada à origem da humanidade (Adão e Eva X Serpente) e apoiada na luta entre duas mães2. MARTINS (2002) observa que o filme Alien3, apresenta a mulher levando em sua essência a luta eterna entre o Bem e o Mal. A mulher como ameaça à sanidade e à integridade masculina e a mulher como santa, que renuncia à própria vida atirando-se no fogo purificador para salvar a humanidade. Lt. Ripley representa, em sua ligação de nascimento e morte com o alienígena, a eterna relação entre o humano (mulher) e o monstruoso e que em seu último gesto parece ter vencido a Serpente.



2 vale observar que o aspecto maternidade aparece também nos filmes Kill Bill e Eon Flux (citados mais adiante).
Também em Basic Instinct, a personagem de Sharon Stone "brinca" com os personagens e com o espectador masculino, retomando a imagem da mulher como causadora do mal, do desvio de conduta e do pecado. Em Fatal Attaction ou Disclosure, o corpo sensual das protagonistas é usado como uma arma de ataque ao poder masculino. Pernas e bustos moldados em minissaias ajustadas, vestidos colantes, cinta-liga, saltos pontiagudos, soutiens meia taça e calcinhas pretas (ou a ausência delas) constituem o uniforme destas vilãs, guerreiras que desafiam a supremacia masculina. São predadoras, inescrupulosas e ambiciosas (características masculinas!?). Agem fora do ambiente 4/6

doméstico, atacam no campo profissional e aproximam-se do papel da dominatrix, pecadora: instigam, mas são impenetráveis. Seja por assassinato ou por chantagem, os personagens masculinos perdem seu espaço para elas.

Entretanto, essas bad girls normalmente não saem da trama bem sucedidas após tantas "maldades" contra o universo masculino. São então punidas. Elas ameaçam o poder, a hegemonia e a tranqüilidade do homem, ousaram agir fora do padrão de mãe e mártir, fora de seu território doméstico e, portanto devem ser mortas, presas, demitidas, servindo de exemplo para todas as outras mulheres que tentarem se afastar da imagem maternal e usarem a sensualidade para sobreporem-se ao poder masculino.

"Estou apenas fazendo o jogo dos homens e sendo punida por isso."3



3 frase da personagem Meredith Johnson, interpretada por Demi Moore no filme Assédio Sexual.
A despeito do conceito de que a percepção da imagem feminina ocidental está baseada na construção simbólica religiosa, considera-se aqui que a fórmula clássica que determinou o destino das protagonistas femininas até meados da década de 1990:
mulher fraca = cinderela, boazinha, ingênua, heroína, feminina, mártir;

mulher forte = bad girl, perigosa, vilã, masculinizada, pecadora;



sofreu uma atualização graças a óbvias mudanças sócio culturais e à interferência das representações imagéticas proporcionadas pela linguagem da computação gráfica e do universo virtual.
Filmes como Ultraviolet (2006, Diretor: Kurt Wimmer), Lara Croft: Tomb Raider (2001, Diretor: Simon West), Aeon Flux (2005, Diretor: Karyn Kusama), Kill Bill vol.1 (2003, Diretor: Quentin Tarantino), Charlie´s Angels (2000, Diretor: Joseph McGinty Nichol), construíram uma simbiose perfeita, característica das imagens pós modernas, entre os dois estereótipos: a mulher / atriz / personagem sexy e sensual, extremamente feminina, forte, perigosa e com atributos masculinos para se defender e conquistar. A cinderela e a bad girl, a pecadora e a mártir são hoje uma só.

Segundo VIEIRA (2003), o cinema de ficção apresenta a crescente visibilidade de um corpo acessível, decifrado, aberto, alterado por meio de próteses. Manipulável, o corpo contemporâneo questiona os limites entre a realidade e a artificialidade. A imagem fílmica da mulher, moldada pelo figurino, está, assim, no limite entre o real e o simulacro. O figurino molda corpos virtuais e reflete o distanciamento do real. É uma ferramenta que torna possível a fusão entre a cinderela e a bad girl, por meio de roupas com forte associação fetichista: bodies colantes no corpo, salientando o busto e afinando a cintura, botas de couro ou látex até a coxa com saltos altíssimos, cabelos longos em diversas cores. Elas são ciborgues sexuais, plastificadas, protegidas por seus figurinos para 5/6

exercerem sua sensualidade sem serem perturbadas, como a personagem Gigolo Jane, uma prostituta ciborgue (interpretada pela atriz Ashley Scott) em Artificial Inteligence (2001, Diretor: Steven Spielberg), a personagem Trinity (interpretada por Carrie-Anne Moss) na série Matrix, ou as personagens Phoenix, Storm e Mystique dos filmes X-Men.

Diferente das protagonistas anteriores, ora sensuais, burras e submissas, ora sensuais, inteligentes e malvadas, a nova imagem da mulher ideal no cinema, adaptada à onda tecnológica, briga e bate "como homem", procura livrar-se da culpa e da imagem de mártir. Em controle e posse de sua sensualidade e sexappeal, os usa a seu favor e não apenas para agradar o universo masculino.



Na sociedade contemporânea a busca pela imagem / corpo/ identidade perfeita é tanto da mulher quanto do homem. Os limites entre papéis masculinos e femininos tornam-se mais difusos. O epicentro da sociedade da aparência é o corpo espetacular, construído para a moda, pouco importando se feminino ou masculino, se feminino masculinizado ou se masculino feminilizado.
O simbolismo do espaço masculino e feminino nos anos de 1990, que caracterizava a relação entre homem rico e maduro e a mulher jovem, bonita e permissiva, atualizou-se em corpos sensuais e perigosos, de homens e mulheres, como em Mr. e Mrs. Smith (2005, Diretor Doug Liman).



Na relação entre o corpo feminino e a roupa que o veste no contexto específico do universo cinematográfico, o corpo feminino, como um texto da cultura, recebe e transmite um conjunto de informações e se adapta de acordo com o contexto cultural no qual está inserido. As danças, os gestos, as características do corpo da mulher em um filme refletem e emanam sua identidade cultural ocidental. Seu corpo é, portanto um texto formado por muitos outros, oriundos não apenas do ambiente cinematográfico, mas também da realidade cultural em que o filme foi realizado. No cinema o corpo se expande por meio de adereços acrescentados ao personagem e informa aos espectadores qual o corpo do momento, enriquecendo e valorizando, desta forma, o próprio corpo da atriz e da mulher.

A cultura orienta as relações entre o corpo, o figurino (a roupa) e as mídias. Especialmente no cinema de Hollywood, atores e atrizes são exibidos com corpos criados pela angulação da câmera, iluminação ou pela tecnologia digital e pelo figurino. A relação mítica entre o espectador e o ator / personagem, aparece diariamente nas modificações que o ser humano faz em seu próprio corpo para adaptar-se às mudanças propostas por seus heróis cinematográficos e pela moda. Tatuagens, piercings, tinturas, adornos, implantes, complementos, acessórios e roupas remetem à imagem ficcional, ao que está sendo usado nos filmes e nas passarelas dos desfiles de moda que cada vez mais criam corpos e seres mitificados no universo da cultura do espetáculo.

O universo cinematográfico, permeado pelo espetáculo de imagens midiáticas, acentua a mulher espetáculo. O figurino, texto da cultura, não está alheio às construções da imagem feminina, 6/6



de sua identidade objetificada, potencializada e fragmentada. A representação corpórea da imagem feminina no cinema continua, salvo exceções, utilizando o figurino e a moda para legitimar, reiterar e valorizar a figura hiper-feminina, símbolo de um ideal cada vez mais possível aos corpos plásticos da sociedade contemporânea.
Referências
MARTINS, Ana Paula Vosne. O martírio da tenente Ripley: a mulher e o Mal no cinema de ficção científica. In: Caderno de Pesquisa e Debate do Núcleo de Estudos de Gênero. Curitiba: UFPR, 2003. v.2. p.131 à 146

VIEIRA, João Luiz. Anatomias do visível: cinema, corpo e a máquina da ficção científica. In: NOVAES, Adauto (org). O homem máquina: a ciência manipula o corpo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 317-346.



Andreana Buest
Nascida em São Paulo, vivi 11 anos em Curitiba, no Paraná e mudei-me para Portugal em 2008, onde atualmente vivo (na cidade do Porto). Fui migrante e sou imigrante, mas nunca me senti nem como uma coisa, nem outra. Não sei falar sobre preconceito, sobre raízes ou saudade, porque simplesmente não vivi estas experiências. Minha experiência baseou-se na decisão de mudar (de cidade ou de país) e na adaptação aos costumes locais (fosse em Curitiba ou no Porto). Penso que é assim que deve ser: quando por livre vontade decidimos mudar, temos de estar abertas e preparadas para nos mudar a nós mesmos e não esperar o contrário. Por outro lado não sei quanto tempo ficarei onde estou porque não me preocupo em criar raízes e não me assusto com novas mudanças. Gosto de novos lugares, de novas pessoas, de novas situações e de novos desafios.
Curriculum Vitae
(resumido. Para consulta do CV na íntegra, consulte http://lattes.cnpq.br/8524864511640916)

Graduada pelo Curso Superior de Design de Moda pela Faculdade Anhembi Morumbi, São Paulo, Brasil (1994). Mestre em Tecnologia pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Brasil. Atuou de 1998 até 2005 como professora no Curso de Design de Moda, Produto e Gráfico da Universidade Tuiuti do Paraná, Brasil. Até março de 2008 foi professora do Lady & Lord Professional School, do Curso Técnico em Estilismo em Confecção Industrial do Senai PR, aonde também fez parte do Corpo docente do Curso de Pós Graduação em Moda e Gestão em Curitiba e Londrina, PR e do Curso Sequencial em Estilismo e Produção de Moda da Universidade Estadual de Ponta Grossa, PR. Em 2008 realizou consultorias na área de moda e estilo, com atividades de ilustração, criação, planejamento de coleções e estudos de tendências de consumo. Possui experiência no projeto e análise de figurino para cinema e teatro. É autora do livro Mulher, vestida para. Atualmente reside na cidade do Porto, Portugal onde atuou como Professora e Coordenadora do Curso de Design de Moda da Escola Artística e Profissional Árvore (www.arvore.pt) entre 2008 e 2013.

Sem comentários:

Enviar um comentário