quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

COMUNICAÇÃO DE ANA MARIA PINTORA

o meu corpo é a minha pintura – ana maria

Vivemos num tempo, aparentemente, em que tudo foi dito nas artes e em quase todos os domínios. Nunca sabemos se desocultamos algo de novo ou não. Ainda assim, arrisco pensar que o tempo do discurso da autonomia feminina foi sendo substituído por uma desregulação da feminilidade, transformando a imagem/corpo da mulher numa espécie de negócio milionário que tudo vende. Sem conteúdo, usam-nos “ bonequinhas”, quase sempre seminuas. Se noutros tempos a nossa identidade estava consignada ao “consentimento” masculino, agora, esta obsessão pelo corpo é aquilo que nos assegura o estatuto social sobre o outro, sem o complexo do género, novidade do século XXI A diáspora continua, noutras viagens, por outros fins.
Foi neste contexto e refletindo esta confusão permanente entre ser/pessoa e ser
corpo/imagem que tentei salvar o corpo/imagem da artista criadora. A reflexão resultou de uma residência artística que fazia percorrer pelos lugares da cidade de Lagos, duas mulheres de férias ”Ó k`artistas de Férias no Algarve”( andrea inocêncio e ana maria). Apresentaram-se como não imagem, porque não correspondiam aos estereótipos da moda. Como anti consumo, recuperaram do baú as roupas guardadas, cheias de encanto. Construíram o figurino negando as convenções de beleza. A loucura das senhoras é inofensiva, está nas sugestões que oferecem, recriam imagens e rituais. Integram-se pela diferença, pelo excesso e originalidade. Os espectadores ficam com elas. Nesta Performance a comunicação desenvolveu-se não a partir de uma linguagem comum, vulgar (emissor - recetor), mas a partir de expressões simbólicas que estão no imaginário dos transeuntes. O acesso às figuras é simples, é quase um encontro de memórias. Primeiro são os olhos e a seguir o sorriso dos lábios. Gera-se um jogo encantatório. Quem gosta de quem. Será este o momento da evidência artística?
.“Percebo comportamentos imersos no mesmo mundo que eu habito, porque o mundo
que percebo arrasta ainda consigo a minha corporeidade, porque a minha perceção
influência os meus gestos sobre ele….”
Merleau-Ponty

COMUNICAÇÃO DE ANTÓNIO REGEDOR

O tempo e os modos de viver a cidadania

Na actual ausência de valores éticos que todos sentimos no nosso quotidiano social, é inevitável recorrer às origem do conceito de cidadania, para nos situarmos, traçar azimute e apontar proa à grande questão contemporânea que é exactamente o modo de viver a cidadania.
A origem do modo de entender a cidadania está imbuído do conceito de “Excelência”, tal como se apresentava na Paideia Grega.
O acervo educacional da Grécia Clássica tem no termo “Areté” vários sentidos. De um deles, uma tradução possível é “excelência”. Este conceito representa o ponto máximo de aperfeiçoamento que um determinado ser pode alcançar.
Na educação da Grécia clássica, ter areté, é o objetivo do homem grego
Platão refere-se à areté no sentido moral no seu livro a República. E significando para este autor as nobres acções.
Platão faz coincidir o “Bem” e o “Belo” resolvendo no “Uno” a sua dualidade ontológica. A boa e bela acção é a que tem o sentido do interesse geral da cidade. O cidadão que participa do bem estar da cidade, é feliz quando a cidade é também feliz. Não se entende que um cidadão possa sentir-se bem num caos social. Aquilo que é bom para a cidade é bom para o cidadão.
O modo de viver a cidadania não é sustentável na perspectiva moderna egoísta, individualista, limitada ao interesse de grupo.
Será de retomar o conceito clássico que faz coincidir na prática cidadã os interesses da cidade com os do indivíduo. Será justo pretender modernamente a retoma do conceito de excelência na prática da cidadania moderna.
Na herança recebida do sec. xx, estão formas de organização que serviram mais ou menos eficazmente a luta pelos direitos políticos, económicos, sociais e os de terceira geração como sejam os da qualidade de vida.
Muitas dessas formas organizativas de participação na vida da cidade são obsoletas face às imensas potencialidade da sociedade tecnológica da informação e do conhecimento. Nomeadamente as redes sociais estão a revolucionar a forma de contacto, de produção, de transmissão e de mobilização para a cidadania.
Mas não passarão de formas diferentes e adaptadas ao desenvolvimento tecnológico social, que continua a colocar como essencial a questão de partida. O modo como se participa, e esse só poderá ser orientado no interesse do bem comum, se estiver imbuído da “areté”.
A segunda metade do séc XX proporcionou em tempo de paz e prosperidade enormes avanços civilizacionais. De entre os mais importantes está a aquisição pela mulher da identidade de cidadã. Desde logo a sua própria identidade. Depois a igualdade na escola, na profissão, em casa. Nos direitos políticos o de eleger e ser eleita, nos económicos o de gerir o seu património, a sua carreira profissional e até a sua opção de profissão e de vida (autorizações de casamento)
A situação da mulher em sentido lato tem melhorado, mas a cidade e o governo da cidade parece não ter acompanhado esse avanço civilizacional
A mulher migrante vive realidades multifacetadas e simultaneamente fragmentada e dividida. Dividida entre o lugar de origem e o de presença, entre a comunidade própria e a comunidade de inserção, entre os costumes de um lado e de outro, entre as divisões de masculino feminino. A superação de toda esta dualidade poderá ter solução na consciência do conceito de “areté”, de “excelência”. O bem estar das comunidades migrantes terá de ser sentido pelo todo social. A acção política no país de origem terá de ser “excelente” para que a coesão e a identidade cultural e nacional seja efectiva. Não nos podemos sentir bem se soubermos que nossos concidadãos não estão bem. A acção que desenvolvo só é “excelente “ se for pensada no interesse colectivo e não no de grupo ou individual. É a acção que tem de ser tomada no interesse do cidadão independentemente do local onde está emigrado, independentemente de ser homem ou mulher, independentemente da condição social, independentemente da geração de diáspora. É isto faz a acção bela e boa como a entendiam os clássicos, condição da felicidade. É esta a condição do modo de viver a cidadania.
António Regedor

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

COMUNICAÇÃO DE ARCELINA SANTIAGO

Dia 26 de Novembro de 2011– 11.15 h
O Congressismo e as Políticas de Género na Emigração
Liderança e Participação - enfoque para a participação das mulheres na vida política - Arcelina Santiago

Começo por saudar todos os presentes e, em especial, os membros da mesa. Acrescentaria apenas à apresentação tão simpática que foi feita pela moderadora deste painel, Professora Drª Joana Miranda, a dimensão que mais marcou o meu percurso como cidadã da diáspora e que toca três continentes: o asiático, o africano e o europeu e que, se por um lado, não me deu uma forte ligação a um lugar, por outro, deu-me um forte sentido de compreensão e valorização das diferentes culturas. Agradeço e dou os parabéns por esta iniciativa à Associação Mulher Migrante e às suas Presidentes (Conselho Geral e Direção), verdadeiros exemplos de mulheres na liderança.
Começarei por fazer um breve revisitar do passado, apenas porque ele é importante para perspetivar o futuro.
Da proclamação da República até à actualidade, longe vão os primeiros Congressos das mulheres feministas em Portugal, já que eles aconteceram em 1924 e 1928, respetivamente, o I Congresso Feminista e de Educação e o II Congresso Feminista, já no Estado Novo.
Na verdade, a chegada da República não trouxe mudanças para a situação das mulheres que, já então, se mostravam lutadoras dos direitos das mulheres. Exemplo disso, temos as histórias das mulheres da República, patente na exposição,que faz parte deste Encontro, de entre as quais destaco Maria Lamas e Maria Archer, nossas homenageadas neste Encontro. Destaco um episódio ocorrido, faz este ano cem anos e que tão pouco revelo teve por parte dos media. Celebrou-se, no dia 28 de Maio, o centenário dum significativo episódio que marcou a história do feminismo em Portugal. Tratou-se de um ato corajoso de uma mulher notável - Carolina Beatriz Ângelo, a primeira mulher a votar no quadro dos doze países europeus que vieram a constituir a União Europeia (até ao alargamento, em 1996). Pelo fato de ser médica, mãe e cabeça de casal, apresentou-se na secção de voto para exercer esse direito na eleição da Assembleia Constituinte, acompanhada por elementos da Associação da Propaganda Feminista. Tratou-se de um grande passo que acabou por ser apenas simbólico e marcante de um longo caminho, a nível nacional e mundial que estava ainda para ser trilhado, na luta pela cidadania e pela emancipação das mulheres.
Foi longa, muito longa esta caminhada! O sufrágio universal só acontece com o 25 de Abril, onde foram, finalmente, abolidas todas as restrições à capacidade eleitoral dos cidadãos tendo por base o género.
A conquista dos direitos tem sido feita de forma lenta, mas nem por isso as mulheres desistiram. Elas têm um longo percurso de associativismo e participação desde a criação da Associação de Propaganda Feminista, passando pelo Conselho Nacional das Mulheres à Cruzada das Mulheres Portuguesas, esta fundada por Ana de Castro Osório. Foi preciso passarem 3 décadas da 1ª participação das mulheres na Assembleia Nacional (1935) até à nomeação da primeira mulher ministra, Maria de Lourdes Pintassilgo na pasta dos assuntos sociais.
Nesta caminhada, aconteceram retrocessos como a extinção compulsiva do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (1948) na sequência de uma grande exposição de livros escritos por mulheres, com colóquios e sessões de discussão, em Lisboa. É nessa altura publicado o livro As Mulheres do meu País, de Maria Lamas, que, tal como Maria Archer, fizeram a sua luta pela escrita.
Longe vai também a subscrição de Portugal nas Nações Unidas da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1949) e da Constituição (1976) que estabelece a igualdade entre homens e mulheres em todos os domínios., mas o grande impulso da participação das mulheres na política só acontece com a Lei Orgânica nº 3/2006, de 21 de Agosto, Lei da Paridade, que estabelece que as listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais são compostas de modo a assegurar a representação mínima de 33% de cada um dos sexos. Decorridos cinco anos sobre a entrada em vigor da presente lei, esperamos que a Assembleia da República avalie o seu impacto na promoção da paridade entre homens e mulheres e proceda à sua revisão de acordo com essa avaliação.
Mais de quatro décadas após a aprovação da Constituição que eliminava todas as formas de discriminação contra a Mulher e quase 16 anos depois da adoção da Plataforma de Acção de Pequim - dois dos mais importantes e recentes avanços em igualdade e direitos das mulheres, ainda há sérias desigualdades com base no género. A participação das mulheres na política e nos postos de decisão continua a ser uma das áreas que se podem considerar críticas na situação portuguesa. Também o fenómeno da pobreza não é neutro, atingindo particularmente as mulheres. Para tal contribui a especificidade da sua participação na vida familiar, económica e social: auferem em média salários mais baixos, são mais afectadas pelo desemprego, tem menos protecção social devido a uma participação mais irregular na actividade económica; por outro lado, com a maior esperança de vida, comparativamente aos homens, as idosas encontram-se muitas vezes em situações precárias, quer do ponto de vista dos recursos económicos, quer pelo isolamento em que vivem. Outro grupo particularmente afectado por situações de pobreza e o das famílias monoparentais de que são responsáveis, maioritariamente, as mulheres.
Estes problemas não são apenas a nível nacional, mas de âmbito internacional e atingem todas as mulheres e, particularmente, as mulheres na diáspora.
Através do Observatório da Emigração, constatámos que há emigrantes portugueses que ocupam lugares de liderança na área política, por exemplo, há 3500 autarcas de origem portuguesa em França, mas não há um registo preciso de quantas mulheres. Só conhecendo a realidade se pode dar o devido valor, apostar nas mudanças, dar apoio de acordo com as necessidades. Sabemos que o perfil dos novos cidadãos da diáspora é agora diferente, mas é importante conhecer, ao certo, o número dos emigrantes, recolher informações precisas sobre eles, conhecer e divulgar as suas histórias de vida, dando-lhe o devido protagonismo, que tanto tem sido descurado, quando eles são verdadeiros embaixadores da lusofonia. Relativamente às mulheres, há que aprofundar o seu universo, numa perspetiva psicológica neste processo migratório. A aposta e reforço no ensino da língua será uma das melhores formas de manter uma ligação estreita entre os luso-descendentes às suas raízes e, neste aspeto, as mulheres têm tido um papel extraordinariamente importante, como defensoras e divulgadoras da língua e da cultura portuguesa além fronteiras. Elas são um grande capital da lusofonia e, por isso, elas poderão ser, nesta situação de crise as grandes mobilizadoras de mudanças,. Será talvez uma oportunidade para reconhecer a contribuição das mulheres para a economia, a cultura e para a intervenção social e política.
Poderemos questionar: que políticas tem havido no sentido do empoderamento e incentivo às mulheres da diáspora para que elas assumam papéis de liderança? Que medidas têm sido tomadas para que elas tenham representação nos órgãos políticos? Estamos certos que muitas medidas ainda não foram aplicadas e que muito há para ser feito nesta caminhada que já vai longa…
Deverá haver: uma maior ligação e relacionamento entre as comunidades portuguesas e entre estas e Portugal, colocando-se na agenda do dia problemas que afetam as suas realidades, trocando-se experiências e incentivando-se as mulheres para papéis de liderança; maior incentivo à participação dos jovens nos movimentos associativos, aproveitando-se as novas tecnologias de informação e comunicação e introduzindo neles o principio da paridade nos órgãos de direção; maior representação de emigrantes (mulheres) nos órgãos de poder e decisão; melhor gestão da diáspora e promoção da democracia paritária no processo de eleição de deputados e eleição dos conselheiros das comunidades; aplicação de ações positivas para conciliação da vida profissional com a vida familiar; aplicação do empoderamento das mulheres migrantes para que possam desenvolver as suas capacidades para colectiva e individualmente controlarem as suas vidas, identificarem as suas necessidades, estabelecerem as suas próprias agendas e solicitarem apoio e respostas do Estado e da comunidade aos seus interesses.
Deixo, por fim, um alento e incentivo às mulheres migrantes na sua caminhada pela defesa da igualdade de direitos, certa que as dificuldades serão sempre muitas mas as protagonistas das mudanças somos nós, as mulheres, juntamente com os homens. São muitas as diferenças que separam homens e mulheres, mas são mais numerosos os desafios que nos unem: transformar a sociedade, atingir um desenvolvimento económico e social mais justo neste mundo globalizado e superar os obstáculos que impedem a igualdade.
Arcelina Santiago

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

COMUNICAÇÃO DE PAULO PISCO

14 - ENCONTRO MUNDIAL
DE MULHERES PORTUGUESAS NA DIÁSPORA
Maia, 24, 25 e 26 de Novembro de 2011-11-23
A NOVA EMIGRAÇÃO FEMININA,
RELAÇÃO TRANSNACIONAL E MUDANÇA
Intervenção do Deputado Paulo Pisco

Quero agradecer à Dr.ª Manuela Aguiar, à Dr.ª Rita Gomes e à Associação Mulher Migrante o amável convite que me foi dirigido para participar nos trabalhos deste encontro com um tema tão aliciante… mas também tão difícil. Quero também pedir a vossa compreensão para o facto de ter de me ausentar logo após a intervenção, mas tenho um avião para apanhar para o Luxemburgo, onde vou participar no encontro que assinala o 20º Aniversário da Confederação das Comunidades Portuguesas no Luxemburgo.
Esta intervenção é também para mim uma oportunidade para reflectir sobre um assunto que me parece muito relevante para se conhecer melhor o perfil das nossas comunidades através da situação e do papel que nelas desempenham as mulheres.
Utilizarei sobretudo a informação que decorre das minhas observações e da experiência que ao longo do tempo fui adquirindo, mas que nunca sistematizei nem aprofundei. Trata-se, portanto, de uma intervenção que não tem qualquer pretensão a não ser partilhar a minha percepção sobre este tema e assim dar o meu modesto contributo para este debate tão necessário.
Num dos recentes congressos organizados pela Associação Mulher Migrante, uma das principais conclusões foi a falta de estudos e de dados estatísticos nestes domínios, o que é revelador das dificuldades em fazer uma abordagem mais profunda das múltiplas dimensões do universo das mulheres nas comunidades. É verdade que já existem muitos estudos sobre estes temas, mas não me parece que existam assim tantos trabalhos sobre a mulher migrante portuguesa. Julgo que tal se fica a dever a alguma invisibilidade na sua condição, como de resto acontece com a generalidade das mulheres migrantes independentemente da sua origem, como vários estudiosos destes temas notam. É uma questão de grau. As comunidades portuguesas são discretas, de uma maneira geral. E as mulheres são ainda mais discretas neste contexto.
Procurarei então lançar algumas pistas sobre temas que me parecem interessantes e que poderão contribuir para que se façam outras abordagens sobre a forma como as mulheres podem determinar o perfil e identidade das nossas comunidades.
Desde logo devemos reconhecer que da nova emigração, ou seja, da emigração dos anos mais recentes, faz parte uma geração de mulheres com mais formação académica, com mais informação e com uma atitude diferente perante a vida. Portanto, com um perfil que se afasta claramente das mulheres que saíram do país há duas ou três gerações por razões essencialmente económicas ou para acompanharem ou se juntarem aos maridos, que deram o primeiro passo da emigração.
Nos meus contactos com as Comunidades, e por uma questão de atitude pessoal, não tenho o hábito de distinguir entre os homens e as mulheres. Considero que ambos são portadores da mesma capacidade de intervenção nas sociedades de acolhimento, sendo que as mulheres, com a sua sensibilidade particular, poderão dar um contributo qualitativo muito relevante e diferenciador.
Reconheço, no entanto, uma presença mais acentuada dos homens no movimento associativo ou nas actividades políticas. Nas associações, por exemplo, as mulheres participam mais nos grupos folclóricos e nas actividades culinárias e, nessa dimensão, constituem um pilar essencial da sustentação da vida associativa. No entanto, algumas desempenham também funções de direcção nas associações e esse seria um tema de estudo relevante, dado que, na grande maioria dos casos, o mundo associativo em toda a sua diversidade é, sobretudo, um domínio de homens. São eles que, de uma maneira geral, se dedicam à gestão das associações, às actividades desportivas e à organização dos programas e têm, portanto, uma maior visibilidade.
Por outro lado, no âmbito das actividades políticas também existe claramente uma maioria de homens, embora se note uma crescente presença e participação das mulheres. O caso de França é, neste contexto, verdadeiramente exemplar.
Curiosamente, enquanto reflectia sobre este tema apercebi-me que o protagonismo dos homens deixa de ser tão evidente nas artes e na literatura. A percepção que tenho, é que existem pelo menos tantas mulheres como homens com actividades criativas nestes domínios. Atrevia-me mesmo a dizer que provavelmente as mulheres têm uma presença mais forte nas artes e na literatura. Em França ou na Alemanha, por exemplo, ocorrem-me mais nomes de mulheres do que de homens no âmbito da criação artística. Parece-me haver nestes domínios uma capacidade para a exteriorização da sensibilidade artística mais fácil por parte das mulheres, o que certamente mereceria a atenção dos investigadores.
Seja como for, considero que homens e mulheres podem e devem participar em pé de igualdade em todos os domínios da vida em sociedade nas nossas comunidades. Seria um importante factor de afirmação colectiva se as mulheres tivessem uma participação mais intensa na defesa dos seus interesses a nível local, no relacionamento com as instituições administrativas e políticas e também na definição das actividades do mundo associativo. Estou convencido que essa participação daria um forte contributo para uma melhor integração colectiva e ajudaria os portugueses a conviverem com os cidadãos dos países de acolhimento de forma mais igual e menos complexada. Ajudaria a criar sociedades em que o papel de cada um, ou seja, de cidadãos dos países de acolhimento e de emigrantes, é relevante, complementar e baseado no respeito mútuo.
Claramente percebemos que na última década houve um progresso notável a nível das qualificações. Hoje, a percentagem de jovens entre os 18 e os 24 anos que frequenta ou completou a universidade é superior 20 por cento - portanto, perto dos valores da média europeia. A dificuldade da nossa estrutura empresarial em absorver todos estes jovens com formação superior e a crise que limita brutalmente as possibilidades de emprego levam necessariamente muitos jovens a emigrar.
Com efeito, o conturbado período de crise financeira, económica e social que actualmente vivemos é propício ao aumento dos fluxos migratórios, sem que seja necessário os governantes incentivarem os jovens a sair do país. Até porque Portugal tem visivelmente aquilo a que alguns estudiosos chamam a “cultura de emigração”, o que torna mais fáceis as saídas de jovens para outros países, onde têm pessoas conhecidas que os podem orientar. Ou então beneficiam dos programas europeus de incentivo à mobilidade profissional, como acontece com a rede EURES.
É por isso que os actuais fluxos migratórios são muito diferentes dos que se verificaram dos anos 80 para trás. Hoje, de uma maneira geral, muitos dos portugueses que saem do país têm mais estudos, estão melhor informados e são mais descomplexados. São mais cosmopolitas, e isso é bom, porque os ajuda a integrarem-se melhor, a não viverem em guetos.
Como já há mais de uma década a percentagem de mulheres com formação superior é maior do que a dos homens, é natural que este facto também se reflicta nas características das mulheres portuguesas que emigram e nas condições em que o fazem, havendo inclusivamente muitas que saem sozinhas. Por exemplo, há em vários países enormes carências nas áreas da saúde, cujos profissionais são predominantemente do sexo feminino. Têm sido frequentes as notícias que dão conta do interesse de países como a Dinamarca, Suécia, Austrália, Alemanha ou Inglaterra em profissionais portugueses nas áreas da saúde.
Mas também conheço várias mulheres que deixaram toda a sua vida familiar para trás e partiram sozinhas para países que desconheciam e aí reorganizaram as suas vidas. A rede de conhecimentos que os portugueses foram tecendo ao longo de décadas constitui um precioso instrumento que facilita a emigração e uma melhor integração. Não há dúvida de que esta atitude demonstra uma grande coragem e independência, hoje muito mais fácil de assumir do que há duas ou três décadas atrás¬.
Estas mudanças de contexto acabam também por redefinir a identidade destas mulheres, através da sua nova situação e do seu novo papel social. Com efeito, estas mulheres deixam determinados contextos, muitas vezes em meios semi-rurais ou rurais, marcados pelo preconceito e pelos constrangimentos sociais, para recomeçarem tudo em grandes meios urbanos e cosmopolitas, onde reinventam as suas vidas com mais autonomia, independência e liberdade, criando novos padrões de vida, adaptando-se a novos valores e formas de convivência social.
À partida, estas mulheres libertas de constrangimentos familiares parecem ter melhores condições para se valorizarem pessoal e profissionalmente, dedicando-se a todo o tipo de actividades sociais, frequentando cursos, aprendendo línguas, o que de outra forma muito provavelmente não fariam.
Mesmo em contexto conjugal, como refere uma investigadora da Universidade de Minas Gerais, Stela Souza, o trabalho constitui para a mulher migrante um instrumento de libertação, de maior auto-confiança e de independência, o suficiente para desestabilizar os papéis de género. “Dessa forma, a família, cuja estrutura pode ser baseada em funções conservadoras, vê a emigração feminina como uma ameaça à sustentação da união familiar, por poder promover a liberalização da mulher”, afirma.
Assim, tanto o contexto cada vez mais frequente da mulher que emigra sozinha e a forma como recria o seu papel social, como a independência que ganha no contexto conjugal em virtude da autonomia e auto-confiança que adquire através do trabalho, são, a meu ver, dois domínios que certamente merecem uma análise mais aprofundada para se compreender melhor o papel da mulher na emigração.
A actividade política é outro domínio muito interessante de análise, por tudo o que comporta de rompimento com um mundo tradicionalmente dominado por homens. A verdade é que vemos cada vez mais mulheres nas comunidades com funções de destaque na actividade política, particularmente das segundas e terceiras gerações, mas não só. O exemplo da França é paradigmático. Com efeito, há inúmeros casos de mulheres que se tornaram referências pela sua persistência e que até chegaram a maires, como o demonstra o exemplo de Alda Lemaitre, em Noisy-le-Sec, que assim, com a sua ascensão na vida política, sentiu também necessidade de redescobrir as suas raízes portuguesas. Nalguns casos, nem sequer a falta de estudos é impedimento para conseguirem lugares de destaque a nível local, como acontece com Fernanda Alves, uma mulher combativa que começou por se dedicar ao movimento associativo em Cenon, na região de Bordéus, e assim ganhou visibilidade e influência, tendo depois sido convidada para participar nas listas candidatas e é hoje adjoint au maire. No caso das segundas e terceiras gerações, muitas vezes o combate é bastante duro, sobretudo quando passa também pela luta política na vida interna dos partidos, porque têm de ultrapassar simultaneamente o facto de serem mulheres e serem de origem portuguesa, dupla condição que por vezes se torna negativa na vida política, não obstante todos os progressos que se têm verificado neste domínio.
Julgo, por isso, que também seria importante aprofundar o conhecimento do mundo das mulheres portuguesas ou de origem portuguesa na vida política, para se perceber melhor de que forma evoluiu a integração das nossas comunidades e como vivem a sua condição num mundo tão difícil e disputado como é o da política.
Não me vou alongar mais. Quero agradecer mais uma vez a oportunidade que me deram de reflectir sobre este tema e poder partilhá-lo convosco e que também me ajudou a compreender melhor este universo tão particular, que é o do papel, influência e evolução das mulheres na vida das nossas comunidades.
Obrigado.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

COMUNICAÇÃO DE OLGA ARCHER MOREIRA

Homenagem à Tia Maria Archer

Em nome de todos os familiares de Maria Archer apresento os agradecimentos à
Associação de Mulheres Migrantes pela homenagem que aqui, hoje, lhe está a ser
prestada. A Associação convidou o Prof. Fernando Pádua para prestar o seu tributo a Maria Archer, sua tia, neste encontro. Por motivos de força maior não lhe foi possível aceitar tão honroso convite e solicitou-me que, como sobrinha neta, viesse falar-vos um pouco da minha tia-avó. Foi com muito prazer que aceitei e... aqui estou.
Nas várias pesquisas que fiz sobre a minha tia-avó, encontrei, com dor, a referência
a que tinha morrido no esquecimento. Apesar do acompanhamento até ao fim dos
familiares, sou obrigada a concordar. Pode ter morrido no esquecimento, mas não foi nem será esquecida como agora aqui demonstramos, homenageando-a pelas suas manifestações de cidadania, pela obra que nos deixou.
Mas é verdade. Uma mulher da dimensão de Maria Archer não podia ter morrido
como ela, oito anos depois do 25 de Abril. Os seus ideais, a luta pela dignificação da mulher que a levou a sofrer na pele as investidas da ditadura e dos “costumes” organizados de então, mereciam que um país já em plena democracia lhe manifestasse um maior reconhecimento. Mas nunca é tarde. Como diz o professor Eduardo Lourenço, “um tempo é todos os tempos. Não antecipa só o futuro. Recicla todos os passados”. Por isso, aqui estamos, revisitando o passado, com um olhar do presente e a pensar no futuro, sabendo que a nossa imaginação do futuro está ligada aos conceitos que
já trazemos. Na madrugada de 4 de Janeiro de 1899, em Lisboa, na freguesia das Mercês, nasceu Maria Archer, de seu nome Maria Emília Archer Eyrolles Baltazar Moreira, filha de pai alentejano e de mãe também alentejana, neta de irlandeses a viverem em Portugal. Nos anos seguintes nasceram os cinco irmãos, João, Natália, Irene, Isabel e Eugénia. Segundo as irmãs, Maria Archer era a preferida da mãe, talvez por ter sido a primogénita.
Em 1910, com 11 anos, partiu com os pais e com 4 irmãos para a ilha de Moçambique, onde o pai foi exercer a função de gerente numa agência bancária. Viveu até 1913 na ilha a que chamou “ilha de coral branco”.
No ano da implantação da República Portuguesa, tiveram início as suas viagens até
ao continente africano, como ela própria reconheceu no seu livro “Brasil, Fronteira
da África” publicado em 1963, no Brasil: “No 1.º quartel deste século era eu menina, meu pai foi colocado na agência de um banco em Moçambique. Daí derivou a minha odisseia de africanista. Indo e vindo, passando uns tempos em Portugal e outros em África, foram-se quatorze anos da minha vida na terra tropical que só reencontrei no Brasil”. Em 1914, regressa a Portugal, vivendo na linha de Cascais, em Algés e,
posteriormente, em Santo Amaro. Nesta altura, 1915, terminou os seus estudos da
4.ª classe no Colégio Europeu. Em 1916 volta a partir com os pais, o irmão João, meu avô, um ano mais novo, e a irmã Isabel. Desta vez rumou até à Guiné, “a verdadeira África maravilhosa”. Aqui viveu um ano em Bolama e outro em Bissau. Em 1921, o pai foi trabalhar para o Banco Nacional Ultramarino em Faro. Em Agosto desse ano casa com Alberto Teixeira Passos, que tinha conhecido na ilha de Moçambique. Após o casamento, vai viver em Ibo-Moçambique durante cinco anos. Em 1926, como consequência do desemprego que atingiu o marido, o casal regressa a Faro, indo depois para Vila Real de Trás-os-Montes, donde era oriunda a família de Alberto. Em 1931 encontra-se já oficialmente separada do marido. E regressa a Angola para viver com os pais até 1934.
Em 1935 regressa a Portugal, indo viver com uma tia materna e, posteriormente, em
quartos alugados e em casas de amigas. Vivia do seu trabalho de escrita para jornais
e revistas e das suas obras de criação. A convivência de Maria Archer com os irmãos foi intermitente. A vida familiar corria ora em Portugal, ora em África, obrigando, quer por motivos de estudo, quer d
Em 1916 volta a partir com os pais, o irmão João, meu avô, um ano mais novo, e a
irmã Isabel. Desta vez rumou até à Guiné, “a verdadeira África maravilhosa”. Aqui
viveu um ano em Bolama e outro em Bissau. Em 1921, o pai foi trabalhar para o Banco Nacional Ultramarino em Faro. Em Agosto desse ano casa com Alberto Teixeira Passos, que tinha conhecido na ilha de Moçambique. Após o casamento, vai viver em Ibo-Moçambique durante cinco anos. Em 1926, como consequência do desemprego que atingiu o marido, o casal regressa a Faro, indo depois para Vila Real de Trás-os-Montes, donde era oriunda a família de Alberto. Em 1931 encontra-se já oficialmente separada do marido. E regressa a Angola para viver com os pais até 1934. Em 1935 regressa a Portugal, indo viver com uma tia materna e, posteriormente, em quartos alugados e em casas de amigas. Vivia do seu trabalho de escrita para jornais e revistas e das suas obras de criação. A convivência de Maria Archer com os irmãos foi intermitente. A vida familiar corria ora em Portugal, ora em África, obrigando, quer por motivos de estudo, quer de saúde, a que algumas das irmãs nem sempre tenham acompanhado a família. Ainda assim, os laços de sangue são mais fortes. Esta união afectiva é retratada no conto Eu vi o pelicano abrir o peito, de 1944, em que Maria Archer, através da sua pena, suplica justiça para um jovem que quer crescer e não tem meios. Aos 17 anos, o sobrinho prodígio vê vedada a possibilidade de frequentar a sonhada universidade. A mãe, em desespero, apela à irmã que, com a forte arma da palavra, comova “aqueles que poder têm para ajudar o sobrinho”. Após regressar de Luanda, Maria Archer participou em várias conferências e palestras sobre o ultramar na Sociedade de Geografia de Lisboa, aos microfones da Emissora Nacional, em liceus da capital e em estabelecimentos militares. Os muitos anos vividos em África influenciaram a sua escrita. A projecção do telúrico é sempre uma das mais fortes influências na artista. A sua sensibilidade foi tocada pela paisagem primitiva dos trópicos e pela cor das terras do sol. Olhou para a natureza que a rodeava e pintou-a através da escrita. Primeiro o pai, depois o marido e, por fim, ela própria, deslocam a sua vida pelas terras onde o isolamento torna mais presente a realidade do mundo físico.Os seus livros estão frequentemente ligados a problemas sociais e às questões da condição feminina, aproximando-a, por vezes, do neo-realismo. Como afirmou em Revisão e Conceitos Antiquados em 1952:“A minha obra literária tem sido norteada pelo princípio vital de rebater o conceito arcaico da inferioridade mental da mulher.” O coarctar da liberdade de pensamento durante o período do Estado Novo, o isolamento social, a perseguição da PIDE, as apreensões dos seus livros e, consequentemente, a ausência de percepção dos seus meios de subsistência eram razões suficientes para se sentir obrigada a abandonar Portugal. Este exílio é consequência última do seu trabalho como repórter do jornal República. Foi credenciada como jornalista por Jaime Carvalhão Duarte, durante o julgamento de Henrique Galvão, em 1952. Estes apontamentos foram-lhe confiscados pela PIDE, conforme relata num artigo datado de 20 de Outubro de 1953 no jornal República, que intitulou “Um caso inédito de perseguição do pensamento”.Apesar de ter sido repentina a saída do país, dois ilustres escritores, Ferreira de Castro e Aquilino, acompanharam-na no momento da despedida, demonstrando a sua solidariedade e companheirismo naquele momento difícil. Laços estes que tinham sido firmados muitos anos antes e que se revisitam na carta de Ferreira de Castro, de 9 de Agosto de 1936, ao reafirmar: “Não é possível que depois de tantos anos de luta, a ideia duma Humanidade redimida num mundo justo possa ser
sufocada!De 1955 a 1971, a família pouco sabe de Maria Archer. Em 1973, através da carta ao sobrinho Fernando Pádua, sabe-se que solicitou que contactasse o então Primeiro - Ministro de Portugal, Professor Doutor Marcello Caetano, no sentido de lhe ser autorizado o regresso. O contacto foi realizado e a autorização foi concedida. E, que transmitisse o seu agradecimento a todos os familiares que contribuíram para lhe amenizar as agruras por que passou durante o tempo de doença.
Em 1979 regressa a Portugal, doente e já com 80 anos, seis anos após ter obtido
permissão e com um novo regime político. No regresso, e ao contactar com a família, dificilmente reconhece os sobrinhos que não via há 24 anos e não relaciona os sobrinhos-netos. No entanto, uma das suas características mantém-se inalterada
até ao fim: a vaidade feminina.Deixa-nos em 23 de Janeiro de 1982. Raul Rego, no artigo “Maria Archer”, datado de 02 de Fevereiro de 1982, para o Diário Popular, escrito dias após a sua morte, debruça-se sobre a actuação sócio -política da escritora em Portugal. O jornalista explana como a sua postura anticonformista a “afastou logo de muitos meios oficiais e de muitos salões de tertúlias, arrastando-a para os contactos com a oposição”. E prossegue: “Ela era uma mulher livre, escritora de garra, senhora de si e impondo-se pelo talento”, o que na altura, não agradava a muitos, a ponto da sua obra Ida e volta de uma caixa de cigarros (1938) ser apreendida. Em 1947 lança Casa sem pão, que, entretanto, fica apreendido, pelas malhas sombrias da censura e falta de liberdade do regime, por 20 anos. Passados mais de 100 anos o que ficou, então? Ficaram os valores e os princípios. Ficaram os fins e os propósitos. Ficou o espírito de pioneirismo.Não podia vir falar-vos da saudade que a minha idade e a diáspora não deixaram nascer. Mas a honra, sim, sente-se e está presente, em todos os familiares.
É uma honra muito grande, para mim, como mulher e portuguesa, ser familiar de
Maria Archer.
Muito Obrigada

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

AUTORIA ??? Em jeito de reflexão… Passado, presente e futuro das Mulheres nas Comunidades Portuguesas


Desde o 1º Encontro de Viana do Castelo onde estive, até ao mais recente da Maia que também acompanhei, varias temáticas relacionadas com a situação das mulheres mantêm - se actuais, outras evoluíram ao longo do tempo. Para além de ser visível e vários estudos académicos o comprovam houve, em geral, uma evolução positiva no âmbito da formação/qualificação profissional e universitária na diáspora, e mais precisamente relacionada com as mulheres. Falta, no entanto, chegar ainda a altura de uma afirmação cívica e politica mais madura nas sociedades de acolhimento e até em relação ao país de origem. Hoje em dia, e isso foi dito durante este Encontro existe uma segunda geração que subiu na escala social, em termos de situação sócio – profissional, com características distintas em função de tratarmos das Comunidades na Europa ou fora da Europa. Seria útil que esta segunda e já terceira geração tivesse espaço para dialogar com a geração anterior e encontrar um território próprio que permitisse a renovação do tecido associativo das Comunidades. Este tema foi levantado e se já se colocava há anos atrás para quem viveu como eu essa realidade, então hoje é um assunto urgente de tratar. As mulheres, estou convencida, têm aí um papel a desempenhar, sabem fazer “a ponte” e transmitir valores (educação, relações “ inter- gerações”…).
A “Mulher Migrante” continua a ter um papel a desempenhar no dialogo entre Portugal e as Comunidades e nomeadamente através das mulheres -, em França, por exemplo, onde estou mais presente - é um elo de ligação e troca de experiências apreciável – não existe outro deste tipo – e nos vários sectores da sociedade: campo económico, empresarial, politica, cultural e outros.
Num altura em que cada vez mais a emigração continua a estar na ordem do dia devido a crise em que Portugal se encontra, e em que se faz cada mais referência a “Nova Emigração”, não devemos ter duvidas de que o papel – mais uma vez – do elemento feminino tem e terá a sua importância.
A economia global na qual estamos inseridos que é composta de altos desafios com pouquíssima margem de manobra, não permite ao pais “esquecer” as suas Comunidades de cidadãos portugueses espalhados pelo mundo e sabemos que não é essa a vontade. Não o pode fazer porque estaria a desperdiçar um “capital” social e económico de grandíssimo valor. A “diplomacia económica” tem no presente contexto a sua razão de ser e ainda mais contando com o espaço e o capital humano das Comunidades Portuguesas. A comunicação e a informação são uma “chave” estratégica para um diálogo com resultados e a “Mulher Migrante”, com a sua credibilidade e trabalho feito no terreno é um “ rosto” de grandíssimo valor.
Os meus agradecimentos a associação pelo convite que me foi feito para estar presente e força para o próximo Encontro!

COMUNICAÇÃO DE JOSÉ GOVERNO

Encontro Mundial de Mulheres Portuguesas na Diáspora

Maia, 24, 25 e 26 de Novembro de 2011

Comunicação sobre a temática: Liderança e Participação

Orador: José Carlos Governo (*)

A mulher tem vindo a assumir na sociedade e no mundo um papel cada vez mais ativo e interventivo nas mais variadas áreas, não esquecendo as lutas travadas pela igualdade de género e contra a discriminação. E a propósito de lutas, aproveito para informar que o governo português, através do Ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares e da Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, promoveu ontem uma Sessão de Apresentação da Campanha Contra a Violência Doméstica 2011, que pretende ser uma sessão evocativa contra todas as formas de violência contra as mulheres.
Muitos progressos têm existido nesta matéria, onde o país, a sociedade ou a cultura onde a mulher se insere, tem enorme influência na maior ou menor discriminação.
Segundo um estudo recente da Grant Thornton International Business Report, revela que as mulheres na europa normalmente ocupam 20% das posições de
liderança; na Ásia, sem o Japão, chega a 27%; os países do G7 com 16% e a América do Norte, com 13%, havendo, portanto, ainda um caminho a percorrer, mas que se vislumbra cada vez mais curto.
Dava como bom exemplo o Gabinete do Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, de que também integro, o Dr. José Cesário deu um claro exemplo de equidade e igualdade de género, tendo nomeado para o seu gabinete 4 homens e 5 mulheres, uma das quais a própria chefe do gabinete.
Este estudo, revela ainda que a mulher brasileira é a mais empreendedora e por conseguinte ótimas parceiras para negócio, mas, em contraponto, as portuguesas são das que mais trabalham na União Europeia. Existe hoje sem dúvida mulheres de grande sucesso profissional, que outrora também foram mulheres de sucesso, mas em casa, na família, com os filhos, não sendo, no entanto, valorizadas e reconhecidas. No entanto, esta igualdade de género, por que tanto lutam as mulheres, importa lembrar que não se pretende que as mulheres e homens se tornem num padrão de igualdades, mas antes que se diferenciem naquilo que são nas suas identidades e formas de ser e estar. É desejável que as mulheres continuem a ser mulheres, com todo o seu feminismo e sensibilidade própria, procurando que a sociedade potencie o melhor de cada.
Não foi e continua a não ser um caminho fácil para as “nossas” mulheres portuguesas na diáspora, mas enquanto não se reconhecer a discriminação não se pode combatê-la e, por conseguinte, estes encontros, são espaços de debate, de discussão e de reconhecimento dessa mesma descriminação. Mas ao mesmo tempo de reconhecimento da luta, da bravura, das capacidades, das provas dadas em todos os campos, desde as artes às ciências, do desporto à política, do mundo empresarial à sociedade em geral, onde foram capazes de participar, de agarrar e criar desafios e de liderar, salientando as suas capacidades ímpares de multitarefa.
Este sucesso alcançado de que falo, tem inclusivamente tido o alcance e o reconhecimento público ao mais alto nível, como será disso exemplo no decurso deste encontro, quando S. Exª o Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, condecorar uma mulher portuguesa da diáspora.
Foi com agrado que na passada 4ª feira, tomei conhecimento, da boa notícia, Sandra Correia, uma portuguesa, foi eleita a empresária da Europa de 2011, liderando o maior negócio de cortiça em Portugal e no Mundo, tendo recebido o galardão em Paris. Este é um exemplo de muitos.
Este encontro, é aliás, precisamente uma amostra daquilo que as mulheres perante a adversidade de uma sociedade outrora fortemente discriminatória, a adversidade da língua, da distância, da cultura, dos desafios, entre tantas outras, estão aqui reunidas um conjunto de mulheres a mostrar que foram capazes de ir às entranhas da alma portuguesa e chegar até aqui.
O que vi e assisti neste encontro, ao longo destes 3 dias, foi absolutamente grandioso, experiências de vida marcantes; exemplos de luta e coragem. Foi tocante ver a participante Frazão Frias do Brasil, emocionar-se na sua intervenção, pela sua história de luta difícil, mas triunfante; foi delicioso ver a emotividade da Jacqueline Corado “da Silva” ao declamar um poema de Maria Lamas; a história de luta e de vida da D. Maria do Céu Campos na Alemanha, entre tantos outros exemplos. Deste encontro nasceram novas ideias, novo entusiasmo, partilha de experiências e contatos e, estou certo dará os seus frutos.
Todas estas dificuldades aqui relatadas, tornaram a mulher mais forte, reforçou a sua capacidade lutadora, encarando a adversidade como um desafio e não uma derrota, pois, as dificuldades devem ser usadas para crescer. Citando Bryan Forbes, “A história tem demonstrado que os notáveis vencedores normalmente encontram obstáculos dolorosos antes de triunfarem. Eles venceram porque se recusaram a se tornarem desencorajados por suas derrotas.
Este potencial de valor, que tem sido as mulheres portuguesas na diáspora, deve ser valorizado e reconhecido, pois têm sido verdadeiras embaixadoras de Portugal no mundo. E se poderá ser verdade “que por detrás de um grande homem existe uma grande mulher”, não é menos verdade que por detrás de uma mulher existe uma grande lutadora.
E terminava esta minha comunicação sobre esta temática da participação e liderança, afirmando que não tenho dúvidas, segundo vários indicadores a suportá-lo, as mulheres serão as próximas líderes da sociedade.
Pessoalmente, não defendo uma sociedade machista, nem uma sociedade feminista, mas uma sociedade com valores.

(*) Licenciado em Matemática e Ciências da Natureza; Pós-Graduação em Gestão Estratégica na Administração Escolar; Formador especialista na área da “Indisciplina
na Escola”, atualmente a exercer funções no Gabinete do Secretário de Estado das
Comunidades Portuguesas

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

RITA GOMES sobre o ENCONTRO

A questão do Ensino

Na verdade a questão do apoio ou da falta de apoio à Língua Portuguesa foi e será um tema da maior importância. Neste Encontro Mundial, uma vez mais, os participantes focaram o assunto, solicitando o necessário apoio e expondo as carências sentidas.
Para a Associação Mulher Migrante, que tem 17 anos de existência, o tema tem naturalmente sido abordado em vários Encontros e Seminários por nós organizados. Constitui, sem dúvida e de há muito, uma justificada preocupação. Todos sabemos, porém, presentemente, as dificuldades que a actual conjuntura impõe. Iremos reflectir rapidamente sobre o assunto na linha de “quem não pede não ouve Deus” e as Comunidades Portuguesas bem merecem o maior apoio, também na área do ensino da Língua Portuguesa.

Maior Envolvimento das Comunidades Portugueses

Com a realização deste 3º Encontro organizado pela Associação em Portugal, notámos, de facto, um maior envolvimento e participação das comunidades portuguesas, tendo havido mesmo quem tenha vindo do Estrangeiro para participar sobre temas inseridos no Programa do Encontro, assumindo os respectivos encargos com as viagens, o que é significativo.

Manuela Aguiar sobre o "Encontro"

Entrevista de
"As Artes entre as Letras"


Que balanço pode ser feito do Encontro Mundial de Mulheres na Diáspora?

Acho que correspondeu às expectativas, porque conseguimos, colectivamente, não só dar continuidade a uma tradição, já longa, de fazer balanços periódicos do progresso na situação das portuguesas no estrangeiro - e, ao fazê-lo, de contribuir para a aceleração desse progresso (que foi e é o nosso principal objectivo), mas também inovar no enfoque em domínios que nunca tinham sido abordados, pelo menos com semelhante alto grau de prioridade, caso da vertente cultural da própria ideia de cidadania, da escolha das letras e das artes como domínios de afirmação das mulheres da Diáspora. E do desporto também.
Não foi por acaso que Aurora Cunha foi a nossa "convidada de honra", em vez de uma personalidade da área política, como aconteceu nos anteriores Encontros Mundiais. Não foi também por acaso que tivemos, a abrir os trabalhos, uma exposição de pintoras e escultoras de várias nacionalidades, duas outras dedicadas ao movimento feminista da 1ª República e uma sessão evocativa de duas grandes mulheres da Diáspora novecentista - Maria Lamas e Maria Archer, escritoras, jornalistas, senhoras de grande cultura, par de grande coragem e espírito cívico.
Momentos inesquecíveis, momentos de olhar exemplos do passado perfeitamente inspiradores de acção futura. Só depois começamos a ouvir as vozes do presente, algumas delas com histórias tão extraordinárias para contar, ou com análises e reflexões tão pertinentes sobre este novo ciclo, esta nova grande vaga em que se avança a emigração portuguesa. Emigração que, em boa verdade, nunca parou de vez...

Quais as principais conclusões...

Poderemos distinguir entre as conclusões que procuram fazer o diagnóstico de situações e as que definem um conjunto de medidas para promover a maior participação das mulheres nas comunidades do estrangeiro.
A meta da igualdade e da paridade entre mulheres e homens neste contexto, é vista como sendo agora menos utópica, mais factível, pois as migrações femininas assumem características completamente originais, no que respeita à autonomia de decisão, à qualificação profissional e às perspectivas de carreira das suas protagonistas.
É o momento certo para agir e entre agir, com conhecimento das realidades e uma visão sistémica. É importante acompanhar os percursos femininos (coisa sempre bastante descurada...) estuda-los, cuidar da notação estatística, por sexo. Saber... ter consciência das potencialidades, e apoiar a sua materialização. O acento tónico foi colocado, por isso, no esforço de investigação e de informação.
O tradicional associativismo, em que se estruturam dinamicamente as próprias comunidades portuguesas, é o primeiro dos caminhos para a afirmação da cidadania das emigrantes, mas constata-se que a sua ascensão tem sido bem mais fácil nas sociedades de acolhimento do que dentro do seu próprio grupo étnico. Esta denúncia, que vem sendo claramente expressa desde o 1º Encontro em Viana do Castelo, ainda mantém actualidade, um quarto de século depois, e, saliente-se, em prejuízo de todos, porque, como se concluiu, para resistirem ao declínio, para assegurarem a renovação, as colectividades têm de atrair as jovens e os jovens da chamada "nova emigração" e as mulheres, de todas as gerações.
A situação, como foi dito, varia enormemente de comunidade para comunidade. Detectar as boas práticas, divulgá-las, assim como apontar o seu reverso, a ostensiva discriminação das mulheres em muitas direcções associativas é tarefa capital. Mais uma vez se falou da criação de uma espécie de "Observatório", ancorado na informação, focalizando injustiças e anacronismos, que é o meio mais eficaz de alertar para a urgência de mudanças... Este levantamento global de situações no movimento associativo só poderá ser levado a cabo, de uma forma célere e pouco dispendiosa, com base em informações conseguidas através da rede consular. É, assim, uma mera questão de vontade política do governo, que acredito existir, finalmente...
Outro dos sublinhados principais foi a necessidade de suprir o défice de reconhecimento da importância e do próprio volume extraordinário da emigração. O País ainda prefere ver-se como destino de imigração, apesar de o ser menos, e cada vez menos, e negar o fosso que cresce entre os números da emigração, em constante alta e os da imigração, em perda acentuada.
Há que olhar tanto os jovens que partem agora, como as terceiras gerações de luso-descendentes, que mesmo quando parecem perdidas podem ser recuperadas, indo ao seu encontro, falando a sua linguagem.
O estabelecimento de redes, o conhecimento mútuo, a partilha de experiências, exige a continuação do trabalho, ao longo dos próximos anos, tendo como agentes de mobilização, muito dos que participaram no Encontro da Maia. Nestes "fora", que se enquadram na definição de "congressismo", há um "dia seguinte", que é sempre mais importante do que aquilo que neles aconteceu.
E para que a "rede" se propague nos vários continentes, para que a mobilização se faça, em grande escala, em crescendo, é preciso criar plataformas de encontro entre metades divididas, pela distância geográfica, nos mais diversos domínios - cultura, educação, desporto, empreendedorismo, política. Mulheres de dentro e de fora de fronteiras, trabalhando juntas, partilhando iniciativas.
Acredito que já em 2012, terão, igualmente, início alguns dos estudos de que se falou na Maia, no painel de debate das"conclusões", por exemplo, sobre "boas práticas", ou sobre o que a relatora, Drª Maria Amélia Paiva, chamou "feminizar a memória". Um projecto antigo de recolher, de forma sistemática, histórias de vida de mulheres migrantes, encontrou, agora, na Profª Ana Paula Beja Horta e no CEMRI/ Universidade Aberta, uma garantia de suporte científico, que é imprescindível, mas exige também apoios, colaboradores e patrocínios nas próprias comunidades.



A Associação já pensa no próximo Congresso?

Mais genericamente em "congressismo", em "plataformas" para múltiplos encontros, do que no próximo congresso mundial, antes do qual há muito trabalho pela frente.
Estamos, de facto, envolvidos num projecto de sensibilização para a igualdade, para cumprir os propósitos da Resolução nº32/2010, aprovada na Assembleia da República, por proposta do actual Secretário de Estado Dr José Cesário. A "Resolução" é a primeira grande "carta de intenções" para o desenvolvimento de uma política com preocupação de género nas comunidades, em cumprimento do artº 9º da Constituição, que não é de aplicação restrita ao território. Mas a verdade é que, apesar dos ditâmes da Constituição, a prioridade de promover a plena participação das mulheres na vida da emigração é algo de completamente revolucionário, após 5 séculos de quase completa indiferença estatal face à sorte das mulheres migrantes. Tem, assim, um enorme alcance jurídico e democrático. Ou melhor, terá, se passar de letra da lei para a realidade do relacionamento entre as pessoas. É nisso que estamos empenhados (uso o plural no masculino, porque não nos faltam aliados!). Prontos a colaborar com o Governo, com outras ONG's, em especial com pessoas e instituições de cada uma das comunidades, à procura de mais e mais aliados, de boas vontades, de "talentos". Mais do que premiar talentos, aliás, uma boa ideia que vem de trás, interessa descobri-los com o propósito de apelar à sua disponibilidade para darem rosto e trabalho à causa comum de valorizar as suas e nossas comunidades. À disponibilidade das mulheres, nomeadamente!
O primeiro "Encontro" de 2012 está já agendado para 25 de Março, na Califórnia, com organização da Profª Deolinda Adão, uma distinta académica de Berkeley, que é também uma dinâmica mulher de acção. Será em San Jose e não esqueceremos que foi ali bem perto, em Oackland, que as Portuguesas (quase todas das Ilhas dos Açores) lançaram as bases do primeiro associativismo feminino, integrado, desde fins do século XIX no movimento mutualista e fraternal. Ainda hoje continuam na vanguarda, embora as Sociedades Fraternais femininas já não o sejam, exclusivamente, num tempo de paridade, no empreendedorismo e na acção social
Quer por razões históricas e simbólicas, quer por razões muito pragmáticas, San Jose é um excelente ponto de partida (ou de recomeço) de uma ambiciosa campanha cívica, com acento em valores sócio-culturais...

domingo, 4 de dezembro de 2011

COMUNICAÇÃO DE MARIA DA LOURDES DE ALMEIDA

NOVA EMIGRAÇÃO: A AFIRMAÇÃO DA MULHER LUSO-VENEZUELANA

I.- CAUSAS DA EMIGRAÇÃO- DO PASSADO AO PRESENTE

Para poder falar da nova emigração é preciso rever a sua história, para assim poder
melhor compreender as mudanças que ao longo do tempo têm vindo a suceder. Para isso
é importante saber os motivos que levaram, no passado, o povo português a procurar
novos horizontes. Razões várias, dos tempos mais remotos à atualidade, justificam este fenómeno. De assinalar a falta dos meios de subsistência responsáveis pelo "êxodo" de emigrantes isolados e de famílias inteiras, hoje radicadas nos diversos países de imigração. É também importante assinalar as circunstâncias de natureza política que as determinaram, associadas a perseguições desta natureza, à falta de liberdade de expressão, à guerra nas antigas colónias e a práticas sociais dominantes que impulsaram a fuga de muitos jovens, antes ou durante o cumprimento do serviço militar.
A emigração de portugueses sempre esteve presente na sociedade portuguesa cuja
evolução ficou mais forte ao término do século XIX e durante grande parte do século
XX. Todas estas razões são as principais causas da presença da comunidade portuguesa
nos cinco continentes. Inicialmente partiam os homens, para criar as condições
necessárias para que a família se juntasse a eles. Isto trouxe como consequência a
separação de famílias, com a mulher a cumprir as funções de pai e mãe ao mesmo
tempo. O emigrante português, no seu perfil mais clássico, partia para outro país para angariar dinheiro para o futuro, pretendendo sempre regressar a Portugal uma vez
cumprida a sua tarefa. No entanto, algumas mulheres nunca voltaram a ver o homem
que procriou os filhos e estes nunca mais voltaram a ver o pai biológico.
Estas primeiras emigrações eram provenientes, na sua maioria, de zonas rurais, numa
época em que o ensino superior era para aqueles de um status social elevado. É fácil
perceber que a escolaridade dos que emigravam era pouca ou nenhuma, o que mais
importava era o trabalho árduo, de sol a sol, e a escolaridade no país de acolhimento
passava a um segundo plano. Até à década de oitenta/noventa o emigrante abdicava
de uma vida com dignidade, no país de acolhimento, para a poder ter no seu país de
origem, mesmo que não usufruísse desse bem-estar. A qualidade de vida, habitação,
mobiliário, gastos com os tempos livres era reduzida ao mais elementar.
A família portuguesa tendeu sempre a acentuar o aspeto da identidade, colocando de
lado qualquer apelo de integração, pois este era entendido e sentido como uma ameaça
à sua identidade. Os emigrantes portugueses procuraram sempre manter uma unidade
cultural que os impedia de integrar as sociedades onde se inseriam, mantendo sempre
a esperança e o desejo de regressar ao seu país de origem. No entanto, “a dinâmica
de uma sociedade multicultural e intercultural assenta, por um lado, na cultura da
autonomia, por outro, na obrigatoriedade da participação e o emigrante português,
fixado na ideia de regresso, sentia pouca vontade de participar e de se integrar na nova comunidade.”
Gradualmente, este tipo de emigração sofreu alterações. Se o projeto primeiro era
angariar o máximo de dinheiro no mínimo de tempo, para poder regressar, cedo a
família deu-se de conta que esse projeto económico não era realizável no espaço de tempo sonhado e, prolongando-se, entrava em conflito com outros objectivos importantes
- A formação escolar das crianças exigia o adiamento do regresso e obrigava a uma certa integração de facto, em conflito com a ideia do regresso.
- A redistribuição de papéis na família, muitas vezes de forma pouco fiel à tradição,começava a afirmar-se à medida que as mulheres encontravam formas de trabalho remunerado.

II.- TESTEMUNHOS

1.-A costura é a minha paixão desde pequena

A 3 de janeiro de 1956 nasceu Maria do Rosário Abreu de Freitas, no Porto da
Cruz, Madeira. Com apenas 2 anos de idade, partiu a bordo do navio Santa Maria
acompanhada pela mãe e pelo irmão mais velho (Manuel), com destino à Venezuela,
país onde o pai já vivia há um ano. Terra nova, vida nova. “A minha mãe conta sempre que quando chegámos à Venezuela, o meu pai perguntou se ela queria uma ‘malta’, e ela pensou que se tratava de uma multidão de pessoas e não compreendia bem o que é que ele lhe queria dar, até que lhe explicou que se tratava de uma bebida semelhante a um refrigerante”, conta Abreu, entre risos. Viveram em Flores de Cátia, no edifício Diamante, “e ali conheci a minha melhor amiga de criança e com quem ainda mantenho contacto constante, Fátima dos Reis, e também ali nasceu a minha irmã Maria Dolores.”
Depois foram viver para San José, onde nasceram mais duas irmãs, a quarta e a quinta,
Maria de Fátima e Margarita Matilde. “No ano seguinte, mudámo-nos três vezes. De
San José fomos para a estrada velha de 'La Guaira', 'El Cementerio' e depois para 'San Agustín'. Ali nasceram mais dois irmãos, Juan António e José Luís”, conta Abreu.
Passados uns anos, o seu pai comprou uma casa em 'El Junquito', na urbanização Luís
Hurtado, onde nasceram os três últimos irmãos de Abreu: Ana Isabel, Joaquín Miguel e
Maria Mercedes. “Mudámo-nos no ano do terramoto, em 1967; recordo-me que eram 8
da noite e estávamos a ver o Miss Venezuela quando começou tudo a mexer”, recorda.

Entre a família e a moda.
Rosário Abreu ajudava a mãe a cuidar dos 9 irmãos e nos tempos livres inventava vestidos para as bonecas e até para os seus irmãos. “Recordo-me que tinha uma boneca que se chamava Rosa/Luís, era como ter dois em um, porque quando fazia roupa de menina, chamava-a Rosa e quando a vestia com roupa de rapaz era Luís. Fazia sempre muitos trajes com os pedaços de tecido que a minha mãe deixava”, conta. Aos 15 anos, pediu uma máquina de costura. “O meu pai sabia que eu gostava de costura e que o fazia muito bem e assim ofereceu-me uma máquina. Para mim foi o máximo”. Dias depois, viu no jornal que estavam abertas inscrições para o Instituto de Superação, para um curso de corte e confeção por correspondência, ministrado a partir de Nova Iorque. Tirou o curso num ano e com apenas 16 primaveras, Abreu começou a trabalhar numa fábrica, aos poucos foi adquirindo as suas próprias clientes. “Lembro-me que fiz um vestido de primeira comunhão azul com chapéu e tudo”.
Em setembro, conheceu o marido, Manuel Correia Gonçalves Pereira, natural do
Campanário, Madeira, e em Dezembro do ano seguinte casaram-se. “Ele era dono dum
supermercado no quilómetro 12 de 'El Junquito' e foi levar uma encomenda a casa.
Depois de conhecer-me, pediu a minha mão, passados 15 dias”. Tem quatro filhos: Manuel, Juan David, Nahir Olinda e Jeysell Daniela; e cinco netos. “Há 13 anos,
Bernadete Sousa Pires, que tinha uma loja no Centro Vista, precisou de uma modista.
Trabalhei lá 10 anos. Aprendi muito, ganhei experiência e clientes”. Há três anos,
tornou-se independente e criou o seu próprio atelier, no centro Comercial El Castillo, no quilómetro 13 de El Junquito. “Ali tive o prazer de fazer o vestido de Dayana Mendes, a primeira finalista do Centro Português de há dois anos”. Refere que é a modista e designer de muitos dos trajes usados pelas senhoras das comunidades portuguesa, italiana e árabe.
Um ano depois de ter aberto o seu próprio atelier, o marido morreu. “Infelizmente
enviuvei mas sempre lutei com a minha família e apesar das adversidades, nos
mantivemos unidos.” Desde criança Maria do Rosário Abreu acredita que Deus sempre
a ajudou e a abençoou ao longo da sua vida, assim como à sua família. “Graças a Deus
por tudo o que me deu”.

2.-Madeirense de nascimento, Portuguesinha de coração

A cultura e as tradições portuguesas ganham vida todos os dias nestas terras
venezuelanas e Maria da Câmara Araújo é uma digna representante disso. Proveniente
do sítio do Ribeiro Loiro, freguesia de Santa Cruz, Madeira, esta lusitana tem 37 anos no país, contados desde que aterrou na Venezuela, em agosto de 1974. Quando chegou a Maiquetía, trazia consigo os dois primeiros filhos da sua união com Florentino das Neves Rodrigues. Ainda nasceram mais dois, mas infelizmente a mais velha faleceu anos mais tarde, em terras lusas. Como a maioria das mulheres madeirenses, Maria, a mais velha de seis irmãos, foi criada entre a agricultura, as tarefas de casa e a necessidade de conseguir algum dinheiro para o seu sustento. Também trabalhou como bordadeira desde muito pequena. O marido, Florentino, saiu de África rumo à Venezuela. Seis anos depois, mandou buscar a mulher. Ela ainda recorda a sua primeira casa com telhado de zinco na cidade de Acarígua e o seu trabalho como ajudante do marido na limpeza do negócio e no trabalho em casa. No início angustiou-se muito pelas diferenças culturais: Um idioma novo e uma comida à qual não estava habituada. No entanto, em breve viria o maior golpe, quando o marido perdeu o negócio, mas os tempos melhoraram. Ao adaptar-se ao tipo de vida e amoldar-se aos costumes 'crioulos', Maria decidiu mostrar à comunidade tudo o que tinha aprendido na infância e juventude, fez-se famosa na sua localidade pelos seus saborosos bolos do caco. E não é para menos: Chegou ao ponto de partilhar os seus segredos de cozinha e ensinar aos habitantes da zona para que aprendessem a elaborá-los.
Uma das coisas pela qual também é famosa na sua zona é pela cura do mau-olhado.
E Maria ainda tem tempo para bordar e deixar aos netos algumas recordações. Vive
orgulhosa de ter conseguido inculcar as raízes lusas nos seus filhos. Participou em peças de teatro com a história da Virgem de Fátima, cantou em grupos folclóricos e reviveu a sua infância em três visitas a Portugal. Para Câmara, viver em Acarigua é como estar na sua terra natal: Tem bons amigos venezuelanos mas por coincidência todos os seus vizinhos são portugueses. E ainda que as visitas ao seu país de origem não tenham sido frequentes, esta mulher faz o impossível por ser uma portuguesa em terras bolivarianas.
Como dado curioso, Maria conta que o sobrenome Câmara vem da sua avó, nascida
em 1882 e abandonada num cesto de vimes à porta de uma mercearia. Um homem que
passou por lá recolheu-a e decidiu levá-la à Câmara Municipal, onde lhe colocaram o
nome de Maria da Câmara. Para além de ter o mesmo nome que ela, também conserva
uma colcha que lhe pertencia que cuida com especial carinho.!

3.-As flores fazem-me feliz

Nascida a 13 de Janeiro de 1949 no sítio dos Picos, nos Prazeres, Calheta, e criada na Ponta do Pargo, no mesmo concelho, Maria Irene Rodrigues é uma mulher trabalhadora
que acorda todos os dias com o propósito de ser feliz fazendo o que mais gosta: Estar
rodeada das plantas mais belas, as do seu viveiro. É a mais velha de seis irmãos e a
que durante muito tempo velou por eles e pela sua mãe, Maria José Abreu, natural da
Ribeira Brava, já que o pai, Manuel Rodrigues, oriundo dos Prazeres, tinha vindo para a Venezuela em busca de uma melhor vida para a família.
“Muitas vezes não podia ir à escola porque tinha de cuidar da minha mãe quando
ela ficava doente. Era eu que muitas vezes levava as rédeas da casa”, recorda com
nostalgia, clarificando que tanto ela como os seus irmãos, terminaram a primária. A pouco e pouco, a sua família foi vindo para a Venezuela. A mãe, ajudando um dos
irmãos a fugir da tropa, trouxe-o para a Venezuela, e aqui ficaram todos. “A minha mãe decidiu não voltar à ilha porque na Venezuela conseguiu mais oportunidades para ter trabalho, e passado um tempo mandava dinheiro para as minhas irmãs e para mim”,
conta Rodrigues. Ficou na Madeira sozinha com duas irmãs até aos 16 anos de idade. “Graças a João Rosário, da Ponta do Pargo, nós tivemos uma casinha onde viver durante um ano, depois de a minha mãe ter vindo embora e nós termos ficado as três sós. Ele emprestou-nos um quarto com cozinha onde vivemos até que nos mandaram buscar”, recorda Maria Irene, acrescentando que a carta de chamada era para ela e para outra das suas irmãs, já que a mais nova devia ficar sozinha na ilha, ao que Rodrigues respondeu: “Ou vamos as três ou não vai nenhuma”. Foi assim que chegaram as três à Venezuela, no navio Henrique C.
Nova terra, novos sonhos. Ao chegar à Venezuela, em 1968, começou a trabalhar a
terra junto com os seus pais num terreno situado em 'El Hatillo'. “Ajudava-os a colher as verduras”, recorda. Uma emigrante portuguesa chamada Virgínia e oriunda da Calheta ajudou-a a conseguir trabalho, e colocou-a imediatamente num casa de família, e nessa mesma noite, com apenas 19 anos, foi viver para o local onde trabalhou durante um ano. Passado esse tempo, regressou à família e trabalhou em 'El Hatillo' durante mais de seis meses na terra, cuidando das hortaliças. Depois, apareceu na sua vida Alberto Rodrigues, natural dos Canhas, com quem está casada há 42 anos e de quem tem dois filhos: Carlos Alberto e Maria Isavette Rodrigues. Tiveram uma padaria durante sete anos, mas a sua verdadeira paixão eram as flores, pelo que abriram o viveiro 'Los Nietos', na 'Cortada El Guayabo'. O filho também trabalha no viveiro e ajuda os pais no negócio. A filha, que estudou informática, passa ali os fins-de-semana. “Adoro quando os meus netos vêm e desfrutam dia e noite em contacto com a terra, com as plantas”, confessou Rodrigues.
“Adoro ‘inventar’ no viveiro, o melhor que faço é conseguir obter várias cores nas
jarras e nos lírios, isso faz-me imensamente feliz”, e confessa que as suas favoritas são as jarras Rabinho de Porco. Rodrigues diz que ter um viveiro é trabalhoso, “há que regar, alimentar, plantar, atender, mas adoro tudo o que faço”. O que mais sente falta da Madeira são os noivos, e entre risos, confessa que “foi o mais bonito, os melhores momentos.”
Após 37 anos, voltou à Madeira, “a ilha está muito mudada, muito bela, mas sinto que
já não me dou lá.” O seu local favorito continua a ser a Ponta do Pargo, “as pessoas têm mais calor, são mais próximas que no resto da ilha. Fiz ali toda a minha vida, os meus sacramentos, a escola, tudo”. Apesar de ter passado maus momentos, os bons foram
mais, e fizeram de Maria Irene Rodrigues a mulher forte e trabalhadora de 62 anos que é hoje em dia.!

4.-Ana Pereira de Almeida.
Chegou sem nada nos bolsos, mas os seus conhecimentos na costura permitiram-lhe progredir, quem a conhece identifica-a pela sua cabeleira totalmente branca e o seu bom humor, perante qualquer situação. Essa cabeleira é o reflexo de anos de esforço e essa simpatia foi-se forjando perante as adversidades. Ana Pereira de Almeida nasceu em Oliveira de Azeméis (distrito de Aveiro) a 29 de agosto de 1927. Os seus pais, José da Costa Almeida, era ferreiro. A sua mãe, Maria Pereira da Silva, vendia tecidos nos mercados (feiras). Ambos trabalharam intensamente para fazer face às necessidades básicas de Ana e das suas irmãs, Maria da Conceição e Amélia, num Portugal onde a situação económica piorava a cada dia que passava.
Aos 16 anos, conheceu António Soares de Oliveira Maurício, que a pouco e pouco
a foi conquistando com as suas atitudes de cavalheiro e as suas picardias. Depois de
vários encontros na Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis, lugar onde António
trabalhava, decidiram casar-se. Perante a ditadura de Salazar e a difícil situação do país, decidiram começar de zero e emigrar, indo em busca de novos horizontes. Foi então que apanharam o navio Francisco Morocini em Lisboa, com destino à Venezuela.
Depois de um mês de navegação, chegaram ao mar venezuelano a 12 de abril de 1952.
No entanto,por ser Semana Santa, permaneceram em alto mar durante três dias. Uma
vez em terra firme, dirigiram-se a 'Propatria', lugar onde um velho amigo lhes arrendou uma casa. Essa casa converteu-se logo numa oficina de sapatos: Ana e António
dedicaram-se à costura de sapatos. Com o passar dos meses e a aparição de novas
oportunidades, António começaria a trabalhar para a Cervejaria Caracas como vendedor
e Ana para duas prestigiosas marcas de sapatos. Por essa altura, Ana teve de enfrentar a morte do pai à distância. Em 1955, decidem arrendar uma nova casa em 'Puente Hierro'. Ali, a vida lhes daria uma bonita surpresa e receberam a sua primeira filha no dia 7 de outubro: Ana Maria. Oito anos depois, uma segunda flor, a 24 de fevereiro de 1963: Marisol. O tempo continuou a conspirar a favor do casal e deu-lhes a oportunidade de comprar um apartamento no município 'Chacao', em 1965. Ana continuou com o seu ofício de costura de sapatos e António passou
por diferentes ofícios: Venda de licores, de câmaras fotográficas, num local próprio
e até vendedor de seguros. Ana recorda com tristeza que em 1978 teve de viajar até
Portugal pois a saúde da sua mãe era cada vez mais delicada. Nesses meses, esteve
longe da filha, que fazia 15 anos, uma ocasião que celebrou sozinha com o pai. Em breve regressaria à Venezuela, com o pressentimento de que meses mais tarde seria confrontada com a morte da mãe. A sua perda mais valiosa foi em fevereiro de 2006, quando António, o seu eterno companheiro de vida, fechou os olhos de forma inesperada. Ana Pereira enfrentou a situação agarrando-se intensamente aos filhos e
aos seus três netos. Atualmente tem 82 anos, mas assegura sentir-se com 28. Sente-se
bastante orgulhosa de ter suado bastante para dar um futuro às suas filhas. Sem lugar
para dúvidas considera-se uma“venezuelana de coração”. E neste país fazem falta pessoas como ela para preencher de alegria e trabalho honesto.

5.- Aqui tenho tudo e não saio. Maria do Carmo Pimentel é de São Miguel, Açores, e
emigrou para a Venezuela há mais de 50 anos, para estar com o marido e dar aos filhos
uma melhor qualidade de vida. Esta açoriana conta que se casou em Portugal, mas por insistência do marido em querer tentar um futuro melhor fora do seu país de origem, viajou para a Venezuela, onde já tinha família, e iniciou uma nova etapa da sua vida. “Casei-me com 22 anos e passado pouco tempo, o meu marido veio para este país. Fiquei grávida e passado quase um ano, enviou-me uma carta de chamada para que viesse”, recorda. Durante o tempo em que esteve sozinha, Maria do Carmo dedicou-se aos trabalhos da casa e a cuidar da sua filha primogénita, Carmélia. Passados nove meses, esta açoriana embarcou no ‘Santa Maria’, em 1959, e rumou a terras de Bolívar. “Quando cheguei para encontrar-me com o meu marido, fiquei surpreendida pela beleza de 'La Guaira'. E estava ansiosa por estar com ele e mostrar-lhe a nossa primeira filha”, recorda. Uma vez em solo 'crioulo', Maria do Carmo começou a trabalhar na costura, em casa, ao mesmo tempo que cuidava dos filhos. “Sabia costurar e procurei clientes para fazer todo o tipo de arranjos de roupa e confeção de vestidos”.
O casal teve mais três filhas para além de Carmélia. “Tivemos um casamento unido
e trabalhámos para dar tudo o que os nossos descendentes precisavam”, acrescenta.
Esta emigrante açoriana conta ainda que foi à sua terra em duas oportunidades, para
visitar uma das filhas, que vive em Portugal. “Cada vez que chego lá, tenho sentimentos recorrentes, mas é agradável, é uma sensação indescritível”, assinalou, manifestando que Portugal é a sua terra mas que a Venezuela é o país onde se desenvolveu como pessoa. Talvez por isso, Maria do Carmo diz que não troca a Venezuela, porque “aqui tenho tudo, e não saio”. Esta lusa espera poder continuar a visitar a sua ilha e apreciar a evolução do seu país ao longo dos anos. “O meu coração é português e venezuelano porque tenho em ambos os países coisas valiosas e que amo”, concluiu Maria do Carmo.!

III.- IDENTIDADE DA MULHER LUSO-VENEZUELANA

Inserir-se numa sociedade cujos valores políticos, culturais, sociais e económicos
diferem daqueles do país de origem, juntamente com as dificuldades linguísticas, é a
principal problemática de qualquer comunidade emigrante. Os filhos de portugueses
eram dos grupos menos representados no ensino secundário e nas universidades até meados do século XX. Portugal, ainda estava sob um regime ditatorial fascista e apresentava traços duma sociedade agrária, atrasada e subdesenvolvida. Para se
entender a situação da mulher portuguesa devemos assinalar que “era encarada como
célula social básica de reprodução da ordem e das tradições culturais”. O trabalho
assalariado estava reservado aos homens, principalmente as atividades liberais e
as realizadas em órgãos públicos, cabendo às mulheres o de baixa qualificação e
remuneração. A mão de obra feminina era composta basicamente por mulheres
provenientes das classes mais baixas que se dedicavam principalmente às atividades
rurais e, nas zonas urbanas, ao trabalho como empregadas domésticas ou em pequenas
lojas.
A perda da identidade portuguesa pode, e em efeito acontece em muitos casos, na
segunda geração entre os filhos que alcançam o ensino superior. As mulheres que
atingem o ensino superior têm mais probabilidades de se inserirem na sociedade do país de acolhimento.

Estudos realizados assinalam duas vertentes nas razões que levaram a mulher a trabalhar fora de casa:
1.- A precária condição financeira da família de origem assim como a precária condição económica da família constituída depois do casamento. Nestes casos a mulher não continuou os seus estudos secundários.
2.- As mulheres de famílias com boas condições económicas ou de famílias com
bom nível educacional atingiram o ensino superior e exercem funções na docência,
administração pública, meios de imprensa, etc.
Através de testemunhos podemos constatar que a educação familiar teve um peso
significativo na formação e na vida das mulheres de origem portuguesa, tendo muitas
delas relatado que os pais eram severos e austeros, ensinando principalmente os
costumes da sociedade portuguesa. Relatam que tiveram uma educação diferenciada em comparação aos irmãos, pois, não gozando de nenhuma liberdade, deveriam ser
acompanhadas sempre que saíam de casa, seja pela mãe ou por um irmão. Os pais
controlavam bem de perto a sua vida até ao casamento, para entregar a filha "intata" ao futuro marido. No entanto, as mulheres da segunda geração, que atingiram um nível educativo superior, são pessoas na maioria das vezes com uma identidade ambígua. Conhecem bem os padrões da pátria dos seus pais, não partilham a sua rigidez, mas gostam dos seus hábitos alimentares e das reuniões familiares aos domingos e nos dias de festa. No entanto, já não conseguem ter grande fluência na língua dos pais, limitando o seu vocabulário ao indispensável para a comunicação doméstica. Isto traz como consequência que seja mais fácil expressarem-se na língua do país onde vivem e muitas vezes já nem se identificam como portuguesas.

IV.- A ATUAL MULHER LUSO-VENEZUELANA

Em março de 2011, com motivo do Dia Internacional da Mulher, um jornal local, O
Correio de Venezuela, falou de várias mulheres na diáspora luso-venezuelana, o que me
parece muito ilustrativo para demonstrar a reafirmação da mulher luso-venezuelana.

1.- Sociedade de Beneficência de Damas Portuguesas:
Actualmente, a responsável pela liderança das damas lusitanas é Mary Monteiro, que, com o seu temperamento e a sua paixão pelo trabalho social, tem dado importantes contributos em benefício dos mais necessitados. No entanto, não está só: É acompanhada por Teresa de Fernandes, Maria Fátima Pita, Mari Cova, Luz Da Silva
Branco, Maria Eugénia de Freitas, Maria José Vieira.
A Sociedade de Beneficência de Damas Portuguesas ajuda também instituições
venezuelanas como a Avepane, Hospital de Crianças J. M. de Los Ríos, Asocirpla,
Fundana, Fundação Padre Pio, entre outras. Para além disso, faz donativos permanentes
a algumas famílias e ajuda algumas pessoas em processos cirúrgicos e no tratamento de
doenças. Outro importante trabalho levado a cabo pelas Damas Portuguesas é a administração do Lar Padre Joaquim Ferreira. Neste caso, as pessoas encarregues de dirigir a instituição são Maria Inocência da Silva, Vera Natália Bastos, Maria Rosa Martins, Crisanta Campos, Manuela Rodrigues, Maria José Abreu, Maria Augusta da Silva, Natália Rodrigues, Maria Fernanda Moreira, Alda de Sousa e Jeanethe Sousa.

2.- Academias da Espetada

Foi no ano 2003 que Noemi Coelho, acompanhada por um grupo de mulheres habitantes de Maracay, estado Aragua, organizou a primeira Academia da Espetada na região. A ideia era simples: Fazer um jantar mensal durante o qual um grupo de mulheres comessem espetada e angariassem dinheiro para obras de beneficência. Actualmente, a Academia estende-se a Caracas e Barquisimeto. É ainda esperada a criação de uma terceira filial no estado Carabobo.
A Academia da Espetada de Maracay organiza tertúlias de beneficência há oito anos.
A atual presidente, Ana Maria Abreu, conta com o apoio de Fátima Fernandes de
Pestana, Adriangela Gonçalves, Fátima Soares, Ana Maria de Veracruz, Maria Helena
de Veracruz, Salomé de da Silva, Maria Graça de Canha, Micaela Varguem, Conceição
Figueira, Elisabety de Abreu, Maria José Gonçalves, Jovita Da Silva e Manuela
Fernandes.
A Academia da Espetada de Caracas foi criada a 18 de maio de 2009. Conta com a
orientação de Sílvia Henriques, acompanhada por Maria Couto, Mónica da Silva, Elsa
Abreu, Maria Odília Rodrigues, Maria Luísa Nunes, Maria José Farias e Ana de Castro,
e mais de 100 mulheres que se reúnem mensalmente em diferentes restaurantes e salões
de banquetes da capital. Meses mais tarde, a 19 de Outubro de 2009, Trinidad Macedo teve a ideia de organizar a Academia da Espetada em Barquisimeto, estado de Lara, onde, junto com Maria Matias, Fátima Macedo, Maria Mestre, Irene Ferrão, Conceição de Sousa, Teresa da Silva, Janeth Farias e Eleonara Soares, já realizaram 15 encontros.

3.- A presidente da Câmara Municipal de El Hatillo

Myriam do Nascimento. Licenciada em Publicidade e Marketing, e com cursos em
áreas como Gestão e Legislação Municipal, Administração Tributária, Participação
Cidadã e Controlo de Gestão, trabalhou durante 25 anos no sector público.

4.- Assembleia da República

Deputada do partido do poder Desireé Santos Amaral: Licenciada em Jornalismo
e defensora acérrima dos direitos individuais, passou das páginas dos jornais aos
meandros da Assembleia Nacional venezuelana

5.- Conselheiras Das Comunidades Portuguesas

a.- Lic. Maria de Lurdes De Almeida- professora de línguas, magister em
planificação educativa, condecorada em várias oportunidades pelo seu desempenho
laboral dentro e fora da comunidade.
b.- Estela Lúcio- presidente da Associação dos Filhos de São Vicente, empresária.

6.- Executiva na área farmacêutica

Noreles Mendonça Mendes- luso-descendente iniciou o curso de Farmácia na Universidade Central de Venezuela. Em 2002, saiu já licenciada, com especialização em Análise de Medicamentos. Posteriormente, fez uma pós-licenciatura também na UCV, juntando ao seu currículo uma especialização em marketing de empresas. Começou a trabalhar de imediato numa farmácia, para depois integrar a equipa de profissionais de um laboratório nacional. Mas também se manteve durante pouco tempo, pois, passado menos de um ano, assinou um contrato para trabalhar na Sanofi–Synthélabo. Desde 2004 trabalha nesta empresa farmacêutica, que hoje se chama Sanofi-Aventis.

7.- ARTES E ESPECTÁCULOS

a.- Marlene de Andrade: Esta modelo e atriz luso-venezuelana, depois de passar pelo
Miss Venezuela 1997, iniciou uma carreira como modelo em diferentes países. No
regresso à Venezuela, foi escolhida para encarnar ‘Pipina’ na novela ‘Carita pintada’. Daí seria sempre a subir, participando noutras produções como ‘Mis tres hermanas’, ‘La soberana’, ‘Trapos íntimos’, ‘Mujer con pantalones’, ‘Arroz con leche’, ‘La vida entera’ e ‘La Mujer Perfecta’. Isto sem contar com o papel no filme ‘La señora de Cárdenas’ e ainda as fotografias como ‘Chica Polar’.
b.-Marjorie de Sousa: Esta atriz começou a sua carreira artística aos 12 anos em
alguns comerciais para televisão. É em 1999, depois da passagem pelo Miss Venezuela,
que inicia a sua carreira como atriz de televisão, nas telenovelas ‘Amantes de Luna
Llena’, ‘Guerra de Mujeres’, ‘Gata salvaje’, ‘Mariana de la noche’, ‘Rebeca’, ‘Ser
bonita no basta’, ‘Y los declaro marido y mujer’, ‘Amor Comprado’, ‘¿Vieja yo?’, ‘Pecadora’ e ‘Sacrificio de Mujer’. Destaca-se também o seu desempenho como
modelo para marcas conhecidas como a Polar e a Pepsi-Cola.
c.-Myriam Abreu: A jovem atriz luso-descendente saltou para a fama depois de participar no certame de beleza mais importante do país, onde representou o estado
de Miranda. Desde então, a sua carreira se desenvolveu com participações no talk
show ‘Cásate y Verás’ e na série juvenil ‘Túkiti’. Depois interpretou personagens nas
telenovelas ‘La Trepadora’, ‘Necesito una amiga’ e ‘Libres como el Viento’.
d.-Aileen Celeste: Esta luso-descendente começou a sua carreira no ‘El club de los
tigritos’ e como animadora de ‘Toda acción’. Posteriormente, iniciou a sua carreira de atriz com as telenovelas ‘Jugando a ganar’ e ‘Calipso’. Depois de seis meses a trabalhar como modelo no México, regressou à Venezuela para participar nas telenovelas ‘La niña de mis ojos’, ‘Mi gorda bella’, ‘La Cuaima’, ‘Natalia de 8 a 9’, ‘Mujer con pantalones’, ‘Por todo lo alto’ e ‘Nadie me dirá como quererte’. Isto sem contar com a sua participação nos comerciais da Chinotto, Coca-cola, Wella e Biotherm.
e.-Laura Vieira: É comunicadora social, estudou jornalismo audiovisual na
Universidade Católica Andrés Bello (UCAB) e licenciou-se em Gestão. De sublinhar
que depois de ter sido avaliada pela sua tese universitária, obteve o segundo lugar do prémio Eduardo Frías e uma bolsa para estudar no exterior, assim viu publicado grande parte do seu trabalho. O profissionalismo desta luso-descendente foi observado por milhares de espetadores em ‘El Informador’, ‘Sálvese Quien Pueda’ e na apresentação de programas como o Miss Mundo e Miss Universo.
f.-Catherine Correia: Com apenas 9 anos de idade, esta atriz iniciou a formação
artística ao estrear-se nos palcos com ‘El Libro de la Selva’. Aos 19 anos, começou os estudos de Filosofia na Universidade Católica Andrés Bello, que não continuou por diversos compromissos artísticos. Quatro anos depois participou em três obras
consecutivas: ‘Buster Reatón’, ‘Submarino Amarillo’, ‘Cuentos de Sábado’ e ‘Yerma’.
Em 1993, começaria a sua fama ao animar o ‘Club Disney’ na RCTV e com a participação nas telenovelas ‘El Desafío’, ‘Entrega Total’, ‘Llovizna’, ‘Cambio de Piel’, ‘Aunque me cueste la Vida’, ‘Carita Pintada’, ‘Viva la pepa’ e ‘La Cuaima’.
g.-Flor Helena Gonzalez: Iniciou a sua carreira aos 10 anos de idade no espectáculo ‘Domingos con Popy’. Tempos depois, iniciou a formação em representação e participou nas telenovelas ‘María Soledad’, ‘Por estas calles’, ‘La Dueña’, ‘Doña Perfecta’, ‘El Hombre de hierro’, ‘Amores de fin de siglo’, ‘Cambio de piel’, ‘Mis tres hermanas’, ‘La Soberana’, ‘Juana, la Virgen’ e ‘La Cuaima’.
h.-Vanessa Gonçalves: Nasceu a 10 de fevereiro de 1986 e fez vibrar a comunidade
lusitana a 28 de Outubro do ano passado, ao ser coroada como a primeira Miss
Venezuela de origem portuguesa. Estudou na faculdade de Odontologia da Universidade Santa Maria, e no seu primeiro ano de reinado, Vanessa tem participado em diversos programas televisivos nacionais e internacionais, convertendo-se numa das figuras do ano no mundo.

V.- CONCLUSÃO

Se bem é certo que nos princípios da emigração portuguesa, no que se refere à
Venezuela, observamos a típica emigração da mala de cartão, a saudade do país que
deixaram atrás e da família que só voltariam a ver depois de muitos anos, não é menos
certo que esta emigração logrou inserir na comunidade venezuelana e trespassar as
barreiras culturais e linguísticas que num principio lhes parecia quase impossível. Os portugueses estão hoje perfeitamente integrados na cultura, na sociedade e na vida
económica venezuelana. No entanto também observamos que as novas gerações estão a afastar-se das raízes portuguesas. É por isto que Portugal deve reforçar a relação ibero-americana, que deve passar pelo fortalecimento nas áreas política e económica, mas também pelas educativa e cultural. Não podemos perder de vista que o multiculturalismo e a globalização são fenómenos crescentes e irreversíveis.

VI.- BIBLIOGRAFIA

.- Revista Eletrónica de Geografia e Ciências Sociais - Universidade de Barcelona.
Nº 94 (30) 1 de agosto de 2001. Prof. Dr. Jorge Carvalho Arroteia - Universidade de
Aveiro
.- RTP- Ei-los que partem- A História da Emigração Portuguesa-Serie Documental
.- Memórias da Emigração Portuguesa- Porque emigram os Portugueses- Carlos Fontes
.- Jornal Correio de Venezuela
.- Os Portugueses na Venezuela- -Nancy Gomez- 2010
.- Cadernos Ceru- História da Mulher Migrante
.- Imaginário.- Junho 2007- ISSN 1413-666X

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

20 - Comunicação de CRISTINA RODRIGUES

Sou a Cristina Rodrigues, tenho 44 anos, e antes de mais gostava de agradecer o convite que me foi endereçado e é uma honra poder estar hoje com todos os presentes, e poder partilhar algumas facetas da minha vida.
Era ainda uma jovem de 20 anos, quando decidi ir viver para a Suíça. Logo muito cedo, a vontade de fazer algo diferente foi crescendo. Após um despedimento abusivo, decidi aderir a uma das maiores unidades sindicais da Suíça, e rapidamente integrei o comité do maior sindicato de hotelaria, na altura, Union Helvetia, em Genebra. Tenho muito orgulho em dizer que foi precisamente nessas datas, que foram modificadas e alteradas muitas leis para a emigração, mais concretamente, a legalização do agregado familiar através do “permis” (autorização de trabalho) do chefe de família, e a possibilidade de integrar o tribunal de trabalho como juiz de paz.
Após ter decidido abrir negócio por conta própria, outra variante surgiu,
pela qual me apaixonei, a rádio! A comunicação social, falar na nossa língua, na nossa cultura, manter viva a chama lusitana… Uma grande aventura, de grande responsabilidade começava. Fiz parte da direcção da rádio Arremesso em Genebra, mas como único elemento feminino na direcção, muitos conflitos foram surgindo, uma vez que o nosso homem português, embora mais evoluído, continua a ser machista e sexista, sendo muitas vezes difícil seguir directivas de uma mulher! Como os restantes membros de direcção da associação rádio Arremesso, não viam com bons olhos as minhas iniciativas, claro, decidi partir, e atrás de mim outros elementos se seguiram. Mas não podia parar, e quase de imediato, criamos outra rádio, a “Alma Lusa”. A rádio Alma Lusa, é uma rádio que emite via internet para todo mundo, tendo uma grelha de programas em directo, diariamente. Desde debates políticos ao tradicional discos pedidos, é neste momento uma estação que chega a ter um intercambio com 150 ouvintes por programa, o que é fantástico. No ranking de rádios na internet esta classificada em 3 lugar. A rádio Alma Lusa, funciona, sobrevive do voluntariado dos locutores, e algumas festas anuais, das quais a eleição da Mini Miss Rádio Alma Lusa, sendo este uma exclusiva criação pessoal, levando as meninas dos 4 aos 10 anos de idade ao rubro.
O que mais me seduz em fazer rádio na Suíça, sem duvida alguma, é o facto de poder divulgar a nossa língua, a nossa cultura, as nossas tradições, e o intercambio com os ouvintes. Mais que tudo, o poder informar o auditório, que por vezes parece adormecido, mas que aos poucos vai-se interessando, e tem aderido. O mais aliciante, é saber que o auditório esta espalhado por todo o mundo, chegando a trocar impressões com residentes no Brasil, Canada, África do Sul e ate Austrália, durante o mesmo
programa, o mais engraçado, é ver que todos se parecem, e diz todos: que bom ouvir falar em português, do nosso país e das nossas comunidades! Uma das maiores dificuldades com que me deparei, foi estimular os ouvintes a ouvir debates informativos, políticos e a participarem nos mesmos!
Infelizmente cada vez há menos pessoas, que se interessam pela vida social, politica, dai a problemática em fazer programas deste tipo. Foi precisamente num destes debates que eu organizava, na altura das eleições para as presidenciais, que conheci a Dra. Vanda Santos, funcionaria da ONU e membro do MEP, o Dr Miguel Limpo, então presidente do partido Os Verdes de Genebra, que se falou na criação de um novo projecto, uma associação de carácter politico, social e cultural. Alguns meses mais tarde nasce a então a associação Agora Portugal! É um projecto aliciante e arrojado, uma vez que sobretudo, na área da politica, é muito difícil mobilizar as pessoas, os jovens a serem mais activos. Acreditamos na nova vaga de emigração, na segunda e terceira
geração, para um futuro mais positivo, para que tenhamos uma qualidade de vida superior à de há 20 anos, como emigrantes. A nossa força esta na nossa língua, o português, na nossa cultura, para que não sejam esquecidos pelos nossos filhos, e que tenha a mesma importância ou mais para eles como tem para nós.
Neste momento, Portugal, é a maior comunidade estrangeira residente em Genebra, o que significa uma media de 70.000 inscritos no consulado, e dizer que somos a única, das mais antigas, que não tem assento no conselho genebrino, o equivalente à assembleia da Republica; este é um dos factos que Agora Portugal luta por uma mudança!
Valorizar e promover a identidade da comunidade portuguesa na Suíça francófona;
Valorizar e dar a conhecer os empresários portugueses. Promover o dialogo entre o consulado português e o mundo associativo das comunidades na Suíça francófona. São estes os maiores objectivos da associação Agora Portugal.
Mas realmente, o que mais me enaltece a alma, um dos maiores projectos de vida que me podia ter acontecido, a nível associativo, foi sem duvidas, estar na fundação da associação “Escola Sofia Ilha de Bubaque”… após várias lutas burocráticas, hoje orgulho-me pelas 62 crianças que dependem do nosso projecto, das quais 42 são meninas! Sabendo que a Guiné Bissau, atravessou e atravessa uma grande instabilidade politica, com uma sociedade completamente corrupta; sabendo que na ilha de Bubaque, o nr de habitantes é de 15’000, dos quais em média 5’000 são emigrantes, que o salário mínimo são 120 euros aproximadamente, mas que ninguém os recebe, que a escolaridade de uma criança custa 12 euros/mês, a maioria não tem condições de ter mais que um filho na escola, pelo que privilegiam os elementos masculinos, sendo mesmo em algumas escolas proibido o ensino a meninas! Foi durante uma viajem de recreio à ilha, que uma amiga teve conhecimento do grau de analfabetismo, sobretudo no feminino! Após o seu regresso e face a este dilema, ela, eu e outra amiga, de imediato, resolvemos pôr em pratica um projecto que pudéssemos mudar a situação, ou pelo menos ajudar.
No inicio, começamos por enviar utensílios agrícolas, sementes, e ensinar as mulheres a fazerem o seu próprio cultivo, e a fazerem as suas próprias sementes de uns anos para os outros. Hoje 4 anos após, já não se envia quase nada neste domínio, uma vez que já são autónomas. Neste sentido, estamos no ponto de criar grupos de trabalho, com voluntários, que disponibilizam a sua sabedoria e põe em pratica alguns dias de aprendizagem, isso graças à boa vontade de alguns simpatizantes e membros da associação, que prescindem, de certa forma das suas férias, mas por uma causa muito nobre! Depois constatamos que na ilha de Bubaque, a maioria dos residentes, são
emigrantes vindos do Senegal. As crianças falam sobretudo em crioulo, e francês, e que 95% não frequenta a escola! Daí que tomamos a decisão de abrir uma escola com um professor bilingue, francês/português, para que pudesse preparar melhor as crianças e que estas tivessem mais possibilidades profissionais no futuro. Hoje a escola funciona com um activo de 62 alunos, com cursos diurnos para as crianças e nocturnos para as mulheres. Tudo gratuito. O fornecimento de todo o material escolar, fomos recolhendo em algumas escolas, algumas instituições e empresas locais em Genebra, e enviamos o 1 contentor em 2008, com carteiras novas, livros, quadros, computadores,
roupas e calçado. Enviamos também um gabinete dentário completo, o qual fizemos donativo ao hospital local, uma vez que na ilha, havendo só um enfermeiro que simplesmente “arrancava” dentes! Já podem imaginar o quanto foi útil este donativo!
Um segundo contentor está a ser preparado para ser enviado em Janeiro 2012.
Sabendo que o custo do envio ronda os 3’500 euros, preço especial, é através de feiras de antiguidades, e vendas de variados artigos usados, os quais nos são doados, que eu e outro elemento da associação, vamos ao longo do ano, quase todas as semanas angariando fundos para cobrir as despesas. Contamos também com vários donativos de empresas e particulares da região. Através igualmente do apadrinhamento das crianças, que custa a módica soma de 30 euros, o que cobre as despesas de um ano de escolaridade de uma criança, segundo o método que pusemos em pratica. Organizamos um jantar anual de solidariedade, onde por vezes fazemos uma lotaria, tudo com a ajuda de outros organismos locais, que nos disponibilizam as salas e nos ajudam na organização.
Muito já foi feito, mas muito mais resta a fazer, por vezes, perguntam-me: Porque andas tu metida nisto? Eu com sorriso respondo que a minha felicidade completa-se em fazer alguém feliz, sei que lá longe, há um grupo de crianças que depende exclusivamente do nosso projecto, e isso faz-me feliz! Queria aproveitar a presença de Sua Excelência Sr Secretario de Estado das Comunidades Portuguesas, que nós no estrangeiro, também somos portugueses!
Obrigada a todos.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

COMUNICAÇÃO DE NUNO ARAÚJO

Liderança e Participação

A minha experiência no domínio das comunidades portuguesas, ao contrário da grande maioria dos intervenientes aqui presentes, não se situa no campo académico, político ou associativo da diáspora. O meu contacto com as questões relacionadas com a Emigração surgiu num contexto “hereditário”, emocional e profissional. Sou neto de um emigrante na Venezuela, que para lá partiu na década de 50. Sou filho de um homem que dedicou grande parte da sua vida às comunidades portuguesas. Eu próprio, como jornalista, colaborei activamente na imprensa regional e das comunidades portuguesas até ao encerramento dos títulos com os quais colaborava… Por estas e outras razões, esta minha pequena intervenção decorre de algumas ideias e pensamentos que decidi partilhar convosco, assumindo desde já que resultam de uma análise meramente empírica.

O “Congressismo”, neste contexto, talvez se tenha revelado como um dos maiores motores de reflexão e acção sobre as comunidades migrantes no geral, e nas políticas de género em particular. Primeiro, junta uma diversidade de opiniões, experiências e diferenças que, cada uma com as suas especificidades, cria uma acção transformadora, não só nos seus intervenientes, como nos públicos que pretende atingir. Em segundo lugar, os fóruns, seminários, congressos e reuniões são espaços privilegiados de
networking possibilitando uma poderosa ferramenta para o desenvolvimento de projectos e estabelecimento de parcerias. Por último, cumpre um propósito fundamental através das temáticas que foca, ao diluir de forma mais ou menos directa, as pretensões assumidas. Essas mudanças transformadoras, que só a partilha na diferença possibilita, produzem narrativas que “regeneram” as audiências e, em simultâneo, alteram os quadros de referência dos autores dessas mesmas narrativas, transportando-nos para o domínio do construcionismo social. É nesta linha que defendo uma aposta estratégica no “Congressismo” perspectivado como acção dinâmica e dinamizadora de
mudanças sociais que, recursivamente, alteram e são alteradas, pelo ser. Estes espaços são ricos nesse pressuposto construcionista que acabei de referir, pois cada um de nós procura através das suas prelecções tocar a audiência e, em simultâneo, revela as suas atitudes, comportamentos e ideias como resultado de um processo sociocultural. Nesta linha, é certo que todos os homens e mulheres que vivem o “Congressismo”, e hoje os que aqui se reúnem, procuram diluir na sociedade as suas vivências, experiências e as suas histórias, mas, sobretudo, contribuem para que os artifícios sociais criados ao longo da história em torno das políticas de género, sejam abalados de forma que homens e mulheres, nas suas competências diferenciadoras,
não sejam alvo do preconceito, discriminação e exclusão social. No contexto da vida da diáspora nas sociedades de acolhimento, revela-se de particular importância e atenção, dado que existem factores de discriminação múltipla decorrentes da condição de emigrante, de género, nível sócio-económico, etnia, religião, etc…
A razoável pretensão desta Associação e do “Congressimo” contribuem decisivamente para o mainstreaming das políticas de género no contexto da emigração. A masculinidade ainda reinante não deverá ser um reflexo de uma primazia atribuída artificialmente, mas sim decorrente de circunstâncias quase aleatórias. O papel atribuído às mulheres em alguns campos da emigração, como o reagrupamento familiar, a perpetuação do ensino da língua de origem (em contexto familiar e/ou associativo), o seu papel invisível na dinamização cultural nas associações e colectividades, a limitação a profissões ditas femininas, o seu papel cuidador no contexto da família, entre outros aspectos, decorrem ainda de uma luta constante da interiorização que a própria mulher faz acerca de si própria e a vontade mais íntima que nem sempre se revela. Não podemos, todavia, negar o aumento de novas responsabilidades económicas, sociais e profissionais da mulher em diversas sociedades de acolhimento, sem, no entanto, ainda mudarem velhos e ultrapassados estereótipos de distribuição de papéis no seio da família, num mapeamento familiar onde a mulher invariavelmente assume o papel de cuidadora principal, aumentando os encargos que exerce. Por outro lado, e em tendência contrária, as mulheres com família que assumem posições de primeira linha em muitas empresas e que aceitam uma nova forma de mobilidade internacional, como é o caso da expatriação, quando filhos e cônjuge a acompanha, não são sobrecarregadas pelas tarefas ditas femininas no seio da família, pois a carreira assume primazia neste contexto, e os próprios estereótipos em torno do género parecem perder força. Por outro lado, talvez neste campo específico, as questões de género sejam mais evidentes para um cônjuge de uma expatriada… Também é verdade que neste contexto de mobilidade internacional, cada vez mais frequente e substituto do velho paradigma do
emigrante de meados do século XX, existam ainda muitos mais homens do que mulheres, não só porque grande maioria dos gestores em Portugal serem homens, mas também por outros dois motivos: percepção enviesada do papel da mulher e constrangimentos sexistas em determinadas sociedades de acolhimento quando a liderança é feminina.
Naturalmente que o contexto de expatriação é bem diferente do que habitualmente chamamos de emigração. Não só pelos motivos subjacentes à partida, como pela delimitação temporal existente no primeiro caso e, naturalmente, pelas condições menos dúbias que a emigração dita tradicional não corresponde. Apenas serviu de exemplo para constatar o posicionamento no que ao género diz respeito, bem como a uma tendência cada vez mais em prática decorrente da internacionalização da nossa economia. Importa também salientar alguns aspectos relacionados com novas formas de emigração, ou melhor, diferentes competências que os novos emigrantes evidenciam neste mundo global e menos delimitado por fronteiras. Arrisco dizer que esta nova tendência de pessoas qualificadas que saem de Portugal, transporta desejos e motivações semelhantes à do passado: em suma, uma vida melhor. Muitos jovens que saem das universidades procuram novos mercados, desafiam novas competências e abrem caminho para uma vida noutro país, não só em busca de um futuro mais promissor, como ainda imbuídos num espírito de aventura mais ou menos securizante, ou não fosse a rede financeira dos pais assegurar alguma eventualidade. Muitas jovens, muitas mulheres também saem neste contexto, não propriamente para ir ter com o marido que foi primeiro, mas, sozinhas, em busca de carreiras, experiências e vivências, sobretudo, na Europa, procurando o seu espaço de liderança e participação.

Para concluir, subscrevo aquilo que nestes espaços já se referiu: urge criar um Observatório dos fenómenos da emigração e as suas verdadeiras implicações para as economias locais, para a economia nacional e, naturalmente, para uma melhor compreensão fenomenológica das migrações. Continuemos a construir e a contrariar o conformismo que sempre reinará em toda e qualquer sociedade, através do “Congressismo” que abale crenças, certezas e outras fórmulas que nos reduzem a espectadores passivos. E, para terminar, que na diferença de género nasça uma sociedade mais solidária, mais fraterna e mais justa…

Maia, 26 de Novembro de 2011

Nuno Araújo