terça-feira, 31 de março de 2009

Drª Manuela Aguiar 116 HISTÓRIAS DE MULHERES EMIGRANTES

MULHERES PORTUGUESAS EMIGRANTES
Uma leitura do livro
Uma publicação, contendo 116 biografias de mulheres portuguesas e luso-brasileiras, foi, em 2006, lançada no Rio de Janeiro, cidade onde todas elas residem actualmente.
As suas histórias, contadas uma a uma, acabam por constituir o retrato colectivo da geração que teve de deixar o País em meados do século passado, pois são desse tempo, na maioria, as co-autoras deste repositório de testemunhos.
Apesar do livro levar o meu nome na capa, não posso considerar-me a autora - eu fui, num período em que era presidente da Associação "Mulher Migrante", apenas a promotora da iniciativa, da "ideia", que apresentei aí e noutras comunidades, por igual, sem que, em outras tivesse resultado tão bem... Depois, a minha ajuda limitou-se à elaboração de um pequeno questionário, para centrar as respostas em determinados ângulos de visão, que nos interessavam, muito em particular: o começo da aventura migratória, os papéis familiar e profissional das mulheres, a sua vivência associativa.
Um grande jornalista e escritor, o Comendador Carlos Anastácio conduziu as entrevistas e deu-lhes, em redacção final, a graça do seu estilo inconfundível.
Um expoente do associativismo no Brasil, o Dr. António Gomes da Costa, e eu própria prefaciamos.
E, por trás, a explicar por que o projecto ali resultou, quando não resultou noutor países e comunidades, está a capacidade de empreendimento e determinação de D. Benvinda Maria, que organizou a edição, mas não aparece, nem como biografada, nem como verdadeira obreira - ela, cuja vida daria um belíssimo romance, se deixasse o Comendador Anastácio escrevê-lo .
Aqui fica registado o reconhecimento que lhes é devido, tanto quanto às próprias senhoras que aceitaram ser protagonistas das narrativas.
Li e reli as histórias individuais dessas mais de 100 portuguesas e luso-brasileiras do Rio de Janeiro. Conheço-as, na quase totalidade, e admiro-as muito.
Porém, aqui não quero falar de cada uma delas, em toda a sua singularidade, mas apenas deixar algumas reflexões sobre uma leitura feita na perspectiva da tipificação dos seus percursos e situações, enquanto emigrantes.
Vou à procura das consonâncias, das tendências - que, aliás, "ab initio" o inquérito procurava estabelecer, deixando, embora, margem à liberdade do relato.
Uma primeira constante (ou quase constante) é o difícil começo de vida na nova sociedade, com empregos modestos, no sector dos serviços, do comércio, sobretudo, ou na colaboração informal, e, por vezes, porventura, nem mesmo remunerada, em pequenos negócios de pais ou parentes.
Não é muito o que diferencia mulheres e homens, no sector do trabalho, nesta primeira fase do ciclo migratório, ainda que o sejam já, por certo, as perspectivas de continuidade futura dessas actividades - de carreira.
E, por isso, tudo muda com o casamento, que é visto, por uma enorme maioria delas, como destino e realização fundamental. Para cerca de metade, será mesmo para viver em regime de dedicação absoluta, como "donas de casa", que deixam para trás qualquer veleidade de ocupação principal no exterior, quer esta fosse, ou não, particularmente atractiva.
E, mesmo quando mantêm uma veste profissional, esta não é salienteda ou detalhada, ao contrário, do que acontece, por exemplo, com o primeiro encontro do futuro marido, o noivado e o enlace na igreja, o nascimento dos filhos...
Falam-nos esposas ou viúvas.
São raros os casos de saparação ou divórcio ou até os segundos casamentos. Só a morte parece poder separar aqueles casais sólidos, solidários, tradicionais, unidos pelas vicissitudes da própria emigração.
As mulheres estão integradas na comunidade luso-brasileira - na "comunidade" em sentido "orgânico", no associativismo, no mundo próprio, que ele configura, ou contém - tanto quanto os seus maridos: adivinha-se, nas entrelinhas, que se sentem seguras de si, que sabem ter dado a sua quota-parte, quer ao êxito que eles conseguiram do ponto de vista material - percebe-se que no tempo presente são, em média, gente próspera ou muito próspera - quer, igualmente, na construção, na continuidade do universo das instituições portuguesas doRio.
Na verdade, quase 80% das co-autoras afirma frequentar regularmente as associações lusas. Cerca de metade são casadas com dirigentes dessas organizações e adivinha-se que estão a seu lado, contribuindo muito, ainda que discretamente, para objectivos e causas comuns - culturais, filantrópicas e patrióticas.
Essa contribuição é mais visível quando desempenham as funções de "primeiras-damas" - assim mesmo, com este título, que entrou nos usos e protocolos das dezenas de "casas regionais" , no Rio de Janeiro.
São mais de uma vintena as que somamos nesta categoria. E o seu poder de influenciar o percurso dos maridos insinua-se, por exemplo, no singelo relato daquela senhora que confessa ter, ao fim de muitos anos, concordado com a aceitação pelo marido do cargo de Presidente de uma "Casa Regional". E só então, naturalmente, ele assumiu cargo e encargo, com ela do seu lado... Não será caso único.
São, todavia, poucas as que, fora do círculo dos chamados departamentos femininos ( onde fazem diga-se, muitas vezes, uma obra notável na dinamização dos programas sociais e culturais), partilham cargos directivos com os homens. Ou nas "directorias", com lá se diz.
No total, são menos de 10% , as dirigentes associativas, e a maioria alcança o lugar de topo em outro tipo de organizações, que não as mais tradicionalmente portuguesas, por exemplo, nos Elos Clubes, com características mais "luso-brasileiras" do que "portuguesas" - pelo menos no sentido de serem mais influenciadas pela evolução da vida e papeis da Mulher na sociedade brasileira., do que na comunidade lusa.
De entre todas as biografadas, apenas duas afirmam, explicitamente, valorizar mais a profissão do que a prioridade de cuidar da família, mas são, no conjunto, bastantes, cerca de 40%, as que se envolvem em empresas ou em empregos vários e, também, na vida artística e nos meios de comunicação social.
O folclore e o fado estão bem representados neste grupo de mulheres, tanto entre as que são simplesmente amadoras como entre as profissionais.
As rádios são os "media" que mais as atraem e algumas, como é sabido, em programas com impressionantes audiências e sucesso.
Há, ainda, uma eleita na política local e duas que foram condecoradas, pelos seus reconhecidos méritos, pelas autoridades portuguesas e brasileiras.
Em muitos dos depoimentos, colhemos, na maneira muito espontânea de dizer, clara e inequívoca informação sobre a forma como avança, de uma para outra geração, a sorte e o futuro da Mulher - das mulheres luso-brasileiras - na sociedade carioca: falam, quase todas, das filhas mencionando, com naturalidade, a sua formação universitária e as suas ocupações profissionais.
Não se constata, praticamente, qualquer discriminação entre as e os descendentes. Se o filho é engenheiro, a filha é arquitecta ou odontologista. Ou advogada, museóloga, psicóloga, jornalista, professora... Um novo perfil de intervenção feminina e também a marca de uma integração ascencional. Indiscutível, e que as Mães não discutem, nem contrariam - antes apreciam e encorajam.
Entre as jovens, aparecem, já, as que pertencem a directorias associativas - não uma generalidade, mas excepções que nos dão razões de esperança no futuro das instituições luso-brasileiras, que se joga nas chamadas segundas gerações e que não poderá excluir esta activa metade feminina.
O livro, como escrevi no prefácio, será para guardar na família- para passar de pais a filhos e netos - como símbolo de uma herança que é muito sua, mas que nos permite, a todos, muitas e diversas leituras sobre um período importante da nossa emigração, contada pelas mulheres. Aqui lhes deixo a minha.
2006

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