domingo, 1 de março de 2009

Profª Doutora LAURA BULGER À maneira de prelúdio

Uma das participantes do " Encontro de Viana, falando da outra.
Duas ilustres "Mulheres de Letras", que sabem tornar a nossa língua um esplendor, que são nossas amigas, que gostaríamos de ter entre nós, de novo, e que hão-de podes estar, no próximo Encontro.
Neste, ficam as palavras, bela forma de ausência, convertida em presença.


À maneira de prelúdio

Curiosamente, não foi o primeiro, mas o segundo volume de Os Incuráveis, que me deu a conhecer a escrita de Agustina, antes mesmo de ler A Sibila, descoberta tardia, mas que foi, como se costuma dizer, um daqueles encontros fatais que acontecem na vida. Longe do país, dependia dos amigos que me enviavam notícias e livros, não necessariamente as últimas novidades. O que logo me impressionou em Os Irmãos foi a exuberância da voz narradora, no primeiro parágrafo da sequência a Os Retratos. Lembrava-me a euforia de Mrs. Dalloway, naquela dia quente de Junho, antes de sair de casa para comprar flores - What a lark! What a plunge! -, como se a manhã radiosa também fosse para ela um recomeçar, mergulhando, a seguir, nas recordações de uma infância já distante, o que sucede com frequência nos romances de Agustina, para quem o passado também é motor de toda uma orquestração novelística. Para além da “febril coragem de aventura”, condição essencial da criação artística, em Os Irmãos confirma-se uma estética determinada em explorar os recantos mais obscuros da vivência humana, fazendo das experiências e dos “sonhos já vividos” objecto de contínua auto-reflexão. Por isso, “tudo serve para recomeçar”, sejam os arroubos espirituais de uma protagonista aspirante a um mundo outro que não o seu, sejam os instantes em que se ocupa das tarefas mais insignificantes do seu quotidiano doméstico. Assim é, por exemplo, o constante recomeçar da heroína arquétipa, Quina, na evocação contemplativa de Germa, enquanto se baloiça naquela “sala, de tecto baixo, onde pairava um cheiro de pragana e de maçã”. As primeiras páginas dos romances de Agustina são geralmente tão empolgantes que, seduzidos pela grandiosa overture verbal, vamo-nos envolvendo, em addagio ou presto, na intriga ou teia de intrigas forjadas por uma memória imprevisível e imparável. Em As pessoas felizes começa-se por recordar um belo dia de Verão, o que não significa que a narrativa que se lhe segue - uma das muitas em que a sociedade portuense é o referencial identificável - se desenrole pacífica e linearmente ou que Nel, a personagem central, encontre alguma vez a felicidade que procura. Um curto preâmbulo sobre a infalibilidade do poder diabólico é premonitório de uma história sórdida, o caso de Eugenia e Silvina, onde se narram os caminhos tortuosos da duplicidade, do incesto e de um crime não resolvido, praticado, supostamente, por uma mulher. O destino da protagonista poderá ficar suspenso do lugar sagrado descrito no prólogo, como a “menina de nome Alfreda” que, no sítio do Anjo, anseia por conhecer a Virgem, sendo A alma dos ricos a representação do seu percurso obsessivo, que só termina com a morte da heroína delirante. Em Fanny Owen, o cenário de um Douro infernal serve de prelúdio ao drama de Fanny, vítima do ciúme entre dois homens romanticamente apaixonados. À maneira de prelúdio, em Vale Abraão, fala-se da margem esquerda do Douro, ensombrada por uma maldição bíblica que deixa antever a trajectória da heroína, Ema, condenada a uma vida insatisfeita, na tacanhez do seu meio provinciano. A morte por afogamento nas águas lamacentas do rio será o fim desta Bovarinha-Ofeliana, moldada pela paisagem duriense. Parafraseando a própria Agustina, ao comentar as representações pictóricas de Paula Rego, as mulheres construídas pela escritora “talvez fossem outras” sem esse universo nortenho subjacente, consciente ou inconscientemente, à sua ficção. Tal como acontece com Paula Rego, ficamos sem saber como a criadora de A Sibila as representaria “a partir de Elsinor”, o reino da adúltera, da prostituta e da louca, na visão de um Príncipe melancólico, atormentado pelo desejo de vingança. Mesmo depois de percorrer a longa galeria de protagonistas agustinianas, não ousaríamos imaginá-las, até porque Agustina é sempre surpreendente.
Laura Fernanda Bulger 29 de Novembro de 2008

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