quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

MM AGUIAR Vivências da Democracia na Diáspora Toronto

Nesta esplêndida sala da Universidade de Toronto, que nos é aberta pela Professora Manuela Marujo, começo por partilhar com todos os amigos que reencontro e que saúdo, uma preocupação: como sintetizar os principais acontecimentos dos últimos 40 anos de migrações
portuguesas, em 15 minutos? … O tempo vou cumprir, com certeza, porque não há melhor e mais rigorosa organizadora do que a nossa ilustre anfitriã. Quanto ao desafio que me lança, vou tentar…
Inspirando-me no título que Manuela Marujo escolheu para este colóquio, direi: que foram 40 anos de vivência da democracia partilhados na comunidade nacional, no território e na diáspora. A liberdade de emigrar, os direitos de cidadania, de participação na vida política, social e cultural do País, a dupla cidadania, foram reconhecidos, pela primeira vez, aos emigrantes. Com eles se fez e se faz a democracia num espaço alargado, de reencontro da Nação e do Estado. Eis o grande “acquis” da Revolução, ou, como se dizia, em 1974, a grande “conquista de Abril”

Todavia, a história dos movimentos migratórios - e das situações
vividas pelas pessoas e pelas comunidades - no período considerado,
foi marcada (mais do que em qualquer outro…) por contradições, rupturas, imprevistos, determinados, frequentemente, por causas exógenas e incontroláveis, que testaram a nossa capacidade de reacção
Distinguirei, nesta reflexão sobre o curso das nossas migrações recentes - e sobre as políticas que suscitaram -  três fases muito distintas.

1 -  Uma primeira fase se inicia em 1973/74, com a recessão económica generalizada, o fim da ditadura em Portugal e a descolonização do último império europeu. A revolução veio garantir um estatuto cidadania, e políticas de protecção dos emigrantes no estrangeiro e no regresso a casa.
Todavia, as nossas fronteiras abrem-se, precisamente quando se encerram, devido ao “choque petrolífero” e a uma crise mundial, as dos países que haviam recebido, nas duas décadas precedentes, cerca de dois milhões de portugueses (a França e outros vizinhos europeus à cabeça, sem esquecer (como são, tantas vezes, esquecidos), os chamados “novos destinos transoceânicos”, o Canadá, a Venezuela, a Austrália…).
A descolonização provoca, de imediato, o súbito e caótico retorno de África cerca de 800.00 a um milhão, entre 1974/76, num tempo em que irrompia já, gradualmente, o regresso voluntário, ordenado, programado -e, por isso praticamente invisível – dos expatriados da Europa, que se intensificaria ao longo dos anos 80, atingindo um total que se estima em mais de 800.000.
A nossa própria situação económica, agravada pela turbulência social e política, deveria ter tornado impossível o bom sucesso destes dois diversos surtos de regresso. Mas não…pelo contrário, foram parte da democratização do País, contribuíram, fortemente, para a sua
estabilização, tornaram vantajoso um desmesurado vaivém de quase dois milhões de pessoas. Pode perguntar-se: como? porquê? A meu ver, pelo especial perfil dos que chegavam, por muito mérito seu, acompanhado pelo inesperado acerto das políticas, num domínio onde sempre imperara a inércia do Estado.
De África vinham portugueses desenvoltos, mais qualificados profissionalmente, muitos com experiência empresarial, da Europa migrantes com reformas, rendimentos, pequenos projectos viáveis de investimento - "uma geração de triunfadores" na feliz expressão de Eduardo Lourenço.
Uns e outros, não ficaram só nas grandes cidades, repovoaram regiões desertificadas pelo ciclo transmigratório anterior. Uns e outros aproveitaram da melhor maneira os incentivos oferecidos pelos Governos – as contas de poupança crédito, os empréstimos a juro bonificado para emigrantes, os fundos de apoio ao investimento para os retornados de África.
O temor com que a opinião pública, os media e, também, alguns políticos, sempre olharam a dimensão avassaladora do retorno não se justificou…


2 – As políticas de Emigração e Diáspora

Segue-se um ciclo, caracterizado pela ausência de grandes vagas migratórias – ao menos quando comparado com o antecedente. As saídas – exceptuadas as período do retorno das antigas colónias, para África do Sul, Brasil e, em menor número, para muitos outros países, quase se limitam ao reagrupamento familiar – fala-se em “feminização” da emigração, acentua-se o equilíbrio dos sexos, a criação de comunidades orgânicas, com o progressivo enraizamento do associativismo na cultura popular, vivida por famílias inteiras.
 As políticas de emigração procuram formas de parceria com estes movimentos, para os quais o Estado em nada contribuíra, com uma nova consciência da sua importância, quer na
afirmação colectiva da presença portuguesa, quer na defesa dos direitos individuais. O Conselho das Comunidades Portugueses é criado, junto da Secretaria de Estado da Emigração e Comunidades Portuguesas, como instrumento de diálogo, de representação das comunidades, e de co-participação nas políticas para as migrações e para a diáspora – com
a expressa intenção de abrir um novo capítulo nas políticas de emigração.
A Secretaria de Estado foi desenvolvendo toda uma arquitectura institucional, com um Instituto, dotado de autonomia administrativa e financeira. o IAECP, as delegações, dentro e fora de fronteiras, os núcleos de assistentes sociais, os conselheiros sociais. De salientar, em especial, o recrutamento e formação de técnicos especializados, de forma a apoiar tanto a opção do regresso, como a de integração no estrangeiro, sem corte das ligações ao país.
De início a emigração europeia absorvia, quase completamente, o centro das atenções. A partir de 80, com o CCP como plataforma de diálogo, vai-se alargando o enfoque dos outros continentes, às comunidades mais antigas, à diáspora. As políticas de género embrionárias datam de 1985, com a tentativa de compensar a ausência feminina no CCP – Málice Ribeiro, em representação dos “media” de Toronto foi uma das raras mulheres a distinguir-se nesse forum.
 A adesão à CEE, em 1985, deu aos portugueses a liberdade de circulação no espaço comunitário, mas não grandes oportunidades de a aproveitar, em concreto…Os fluxos migratórios, que persistiram, dirigiram-se a novos mercados de trabalho, a Suiça, o Médio Oriente – em regra, através de projectos temporários, de curta duração.
 Portugal queria afirmar o seu sucesso, como parceiro igual num “clube de ricos”, e proclamava, no discurso oficial, que deixara de ser um país de emigração e se convertera em país de imigração. Era uma proclamação prematura, mas serviu de pretexto para o
desmantelamento dos serviços da emigração, que foram integrados na Direcção Geral dos Serviços Consulares, perdendo toda a sua autonomia. Pela mesma altura, na transição da década de 80 para 90, é desactivado o CCP, que ressurgiria em 1996 em novos moldes (com eleição por sufrágio directo e universal dos portugueses de passaporte, perdendo a sua componente de representação da diáspora)
Só em fins de século, com o lançamento de grandes obras públicas, se inicia, de facto o processo da imigração em massa, com preeminência de Europeus de leste e do Brasileiros

3 -  Contra todas as expectativas, quando se realizara já a parte da profecia de um Portugal acolhedor de estrangeiros, em fins do século passado, eis que ressurge a emigração, no século XXI, desmentindo a outra metade do prognóstico, a de um Portugal onde acabara, para sempre, a necessidade premente de emigrar.
É um êxodo que atinge proporções dramáticas, ameaçando ultrapassar os números da década de 60. O Secretário de Estado José Cesário enfrenta, sem sofismas, essa realidade e fala em mais de 120.000 partidas, ano após ano.
Emigração temporária, de homens pouco qualificados, à maneira tradicional, ainda constitui a maioria, mas é a chamada “nova emigração”, de profissionais altamente qualificados, o fenómeno inédito de “brain drain”, que sobressai, deixando os outras na sombra… De facto, partem todos os que podem partir, fugindo da falta de horizontes de esperança – académicos, operários, jovens e menos jovens, mulheres e homens. Um dos países mais envelhecidos do mundo, esvai-se mais e mais, dispersa-se mais do que nunca, nos mais improváveis cantos da Terra! É uma constatação assustadora….
 De positivo, é de realçar a escolha crescente do espaço lusófono, sobretudo pelos que têm formação superior. Em Angola são já mais de 100.000, o Brasil está de volta neste roteiro de destinos (pela primeira vez, coincidindo com grandes núcleos de brasileiros espalhados por todo o Portugal). Moçambique e até Macau e Cabo Verde também (Cabo Verde, que já foi a maior comunidade estrangeira a viver, entre nós, e que mantém toda a importância).
Este intercâmbio dentro do “nosso mundo”, é facilitado por uma Europa em desagregação, que, perdido o cimento solidário e humanistas dos seus princípios fundadores, ameaça já a livre circulação dos cidadãos europeus - na dominante Alemanha, no Luxemburgo, no Reino Unido, por todo
o lado…
É a hora de Portugal dar, estrategicamente, prioridade à lusofonia, num desígnio de vivência em comum – a começar pelos povos, que é sempre melhor do que principiar pelos Estados, como o demonstra a malogro do projecto europeu…A aprofunda no enlace de migrações, nos dois sentidos
Portugal só tem futuro, se conseguir compensar a sua calamitosa situação demográfica, com o apelo, mal o permita o crescimento económico, à vinda em massa de jovens estrangeiros, e ao retorno - porventura muito mais incerto -  dos portugueses, mormente, dos profissionais de elevado estatuto… Não defendendo o fechar de fronteiras à demanda de outros estrangeiros, defendo, sim, uma activa política de convocação dos povos lusófonos, que a nossa Constituição fundamenta, ao atribuir-lhes um estatuto de direitos equiparável aos da nacionalidade (sob condição de reciprocidade para os portugueses)
O nosso destino está, pois, dependente de um infindo vaivém de vagas humanas, que as políticas devem saber acolher e projectar. Lá fora, a expansão da língua e da cultura pela emigração e pela diáspora – com a diplomacia cultural do MNE, da SECP, do Instituto Camões da RTPI, do CCP (na sua veste de congregação do movimento associativo). No interior, o desenvolvimento e o equilíbrio demográfico do país com políticas de hospitalidade e perfeita integração dos imigrante que estão entre nós e dos que hão-de vir   


Maria Manuela Aguiar

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