quarta-feira, 22 de março de 2023

AMM SINGULARIDADES Maria Manuela Aguiar

DRAFT | 12.9.2020 ORIGENS A "Mulher Migrante- Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade" (AMM) nasceu, indiretamente, do diálogo entre governo e movimento associativo, que, no início da década de 80 do século passado, foi o grande destinatário das políticas públicas designadas, no discurso oficial, por "políticas de reencontro". Em termos institucionais, seria através da implementação e regular funcionamento do "Conselho das Comunidades Portuguesas" (CCP), fórum de âmbito mundial, de caráter representativo e consultivo, que se lhes deu, em larga medida, concretização. O 1º CCP era composto por dirigentes escolhidos pelos seus pares, num colégio eleitoral associativo, e por jornalistas - no conjunto, cerca de sessenta, todos homens. No segundo processo eleitoral, em 1983, apenas duas mulheres, ambas oriundas da quota de jornalistas, tiveram assento neste órgão, que espelhava, fielmente, a real desigualdade de sexo no dirigismo comunitário. Bastou, porém, uma mulher, Maria Alice Ribeiro do Canadá, para mudar o "status quo", ao recomendar ao governo, em 1984, a convocação de um congresso de mulheres da diáspora, onde pudessem ter a presença e a voz que lhes faltava no plenário do CCP. O governo deu cumprimento à proposta, e o "1º Encontro de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo", patrocinado pela UNESCO, teve lugar em Viana do Castelo, em junho de 1985. Com esse feito, Portugal transformou-se em país europeu pioneiro, "antecipando em dez anos os esforços das Nações Unidas para o empoderamento das mulheres na sociedade e na política" (Cunha Rego, 2015: 24). Desse encontro, cheio de ensinamentos e partilha de experiências, duas conclusões seriam portadoras de futuro: a ideia de criarem uma organização transnacional que lhes desse força coletiva e visibilidade, e a institucionalização do diálogo com o governo, através de mecanismos de audição periódica das mulheres. A queda do Governo, em 1987, inviabilizou o início dos trabalhos da recém - instituída "Comissão para a Participação e Promoção das Mulheres", que, deveria funcionar, com regularidade, na órbita do CCP. Do lado da sociedade civil, a instância de âmbito internacional em que queriam unir-se tardou, também, em avançar. Só em 1993, a AMM, constituída por escritura pública de 8 de outubro, se veio apresentar como herdeira desse projeto, contemporâneo do início das políticas de género na imigração, em cujo relançamento, vinte anos depois, seria chamada a cooperar. SINGULARIDADES DA ASSOCIAÇÃO "MULHER MIGRANTE" A Associação tem por finalidades estatutárias aquelas que a sua própria designação sintetiza: o estudo da problemática das migrações femininas, a cooperação com mulheres profissionais e dirigentes de associações portuguesas no estrangeiro e de imigrantes em Portugal, o apoio à integração das mulheres nas sociedades de acolhimento, através da ativa intervenção, e o "combate a ideias e movimentos xenófobos" (Gomes, 2014: 46), a que se quis dar todo o destaque na sua divisa: "Não há estrangeiros numa sociedade que vive os Direitos Humanos". Assume-se como integrante dos movimentos de reivindicação da igualdade de sexos, no domínio das migrações, com a consciência de que, aquém das declarações jurídicas de igualdade, as discriminações de género resistem às leis, convertendo as mulheres, de facto, em "estrangeiras no seu próprio país". Num universo associativo feminino da diáspora, ao tempo mais do que hoje, quase exclusivamente dominado por preocupações sociais e culturais (beneficência, solidariedade, defesa da língua e das tradições) o colocar a ênfase em matéria de cidadania era, em si, uma singularidade. E várias outras podia, à nascença, reclamar, como o ser: sediada no país, e voltada, fundamentalmente, para a diáspora feminina; partilhada por mulheres e homens feministas (no sentido em que Ana de Castro Osório falava de feminismo, como "humanismo integral" ), formada por emigrantes (integrando cerca de um terço do total de participantes no Encontro de 1985) e não emigrantes; abrangente, ao colocar, lado a lado, militantes de outros universos associativos, em particular, o feminino, o jovem e o sénior, os sindicalistas, os "media", os investigadores, através dos quais combinava a vertente de estudo e o intervencionismo social. Ao longo de 25 anos de atividade, que neste ano de 2020 se perfazem, a AMM tem sido um "fórum" interassociativo de reflexão e debate, a que nunca faltou o enquadramento científico e vontade de combate no terreno. Com esse perfil revelou virtualidades logo num primeiro empreendimento, o congresso mundial de 1995, que trouxe a Espinho, para uma semana de trabalho sobre temáticas de género e geração, cerca de 400 participantes, mulheres líderes de comunidades dos cinco continentes, políticos, jornalistas, funcionários da administração pública e grandes nomes da comunidade académica. Um "encontro de mundos", que raramente se aproximam e dialogam abertamente, de igual para igual, paradigma de inúmeras outras reuniões em que a AMM prosseguiria o seu escopo de lançar sobre o fenómeno da emigração um olhar global, inclusivo da metade feminina, pela via de um "congressismo" capaz de analisar situações, repensar estratégias e desencadear as dinâmicas da ação direta. No seu percurso, distinguiremos duas fases: 1 - a década 1995/2005, na sequência do congresso de Espinho, é caraterizada pelo alargamento da rede de delegações e de congéneres, entretanto criadas no estrangeiro - cada qual atuando na sua área territorial - e pela militância no interior do país, em colaboração com a CIDM, o Alto Comissário para as Minorias Étnicas, autarquias, paróquias, escolas. Atenta ao evoluir da situação na diáspora, tanto quanto aos problemas sociais da chamada "nova imigração" (que chegava do leste europeu a um país impreparado), e aos suscitados pelo retorno definitivo de centenas de milhares de portugueses, no fim de ciclo das migrações de 60 e 70 - sabendo, sobretudo que, para as mulheres, o regresso significava, em inúmeros casos, regressão, perda do estatuto de independência económica, lá fora ganho, pelo acesso a emprego remunerado e por uma superior capacidade de inserção social. 2 - a partir de 2005, numa "segunda vida", a AMM expandiu a sua ação fora de fronteiras e dedicou grande parte da sua energia à tarefa de coparticipação com a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas na equacionar e levar à prática a componente de género que, desde então, as políticas públicas passaram a integrar. Assim, numa nova era, se assiste ao verdadeiro ressurgimento do espírito que animou o mítico "Encontro de Viana. CONGRESSISMO PARA A IGUALDADE Os "Encontros para a Cidadania" e os Congressos Mundiais de Mulheres Migrantes A celebração de uma efeméride pode esgotar-se em si mesma, ou, pelo contrário, ser o ponto de rotura face a um passado de inércia, como aconteceu com a proposta de comemoração dos 20 anos do 1º Encontro, dirigida pela AMM ao Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas. António Braga decidiu ir além do solicitado e programar ações para a legislatura, instando a "Mulher Migrante" a converter-se em "parceiro privilegiado para o desenvolvimento de políticas de género" (Aguiar, 2009, 109). De facto, incumbindo-a de planificar e operacionalizar os "Encontros para a Cidadania - a Igualdade entre Mulheres e Homens", em grandes regiões da emigração portuguesa, a fim de fazer o ponto de situação, promover a valorização da contribuição feminina, o seu empenhamento cívico, e, como meta, a "igualdade de género, independentemente de serem ou não residentes em Portugal" (Lacão, 2009: 11). Era, tardiamente embora, a primeira vez que um Plano Nacional para a Igualdade abarcava a Nação inteira, não esquecendo a sua diáspora Com a Presidência de Honra de Maria Barroso, o comparecimento de um membro do Governo (António Braga ou Jorge Lacão, Secretário de Estado da Presidência), e a coordenação da AMM, os encontros tiveram lugar em: Buenos Aires (o da América do Sul, em 2005), Estocolmo, (o da Europa, em 2006), Toronto, costa Leste, e Berkeley, costa Oeste, os da América do Norte, em 2007, Joanesburgo, (o da África, em 2008). O processo de execução local ficou a cargo de ONG's femininas - a AMM da Argentina, a Federação de Mulheres Lusófonas (Piko, com sede na Suécia), a Cônsul-Geral de Toronto, Maria Amélia Paiva, coadjuvada por uma comissão de ONGs femininas luso-canadianas, Deolinda Adão, professora da universidade de Berkeley, representante da AMM nos EUA, e a Liga da Mulher da África do Sul. Os encontros tiveram significativa presença masculina do CCP, do meio associativo, académico e político. Em 2009, o "Encontro dos Encontros” em Espinho, procedeu, a partir da explanação das relatoras de cada reunião regional, ao balanço final, numa perspetiva comparatista de situações muito diversas, e fechou este primeiro ciclo, com a propositura de mais iniciativas, numa linha de continuidade. Em 2011, o Secretário de Estado José Cesário convidou a AMM a colaborar, do mesmo modo, na prossecução das políticas, em novos moldes, num crescendo de ritmo e esforço mobilizador, através da convocação bienal de congressos mundiais, alternando com multiplicação de encontros de proximidade, nas comunidades. Nesse mesmo ano, mulheres dos cinco continentes vieram à Maia para historiar, numa perspetiva diacrónica, o percurso de luta pela igualdade e até ao presente e ao devir que se desenha em cada diferente comunidade, evocando, à partida, os exemplos das líderes feministas do início de novecentos e de Maria Archer e Maria Lamas, suas continuadoras, no país e nas terras de exílio, antes de restauração da democracia, Em 2013, no Palácio da Necessidades, onde as mulheres puderam, pela primeira vez, dialogar diretamente, com o governo, foram sublinhadas novas expressões da cidadania, assim, se alargando o campo em que deve incidir a tarefa fundamental, que o artº 109 da Constituição incumbe aos Estado de promover a igualdade real entre sexos. Em 1912, nos colóquios, direcionados a diversas comunidades, deu-se primazia ao associativismo sénior, divulgando o modelo português das chamadas universidades ou academias seniores, que, entre nós, são maioritariamente frequentadas, e até dirigidas por mulheres, da geração mais velha. Em 2014, olhou-se o panorama de “40 anos de migrações em liberdade" uma data que é ainda mais importante para os mais discriminados, como as mulheres e os emigrantes - numa série de conferências e reuniões organizadas com associações e com a Universidade Aberta de Lisboa, e as universidades de Berkeley, San José da Califórnia, Sorbonne e Toronto. Nos últimos anos, a Associação "Mulher Migrante" vem homenageando, em conferências e em publicações, personalidades que são fonte de inspiração, por terem feito das suas vidas prova da qualidade humana que lhes conferia o estatuto de igualdade, muito antes das as convenções e as leis da República o admitirem- caso de Archer, Maria Lamas, Maria Barroso, Ruth Escobar, Natália Correia, figuras nacionais, assim como outras das próprias comunidades, muitas delas pioneiras do "Encontro" de Viana, que não pode deixar no esquecimento, designadamente, Malice Ribeiro, Fernanda Ramos, Manuela Chaplin, Benvinda Maria, Mary Giglitto, Laura Bulger, Berta Madeira... A prioridade ou saliência reconhecidas pela AMM ao campo do associativismo, um legado do encontro de Viana, mantêm-se, ancoradas na constatação, ainda atual de que tem sido bem mais fácil a afirmação do estatuto cívico e profissional das emigrantes nas sociedades de acolhimento do que no interior das comunidades portuguesas e suas instituições, onde a rígida e tradicional divisão de trabalho entre os sexos é comum, poucas sendo as que conseguem ascender a cargos diretivos. Os progressos que, desde a década de oitenta do século passado, se podem registar são globalmente poucos, lentos e muito desiguais na geografia das comunidades, em prejuízo da regeneração do tecido associativo, que necessita de se redimensionar na junção da metade feminina, de, com ela, se adaptar à evolução das migrações. Para o demonstrar, a AMM vem, crescentemente, ensaiando a composição paritária dos seus eventos, levando o debate sobre a reconfiguração dos papéis de género a cenários improváveis, onde, como a experiência comprova, tem perfeito cabimento, caso da agenda cultural dos festejos do 10 de junho, dos grandes Encontros dos Portugueses do Cone Sul da América, de comemorações do Dia da Comunidades Luso- Brasileira, das tertúlias de Academias do Bacalhau, das Bienais de Artes Plásticas (a Bienal de Espinho, a de Gaia, que se considera "uma Bienal de causas") ... Nem por isso a AMM desvaloriza o papel histórico, ainda hoje insubstituível, das diversas formas de ativismo feminino, ONG's em que se corporizam (nas quais se incluem as suas próprias delegações e associações filiadas), movimentos com os quais, na sua trajetória de vida, tem somado colaborações, nomeadamente "A vez e a voz da Mulheres", "Mulheres em Movimento", PIKO, Liga das Mulheres da RAS, Sociedade das Damas Portuguesas de Caracas. Da periferia em que, no associativismo das comunidades, foi colocado o feminino, se pretende, agora, por diferentes vias, atingir a igualdade, ainda utopia. Nas últimas eleições para o CCP (em 2015), a fraca proporção feminina, não obstante se lhes aplicar a Lei da Paridade, veio comprovar quão longe estamos dessa meta! Contudo, num contexto geral dececionante, a inesperada vitória eleitoral das dirigentes das Associações “Mulher Migrante", quer na Argentina, quer na Venezuela foi, por contraste, revelador da importância da expansão do associativismo de pendor cívico, que a AMM vem fomentando. Aqui deixamos um simples apontamento de momentos chave de uma caminhada, do impulso que a moveu, dos instrumentos de que se serviu - que foram afinal, o modo como fez valer as suas causas nas circunstâncias que, em tempos irrepetíveis, se lhe ofereceram. Não procedemos a uma enumeração da longa lista das suas realizações, ou das muitas individualidades que a marcaram, construindo o seu pensamento, desde a fundação. Apenas lembraremos a memória de Rita Gomes, que, por largos anos, encabeçou e sustentou o projeto e com ele se identificou. Nesse projeto cabe todo um coletivo complexo e heterogéneo, de mulheres, que a história da emigração, padronizada no masculino, sempre ocultou, mas que, na realidade, se emanciparam pelo trabalho, se abriram à modernidade de outras sociedades, foram e são, verdadeiras construtoras de pontes entre nações e culturas. Referências bibliográficas: Aguiar, Maria Manuela; Guedes, Graça; e Santiago, Arcelina [coord.] (2015). Entre portuguesas. Edição Mulher Migrante - Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade, Lisboa/Espinho: Associação Mulher Migrante. Aguiar, Maria Manuela; Guedes, Graça; e Santiago, Arcelina [coord.] (2014). 1974-2014. 40 anos de Migrações em Liberdade. Edição Mulher Migrante - Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade, Lisboa/Espinho: Associação Mulher Migrante. Aguiar, Maria Manuela e Aguiar, Maria Teresa [coord.] (2009). Cidadãs da Diáspora. Edição Mulher Migrante - Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade, Lisboa/Vila Nova de Gaia: Associação Mulher Migrante.