segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

MARIA BEATRIZ ROCHA TRINDADE

Duas Designações Adotadas para um mesmo Conceito:

Retornar e Regressar

Entre a sequência de etapas que integram o percurso migratório encontram-se três
espaços fundamentais que dizem respeito à partida, à chegada e a um eventual
retorno, em regra sempre desejado como definitivo no seu início, mas que nem
sempre se concretiza ou chega a ter lugar da forma imaginada. Será sobre este último
ponto que irá recair a reflexão que se segue.
Não constitui para ninguém novidade que o período que antecede a primeira viagem
na procura de um novo destino implica que a deslocação seja preparada e a ela esteja
associado todo o conjunto de iniciativas necessárias à sua concretização. Em paralelo,
são idealizados programas que procuram atingir uma melhoria de vida, sendo também
desejado que um curto espaço de tempo medeie entre a partida e o regresso.
Antes de deixar o país é muito difícil antever dificuldades e conhecer como se irá
percorrer o caminho que vai ser iniciado mas a vontade de retornar ao que se conhece
– lugar de origem, grupo social de inserção, família extensa e núcleo familiar - constitui
uma constante que se revela por várias formas.
Ultrapassadas as dificuldades de instalação no novo espaço de residência, dificuldades
relacionadas com a inserção no que toca à instalação e ao trabalho, coexistem formas
diversas de participação e de relacionamento social que ocorrem no quotidiano. Os
diferentes contextos em que se desenvolvem os relacionamentos laborais ou pessoais
dependem em muito da situação em que se encontra cada migrante - os adultos que
partem sós, acompanhados pela família ou os que posteriormente a ela se reúnem,
vivem realidades distintas. Os laços de convivência estabelecidos com conterrâneos
e companheiros de profissão (muitos deles partilhando a mesma nacionalidade)
condicionam a forma como se vão desenvolvendo as aspirações e os projetos de
fixação – condicionamento idêntico advém da frequência e intensidade das ligações
estabelecidas com a terra natal.
 Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais – CEMRI, Universidade Aberta
(Portugal)
O desenvolvimento dos movimentos migratórios, díspares em cada época e em
cada espaço, fazem encarar a diversidade da dinâmica dos percursos realizados.
Aos transportes que obrigavam a viagens longas foram-se sucedendo os que
permitem realizá-las com maior comodidade e em tempo mais curto. Tais avanços
têm impulsionado a evolução destes dois fatores e intensificado a mobilidade que
presentemente se verifica.
Um olhar retrospetivo faz considerar as dificuldades associadas à travessia dos
oceanos própria do «ciclo atlântico», que antecedeu as que posteriormente vieram a
ser encontradas no período do «ciclo europeu». A estas sucedem-se, naturalmente,
as novas condições que configuram o fenómeno migratório atual e qualquer dos
itinerários tomados, para que possa ser compreendido, tem que ser contextualizado.
Uma vez que a movimentação se encontra facilitada as decisões vão perdendo o seu
caráter definitivo.
Na década de 1970 descobriu-se que o petróleo, enquanto recurso natural não
renovável, só poderia ser utilizado durante um curto espaço temporal, calculado em
cerca de 70 anos. Existindo a possibilidade de se esgotar, o preço do produto veio a
alterar-se, fazendo aumentar o seu valor em cerca de 400%, entre outubro de 1973
e março de 1974. O facto desestabilizou a economia em todo o mundo, tendo tido
repercussões assinaláveis. A quadruplicação do preço que se encontra explicitamente
relacionada com as perdas presumíveis em consequência da inflação e da depreciação
do dólar, introduziu alterações a nível global em todo o processo económico.
Consequentemente a crise que se instalou e o incitamento direto ou indireto para o
regresso, feito aos trabalhadores, deu lugar a novas formas de mobilidade decorrentes
da falta de emprego. A título de exemplo lembre-se, no âmbito do quadro europeu,
as medidas restritivas em relação à entrada de novos imigrantes e as que favoreciam
o retorno aos países de origem, tomadas pela França e pela Alemanha, principais
destinos da migração portuguesa de então.
O tão falado prémio, designado "milhão de Stoléru" (em francos velhos), estímulo
criado pelo Secretário de Estado da Imigração durante o governo de Raymond Barre,
Primeiro-Ministro na presidência de Jacques Chirac (1974-1978) - medida tomada para
encorajar os magrebinos a regressar aos seus países de origem, o que só aconteceu
em percentagem diminuta (apenas 5%), foi maioritariamente aproveitado pelos
Portugueses (40%).
Albano Cordeiro (2010) refere que os emigrantes que partiram para França nos
decénios de 60 e 70 não tinham o propósito de prolongar a sua estadia, tendo antes
a intenção de voltar, uma vez que o objetivo era o de constituir um fundo que lhes
permitisse construir uma casa em Portugal - aspiração partilhada por centenas de
milhares de pessoas. Ora, no final desse período, muitos Portugueses tinham acabado
de construir a sua própria casa e teve então lugar um breve surto de regressos a
Portugal associado à conjuntura que acima se aponta.
"A consulta dos processos das partidas «subsidiadas» demonstrou que o regresso se
devia analisar mais em função duma escolha pessoal do que da pressão da conjuntura
económica, apesar de a crise ter podido precipitar e concretizar uma decisão que já
tinha sido tomada." (Michel Poinard, 1983).
Por outro lado, a Alemanha propôs o reembolso dos descontos feitos
obrigatoriamente no campo da segurança social aos que aceitassem regressar.
Em qualquer caso a linha que decorre entre o regresso idealizado e a sua concretização
não segue um encaminhamento linear. Sendo várias as possibilidades que se oferecem
a elas subjaz tanto uma escolha individual, tomada conscientemente e por decisão
própria que concretiza um projeto anterior, como pode resultar de condições
tentadoras disponibilizadas pelo Governo do país onde o imigrante se encontra. Sem
ter de tal consciência é atraído pelo benefício aparente que as mesmas apresentam
ignorando, na maior parte das vezes, o que tal decisão acarreta a médio ou a longo
prazo. Julgando ser voluntária a opção tomada, verifica-se que em muitos casos resulta
de uma política gizada intencionalmente para que tal ocorra.
Num outro contexto o regresso pode resultar de uma crise decorrente de
razões políticas ou naturais, por exemplo situações de catástrofe, reconhecidas
internacionalmente, podem muitas vezes impor deslocações, totalmente inesperadas
e que obrigam, num curto espaço de tempo, à mobilidade de grande volume de
pessoas. Esta reflexão leva a seguir os movimentos que se verificaram no sentido de
fazer chegar a Portugal tanto os que dele partiram, como os seus descendentes.
Na segunda metade do século passado a Revolução de Abril (1974) que instaurou
a democracia, a que está associado o processo de descolonização, deu lugar a um
particular fenómeno no plano da demografia portuguesa, tendo em conta a existência
dos tradicionais movimentos migratórios que datam de há muito.
Embora esta deslocação das ex-colónias para a metrópole não tenha tido um caráter
singular, uma vez que se inscreve, embora tardiamente, no conjunto dos movimentos
de repatriamento que tiveram lugar na Europa ao longo século XX (Britânicos vindos
das Índias e da África Oriental; Holandeses regressados da Indonésia; Franceses
repatriados da Argélia, da Tunísia, da África Ocidental e da Indochina) causou
preocupação justificada.
A súbita chegada a Portugal de um volumoso fluxo de "retornados", expressão que
os designava - a variabilidade dos números que os referem é grande, situando-se
os valores entre os quinhentos mil e o milhão – recortou-os no panorama social de
então. A surpresa da chegada repentina de tão significativo número de pessoas que
havia que alojar e a quem seria necessário proporcionar condições mínimas para viver,
certamente de forma bem diferente do que estavam habituados, criou em muitos dos
residentes um sentimento de visível preocupação que muitas vezes assumiu mesmo
uma atitude de rejeição.
A diversidade de opiniões que o facto concitou fez coincidir a par de apreensões
e críticas injustas, grandes iniciativas de solidariedade. A designação abrangente
de "regressados" que lhes foi atribuída fez o vocábulo ganhar uma conotação negativa,
que se manteve por longo tempo. Tomando a parte pelo todo, muitos foram colocados
numa mesma categoria que indiferenciava os elementos que a constituíam e, de certo
modo, extrapolava algumas características pessoais colocando todos eles num grupo à
margem.
Em síntese, num mesmo período de tempo, mas em situação muito diferente, teve
lugar a vinda para Portugal de pessoas que, cumprido o planeado ciclo de vida,
julgavam ter encontrado o bom momento de voltar ou de outras que a isso foram
compelidas. A diferente assunção das razões que motivaram o regresso de umas e
de outras deram lugar à constituição de dois grupos: os que julgavam tê-lo feito por
decisão própria sem qualquer tipo de pressão e os que a tal tinham sido obrigados,
contrariando a vontade de permanecer no país de residência. Embora a designação
fosse uma marca exterior, a divisão de categorias não se limitou à denominação.
Por parte dos que nunca saíram, o que ocorria era comentado: de forma favorável
em relação aos migrantes que em visitas regulares permaneceram em continuado
contacto introduzindo benfeitorias nos locais de proveniência; de modo desfavorável
as críticas incidiam sobre os que nunca teriam pensado retornar se a tal não tivessem
sido obrigados. A proximidade ou o afastamento constituía fator determinante para
emitir juízos de valor sobre quem era avaliado, aceitando de boa mente a chegada dos
primeiros e quase recusando receber os segundos.
As recomendações do Ponto 1, relativo ao Conceito de Retorno emanadas do 1o
Conselho das Comunidades Portuguesas que teve lugar no Palácio da Foz, em Lisboa
(abril de 1981) consagram o que acima é referido. Assim:
"Após apreciação detalhada do assunto foi decidido, por unanimidade, recomendar
que, de futuro, passem a ser utilizados os termos Regresso e Retorno nas seguintes
aceções (...):
- Regresso: sempre que a deslocação para o país de origem seja voluntária;
- Retorno: sempre que a saída do país de acolhimento seja compulsiva."
Tendo o fenómeno migratório constituído interesse por parte de investigadores,
políticos e romancistas, hoje considerados autores de referência, bastará consultar
a produção legada para ter conhecimento da diversidade de situações que sempre
existiu e como tem vindo a ser encarado o retorno ao país.
No extenso panorama migratório, a cada movimento de saída sempre correspondeu
o que, em contracorrente, configurou um dado número de regressos. Embora o
seu número revele uma alteração permanente, só uma contextualização permite
compreender a evolução dos acontecimentos.
O tempo que correu fez por completo ultrapassar uma muito difícil situação, só dela
hoje guardando certamente memória os que a viveram. Merecem ser conhecidos
o quadro institucional de enquadramento e todo o conjunto de iniciativas políticas
gizadas para tentar superar a diversidade de dificuldades que então surgiram.
Razões dramáticas, tanto no plano material como no plano emocional, exigiram
uma adaptabilidade circunstancial que só a inteligência, a criatividade, o respeito
e humanismo dos altos responsáveis pela tutela de tão difícil pelouro conseguiram
resolver.
Facilitado o movimento de vaivém entre a origem e o destino põe-se a questão de
saber se às partidas que continuam a ter lugar corresponderá um regresso definitivo –
situação que cada vez mais parece estar afastada dos projetos de cada migrante.

Notas Bibliográficas

“Há uma ausência marcada dos imigrantes portugueses do espaço público
francês [entrevista a Albano Cordeiro]”, acessível em linha em http://
www.observatorioemigracao.secomunidades.pt/np4/1907.html (2010-07-30).
MONTEIRO, Paulo Filipe, Emigração. O Eterno Mito do Retorno. Oeiras: Celta, 1994.
OCDE, Les Travailleurs Émigrés Retournant dans leurs Pays. Rapport Final. Séminaire
Patronal International, Athènes, 18-21 Octobre, 1966. Paris: OCDE, 1966.
PAIVA, Amadeu (org. e pref.), Portugal e a Europa. O Fim de um Ciclo Migratório.
Lisboa: CEDEP, 1985.
PIRES, R. Pena, et. al., Os Retornados: Um Estudo Sociográfico. Lisboa: Instituto de
Estudos para o Desenvolvimento, 1987.
Poinard, Michel (1983), "Emigrantes Portugueses: O Regresso", Análise Social, XIX (75),
pp. 29-56.
POINARD, Michel, "Emigrantes Retornados de França: A Reinserção na Sociedade
Portuguesa", in Análise Social, vol. XIX (76), 1983-2.o, pp. 261-296
ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz, "O Regresso Imaginado", in Nação e Defesa. Lisboa:
Instituto da Defesa Nacional, n.o 28, out-dez. 1983, pp. 3-13, (separata).
ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz, "Regresso", in Dicionário Ilustrado da História de
Portugal. S.l.: Publicações Alfa, Volume II, D. L. 1986, pp. 147-148.
ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz, "The Repatriation of Portuguese from Africa", in The
Cambridge Survey of World Migration, Robin Cohen (ed.). Cambridge University Press,
1995, pp. 337-341.

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