terça-feira, 9 de dezembro de 2014

TORONTO As malhas que o Império tece Manuela Marujo Elisabeth Branco José Carvalho

O Canadá recebe imigrantes de todos os países do mundo. Anualmente, uma quota de uma média de 250,000 novos residentes dão entrada neste país rico e democrático. Para quem se dedica a estudos de multiculturalismo, o Canadá tem sido um país modelo desde que nos anos oitenta, com Pierre Trudeau, foi promulgada legislação que apoia e facilita a integração de todos os novos imigrantes no país de acolhimento
independentemente de sua origem étnica, língua de origem, religião, etc. (Canadian Multiculturalism Act, 1988, c. 31, assented to 21st July, 1988).
Quando me foi proposto pela Associação MULHER MIGRANTE organizar, emToronto, um encontro sobre o impacto do 25 de Abril e do início da democracia em Portugal na diáspora portuguesa, pensei imediatamente em tentar dar voz a um grupo de imigrantes de origem portuguesa vindos das ex-colónias para o Canadá. Sabe-se que angolanos, moçambicanos e cabo-verdianos procuraram o Canadá depois da
descolonização. Pouco está publicado sobre este tipo de estatísticas, ou acerca dos obstáculos que eventualmente terão encontrado estes expatriados e quais os meios usados para a sua integração na comunidade canadiana.
Não foi o nosso objetivo fazer um estudo deste grupo migratório. Tentámos sim, dar um primeiro passo para o abordar. Conseguimos reunir à mesma mesa dois participantes que deram seu testemunho: Elisabete Branco de Moçambique e José Carvalho de Angola. No ambiente informal proporcionado pelo Encontro, foram-lhes feitas perguntas cujas respostas estão incluídas nos depoimentos abaixo apresentados.
Elisabete Branco afirmou: Vim para o Canadá com os meus pais e uma irmã de cinco anos de idade, tinha eu quatorze. Saímos de Vila Pery, Chimoio, Moçambique em Fevereiro de 1975. Viemos de Arcos de
Valdevez, no Minho, , a 22 de Setembro de 1976.
Escolhemos o Canadá como país de acolhimento porque a minha mãe tinha dois irmãos do meu avô a viver um em Ottawa, Ontário, e outro em Fredericton, New Brunswick.
Tivemos vários e grandes problemas de adaptação: em primeiro lugar o clima, a língua, num país multicultural onde cada nacionalidade vivia muito individualmente.  Fui até uma das primeiras fundadoras do rancho folclórico minhoto em Toronto com quinze anos de idade. Vinda de terras de batuque, aprendia agora a dançar folclore minhoto, quais não eram as saudades da minha bandeira!
O que mais facilitou a nossa integração foi o facto de ter o meu avô materno já a viver no Canadá desde 1970 e a maior parte desses anos em Toronto.  Havia também na escola uma meia dúzia de colegas portugueses - o que era o nosso elo de ligação à nossa bandeira -, mas nem sempre partilhávamos os mesmos usos e costumes propriamente ditos. Preciso lembrar que embora todos nós, crianças portuguesas, erámos de cantos diferentes: a Maria Gouveia era da Terceira, o João Sousa de Angola, a Lasalete
Moreira nascida em França tinha vindo de Laúndos, Póvoa de Varzim e a Maria Bettencourt do Funchal.  Uns já dominavam melhor a língua inglesa e auxiliavam os portugueses recém-chegados, no entanto, embora portugueses éramos diferentes.  (Hoje sinto-me abençoada e mais rica por ter tido essas mesmas experiências na altura difíceis, mas que me deram uma riqueza cultural não estudada, mas sim vivida e sentida).
Sinto-me diferente por ter vivido em África mas não só relativamente aos outros portugueses mas sim a todas as pessoas em geral. Africa não se consegue explicar, todo o ser humano olhará para o mundo diferente depois de ter visitado África! Sei que vou voltar a Moçambique um dia e em breve, tenho
que me despedir, porque há trinta e nove anos atrás não me deram tempo de dizer ADEUS!
Sinto-me canadiana perante outras nacionalidades, mas sinto-me muito portuguesa quando estou com a minha gente.  Nunca me senti africana mas Moçambique será para sempre a minha maior paixão.  (Ao escrever estas palavras as lágrimas correm-me pelorosto abaixo).
 Tive dois anos de ensino superior, tirei o curso de viagens e turismo, o qual continuo a exercer.
 Acrescento o meu agradecimento a todos que continuam a divulgar e reconhecem que os retornados eram e são filhos da Pátria-Mãe, eram felizes além-mar e não queriam retornar.

José Luís Roque Paiva Carvalho testemunhou: Sou angolano de segunda geração por parte de mãe, nascido e criado em Luanda até quase aos 20 anos. Saí de Angola em 1975, um mês antes de completar os 20 anos, primariamente com a intenção de continuar a minha educação. Tinha quase terminado o primeiro ano de Universidade em Luanda (engenharia civil) quando as instituições académicas deixaram de funcionar regularmente. Apresentaram-se-me várias opções, pois tinha família em Portugal, Brasil e Canadá.
Confesso que a perspectiva de ir para o Canadá era a mais excitante, pois além da expectativa de uma educação em instituições de renome internacional, tinha também um sabor de aventura. Na realidade, o que fez a decisão ser mais fácil foi o facto de ter família que eu conhecia bem e com quem tinha um grande à vontade. O meu tio e padrinho de baptismo - que viveu em Angola perto da minha família enquanto solteiro e com quem eu tive um convívio quase diário enquanto criança -, residia no Canadá já há alguns anos. A importância da família não pode ser subestimada. O meu tio chegou a ter 10 pessoas de família vindas do ultramar em sua casa durante alguns meses, além da sua própria família, até elas se integrarem no Canadá.
O meu plano inicial era terminar a minha educação e voltar para Angola, mas foi óbvio muito rapidamente que essa possibilidade se tornava cada vez mais remota. Nesse sentido, a decisão de me radicar no Canadá foi-me simplificada e muito fácil de tomar. A integração na sociedade canadiana foi relativamente fácil, pois eu já falava bem inglês e francês e, com a oportunidade de continuar a estudar, consolidei o domínio da língua muito depressa.
Apesar de ter optado pela cidadania canadiana assim que me foi permitido, nunca deixei de me sentir Português, pois 20 anos de cultura portuguesa não se perdem de um dia para o outro; eu diria até nunca. Contudo, o período que eu tive mais chegado à comunidade portuguesa, mais especificamente à comunidade angolana no Canadá, foi durante os poucos anos de existência de uma associação de emigrados das ex-colónias portuguesas, chamada “Imbondeiro”. Entre os anos de 1978 – 1981, se a memória não me falha, alguns imigrantes portugueses do ultramar resolveram juntar-se e criar uma associação com o fim de não só conviverem e preservarem as suas vivências e cultura africanas, mas também com a finalidade de se entreajudarem e ajudarem novos imigrantes do ultramar. Esta organização teve um papel extremamente importante nas vidas de muitos imigrantes, especialmente nos seus primeiros anos no Canadá, pondo-os em contacto com outros portugueses em posição de lhes arranjar trabalho, alojamento,etc.. Conservo memórias muito boas dessa época e fiz muitos bons amigos com quem ainda hoje convivo. Como todas as organizações, quando deixou de ter este papel importante, dissolveu-se.
Com respeito a voltar a África, eu resolvi seguir o conselho do meu pai e não voltar, mesmo que fosse só em visita. Essa é a maneira de preservar as memórias duma infância e adolescência muito felizes e livres num país onde eu hoje talvez tivesse dificuldade de reconhecer. É certo que não se pode esconder a situação em que se encontra hoje Angola, mas é muito diferente ver o que se passa nas notícias e ter que vivê-las em
primeira mão.
Hoje sinto-me verdadeiramente canadiano, sem nunca perder as minhas raízes lusitanas, e creio que é possível sentir orgulho pelos dois países simultaneamente. O Canadá ofereceu-me oportunidades iguais às dos filhos da terra e por isso sempre senti que faço parte desta sociedade. Formei-me em engenharia civil pela Universidade de Toronto em 1982 e continuei a estudar na universidade onde acabei por obter diplomas de mestrado e doutorado. Fiz uma pequena escapada aos Estados Unidos por dois anos (1988 e 1989, para trabalhar na indústria do petróleo, mas na verdade, o Canadá é o país que me estava no coração, e logo decidi voltar.
À laia de conclusão
Quer a Elisabete quer o José não se consideram representantes dos moçambicanos ou angolanos que escolheram o Canadá. Penso, todavia, que estes depoimentos ajudam a ilustrar algumas das questões que surgem ao refletirmos sobre a vinda deste grupo específico de pessoas, imigrantes de origem portuguesa que viviam em África e foram forçados a deixar esse velho continente. E, ao escolher o Canadá, deram com um país novo e democrático que lhes permitiu ter um futuro com esperança e que os ajudou, de alguma forma, a esquecer alguns dos traumas da descolonização.

Manuela Marujo

Elisabete Branco

José Carvalho

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