segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

MM AGUIAR Homenagem a Manuela Chaplin, Mulher de Abril

Conheci Manuela da Luz Chaplin em 1980, na minha primeira visita
oficial às comunidades portuguesas da América do Norte. Com o seu
cabelo revolto, os olhos muito azuis, uma bela voz forte, que se fazia
ouvir em discurso assertivo, reivindicativo, ousado... Recordo-a
claramente, a única voz feminina entre as dos homens, que eram, então,
o rosto invariável de dirigismo associativo... Uma mulher para se
impor, nessa época, em comunidades da emigração conservadoras e
fechadas, precisava de ter qualidades excepcionais, antes de mais,
tinha de ter coragem e tinha de ter razão - a primeira, era a condição
prévia para tomar a palavra, a
segunda imprescindível para ser ouvida e respeitada.
As questões que colocava, com sinceridade e veemência, pedindo
respostas, eram as dos seus concidadãos, as das mulheres, as dos mais
marginalizados. Não eram preocupações consigo, eram causas!
Até no vestir, sempre à vontade, descontraída e simples, se revelava
como alguém para quem o "social" queria dizer solidariedade e não
convívio elitista. Logo nesses momentos iniciais em que a escutei as
suas críticas pertinentes às "políticas de indiferença" dos governos
de Portugal para com os emigrantes da América, incluía-a em uma de
duas categorias de militantes que sempre me foram particularmente
simpáticos -sindicalistas e missionários! Só depois vim a saber que,
órfã de pai, desde os 3 meses de idade, viveu os seus anos de infância
em Moçambique, numa missão protestante, onde a mãe era professora de
português.
Manuela da Luz veio estudar para Lisboa. Na Lisboa salazarista,
revoltou-se contra a mesquinhes e a misoginia da ditadura, a situação
opressiva de submissão da mulher. A palavra submissão feminina não
existia no código de conduta daquela jovem inteligente e radical. Foi
a revolta que e levou para a América, em 1948. Aí encontrou o que
procurava: liberdade! Liberdade de pensamento, liberdade de expressão,
liberdade de lutar pelas sua ideias, liberdade para “libertar”outras
mulheres da passividade e da subjugação, liberdade para fazer dos
imigrantes portugueses, mulheres e homens, cidadãos da América. Uma
cruzada para o resto da sua vida!
Muitos anos mais tarde, haveria de escolher para a capa do um livro
seu, sobre as portuguesas dos EUA, a estátua feminina da Liberdade, de
Ellis Island  - porta de entrada no” novo mundo” para tantos milhões
de mulheres e homens…
Manuela foi ela própria uma emigrante/imigrante exemplar – porque
nunca deixou de ser apaixonadamente portuguesa e tornou-se não menos
apaixonadamente americana.
Soube integrar-se plenamente na vida do novo país, na sua vida
política, social e cultural e sempre quis ajudar os outros portugueses
a alcançarem a mesma alegria e orgulho por serem luso-americanos.
Foi precisamente nesse segmento em expansão do “luso americanismo” que
se centrou a sua acção, com especial enfoque nas mulheres.
Manuela da Luz Chaplin foi, como não podia deixar de ser, pela
proeminência do seu curriculum comunitário, uma das emigrantes
convidadas, em 1985, para o 1º Encontro das Mulheres Portuguesas no
Associativismo e no Jornalismo – onde entre tantas notáveis, se
destacou, em múltiplas intervenções.
Citar algumas das suas declarações, recolhidas nas actas do "Encontro"
é uma forma de la ter, entre nós, nestas jornadas de reflexão sobre o
25 de Abril, sobre a projecção qu a revolução teve, concretamente,
nos EUA, nas nossas comunidades, na participação feminina. Embora não
fale de si, adivinha-se o entusiasmo com que acompanhou o renascimento
da democracia em Portugal, assim como a sua contribuição pessoal para
repercutir o eco da revolução de Abril entre os portugueses, do outro
lado do Atlântico:
“Após o 25 de Abril, a mulher portuguesa nos EUA demonstrou uma rápida
transformação no conceito social e na realização dos seus direitos
humanos, devido à influência de elementos femininos mais evoluídos”
Também sobre um dos temas que a AEMM trouxe ao debate neste ano de
2014, as migrações de retorno de Angola e Moçambique, se pronunciou.
 Vamos ouvi-la, à distância de quase 30 anos, elogiar a nova vaga de
emigração dos anos 70, com uma componente de retornados de África, e,
genericamente, mais urbana, mais qualificada, integrando muitas
mulheres “cuja bagagem intelectual e profissional lhes proporcionou
acesso a campos de acção até aí raramente tocados por mulheres
portuguesas emigradas nos EUA. A este novo elemento juntam-se jovens
de 1ª e 2ª geração, que no país acolhedor obtiveram um nível de
cultura e de preparação que as eleva a
posições de destaque e influência…”
Mas logo acrescenta: “…o homem português continua relutante a
adaptar-se a esta evolução e ao reconhecimento da igualdade da
mulher”. “Raras vezes a mulher é convidada a participar na direcção e
na
administração das associações. (…) Todavia, muitas organizações Luso
americanas têm no seu elenco directivo, presidentes e outros elementos
directivos femininos. Nos últimos 10 anos, várias associações não só
são dirigidas, como foram fundadas por elas.
Do curriculum abreviado de Manuela Chaplin, inserido na publicação do
Encontro Mundial de 1985 consta que é licenciada em Direito e em
Jornalismo e membro das seguintes organizações:
 - Fundadora e directora executiva do Centro de Cultura Portuguesa de New Jersey
-Presidente e fundadora da Associação Luso-Americana Republicana de New Jersey
 - Presidente da Federação das Associações Luso-Americanas
Republicanas da Costa Leste
-Directora e fundadora da Congresso Luso_Americano de New Jersey
-Secretária Executiva dos Grupos Étnicos de New Jersey
-Presidente da Área Regional da Costa Leste da Associação Nacional dos
Grupos Étnicos Republicanos dos EUA
É já um impressionante elenco da sua multifacetada intervenção cívica,
da sua liderança não só na comunidade portuguesa, e nos outros grupos
étnicos que formam o imenso mosaico multicultural do país, mas também
na política americana, como activa militante do Partido Republicano.
Esta intransigente opositora da ditadura portuguesa era republicana e
monárquica, tendo fundado e presidido, a partir da década de 90, à
Real Associação de NJ. E a política portuguesa também a atraía - foi a
primeira mulher presidente do núcleo do PSD dos EUA.
Uma mulher, lutando pelos direitos de cidadania, em associações
mistas, em organizações políticas, sem nunca esquecer as mulheres. (o
papel  fundamental que, posteriormente, viria a ter na Associação MM é
referido, detalhadamente, no testemunho de Rita Gomes).
Às mulheres dedicou, em 1989, um livro extraordinário em que retrata
muitas emigrantes e no qual deixa, também, um retrato de si própria,
dos seus valores e interesses humanistas, que gostaria de destacar
neste breve depoimento O título, na versão portuguesa, é “Retalhos de
Portugal dispersos pelos Estados Unidos da
América. Mulheres Migrantes de Descendência Portuguesa. (Na versão
inglesa, "Scattered fragments of Portugal in the United States of
America - Women of Portuguese Descent).
São 30 narrativas de vida, escritas com brilho e com uma intenção
clara de desvendar, a partir de casos individuais, a história feminina
da emigração portuguesa na América, em diferentes épocas e contextos –
a parte mais desconhecida, mais subvalorizada da presença portuguesa.
São relatos verdadeiros, singulares, fascinantes… Para muitas
portuguesas, a emigração foi uma oportunidade de se transcenderem, de
tomarem em mãos o seu destino, para outras teve o sabor da
adversidade…A sorte e o azar, o mérito de saber lutar ou a a falência
de não poder resistir… A atracção do novo, a americanização, ou a
resistência cultural e afectiva à perda da identidade. As segundas
gerações, para as quais Portugal é uma realidade remota - ou não...
É tudo real, mas lê-se como um romance, feito de muitos capítulos. A
visão da própria Manuela não pretende ser necessariamente neutra. Os
factos estão lá, objetivos, precisos, mas sente-se, muitas vezes, a
empatia e compreensão da autora e pelas pessoas e pelas suas circunstâncias.…
Manuela Chaplin pertence, igualmente, à história que começa nestes
fragmentos de Portugal, nestas múltiplas experiências de América – e a
sua própria trajectória bem merece ser escrita por alguém que tenha o
seu talento e intuição..
Na nota “Sobre a Autora”, que prefacia o livro, Maria Fernanda Alves
Morais diz-nos: “ao longo dos anos em que me tem sido dado o
privilégio da sua amizade, encontrei sempre a sua casa acolhedoramente
aberta a quantos, oriundos de Portugal, procuram o seu auxílio ou o
seu conselho. Dias úteis ou feriados…pacientemente a sua hospitalidade
e solicitude nunca falham. Daí a alcunha que carinhosamente lhe deu
seu marido, Charles Chaplin, de “Nossa Senhora dos Portugueses”
Assim era a mais americana das portuguesas, a mais portuguesa das americanas.
Manuela Chaplin, Mulher de Abril, antes e depois desse 25 Abril, que
agora comemoramos, homenageando-a, saudosamente...

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