terça-feira, 24 de novembro de 2015

Filomena Fonseca em ENTREVISTA


 

Duas Perguntas a Filomena Fonseca

 

1.Voltando à velha questão que se coloca em vários domínios artísticos: escrita, pintura e escultura : será a manifestação artística marcada pelo género? Qual a sua opinião ?

 

          No âmbito artístico, o género insere-se no processo de questionamento da grande presença de nomes masculinos na História da Arte e disciplinas afins. Um mundo onde só os homens eram chamados a exercer profissões ligadas aos vários tipos de arte, enquanto a ocupação doméstica era tipicamente destinada à condição da mulher.

          Tal como no mundo do trabalho em geral, o preconceito latente, da mulher não ser vista como ser pensante, era o grande impedimento para a sua inserção no mundo das artes.

          À medida que foram criadas pontes de diálogo com o universo feminino dentro do universo artístico, as mulheres deixaram de ser simples musas e passaram a ser também artistas criadoras. Mas poucas mulheres lograram atingir algum reconhecimento artístico, num mundo totalmente pensado e dirigido por homens.

          O movimento feminista e a criação de um programa académico de arte feminista na América, fez desenvolver o pensamento e a produção artística. A luta feminina pela sua imposição nas artes, foi contribuindo para a conquista de uma paridade para com os artistas masculinos, apesar das dúvidas que sempre suscitavam. Um caminho árduo e difícil que se foi abrindo.

          Através do movimento das mulheres, surgiram novas perspectivas, questionando a subjetividade de ambos os sexos e outras inquietações evidenciadas na diversidade de linguagens, presentes na arte contemporânea, não importando qual o sexo que a possa executar.

          Podemos então afirmar que agora estamos mais em pé de igualdade com os homens artistas, havendo até uma grande proximidade de ideais comuns. A arte obedece às mesmas leis que qualquer outra atividade livre do espírito, desafio em que muitas vezes as mulheres superam os homens, provando, assim, suas capacidades outrora tão escondidas ou mesmo desvalorizadas. Hoje a mulher tem o privilégio de tudo poder questionar e explicitar qualquer tipo de sentimento sobre as coisas e as suas expectativas. Uma abertura total na relação da sua arte com o mundo que a rodeia.  

 

 

2. Até que ponto sente que a sua expressão artística tem contribuído para a defesa dos direitos humanos, em especial dos direitos das mulheres, pela defesa da igualdade de género?

          Desde a infância, me apercebi das dificuldades de muitas mulheres em conseguir autorização dos pais ou maridos para estudar, trabalhar em algumas profissões ou seguir as carreiras que tanto ambicionavam.

          Também eu, que já sentia inclinação para a área artística, fui desviada no tempo, para um curso ligado à área dos serviços. Só mais tarde, depois de atingir a maioridade e de me autonomizar, fui capaz de enveredar pelo caminho das artes, satisfazendo assim a minha própria vontade. Uma forma de liberdade a que tinha direito e assim dei início à minha dedicação artística. Primeiro em part-time na área da pintura, depois a tempo inteiro, a que juntei também o gosto pela escrita.

 

          Através da expressão plástica, vou libertando tensões e sigo as diretrizes dos meus próprios pensamentos. Extravaso ideias, comunico intimidades. Incluindo na maior parte dos meus trabalhos a figura da mulher, de modo mais ou menos explícito, tento exaltá-la através das formas, das cores ou de expressões sensíveis ou dramáticas que denunciam alguma dor ou sofrimento. Algo por vezes ligado a certos tipos de violência contra as mulheres e onde, penso, haver ainda muito por fazer.

          Também na escrita, em especial através da poesia, tento desmistificar o valor e a transcendência da mulher na sociedade e a sua luta pela defesa da igualdade de género.

Se a arte tem o dever de denunciar os valores e problemas sociais do seu tempo, estas serão as minhas formas de contribuir para a defesa dos direitos e reais interesses das mulheres.

 

 

Nota: Junto abaixo um poema e duas imagens de pinturas sobre a mulher, os quais, se assim o entenderem, poderão ser acrescentados às minhas respostas ao questionário.

         

 

Desvalorização

 

Nas aldeias

às vezes sem dormir

as mulheres esfregam o soalho

limpam a casa

pensam o gado

lavam os filhos

e cozinham exaustas

 

às vezes

os homens

esquecem-se delas

 

outras vezes

vingam-se nelas

 

 

(in: “Os Degraus da Casa”)

 

 

FILOMENA FONSECA

 

 

 

 

 

 

 

 


 

“Drama “- Pastel s/ cartão-100x70cm

 

 

 


 

“Porquê eu?”- Pastel s/ cartão-100x70cm

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