quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Dina Botelho sobre MARIA ARCHER


A escritora Maria Archer e o retrato da mulher de meados do séc. XX

 

Maria Archer é uma escritora que vale a pena conhecer. Passear os olhos pelas páginas dos seus livros é transportarmo-nos para meados do século XX e, pouco tempo depois, deixarmos de simplesmente passear e ficarmos presos na sua escrita. O realismo da sua escrita é tão grande e intenso que se nós não nos identificarmos com as suas personagens, com elas identificaremos alguém que conhecemos.

 Considero ter sido um marco para a época em que viveu e é nesse sentido que sempre me deram testemunho quando dela falo com pessoas mais velhas.

 A preocupação/tema principal da sua obra era a situação da mulher e as dificuldades por ela sentidas. A vida da mulher, a sua relação com a família, com o trabalho e com os homens dominavam os seus romances, novelas e peças de teatro.

Mas se o tema dominante era o mesmo havia novidades em todas as suas obras. O estatuto social das mulheres que retratava era diferente, a mulher tanto era vítima como até brincava com os homens e por isso liam-se com empolgamento as suas obras. O seu conhecimento profundo do pensamento da mulher das várias classes sociais permitia-lhe falar com à vontade e realismo das suas vidas. Já João Gaspar Simões falava, em 1950, do seu «superior espírito de observação, penetrante análise social, sólida expressão literária, magistral equilíbrio no doseamento do imprevisto, pelo que não poderia deixar de ser considerada desde já um grande contista, um grande escritor».

Maria Archer dizia que escrever era fugir ao longo silêncio a que a mulher da época estava votada. Até o acesso à cultura era negado à mulher na época, como Maria Archer retrata bem na personagem de Adriana (de Casa sem Pão) que tinha de se esconder para ler livros.

Maria Archer mostrou as vozes profundas do seu ser, sem nunca recorrer a pseudónimos, o que fez dela única na sua época e no seu meio. Ela partia do real e era esse real que interessava aos seus leitores. Ela própria reconheceu que a literatura feminina da sua época não era criativa «pois a mulher encontrava-se subjugada pela estrutura social e familiar repressiva.»

Diz-nos o ensaísta João Gaspar Simões que «se existir um tema nos seus contos este é o tema social: a rebelião da mulher contra as normas sociais sacrificadoras da sua sagrada independência». O conto de Maria Archer é o conto de fundo social, o conto de costumes.» Ela é considerada por ele «um dos nossos primeiros contistas contemporâneos, um dos nossos mais fortes temperamentos de escritor». Como diz o Prof. Fernando de Pádua, seu sobrinho, a propósito destes elogios carregados de masculinidade, «só faltaria dizer que Maria Archer é um homem».

Termino com duas confissões da própria escritora, datadas de out. de 1952 (in “Revisão de Conceitos Antiquados”) que mostra bem o que passou, e o que passava qualquer mulher escritora na altura, para escrever:

«Saibam quantos fazem coro no desprestígio da obra literária das mulheres que os nossos livros são momentos heróicos. Custam-nos coragem, e angústias, que os homens, para igual feito, desconhecem de todo.»

Assim, não retrata só na escrita o que era a vida da mulher no início e meados do séc. XX mas ela própria e a sua vida foram um ótimo exemplo das vivências da mulher da época.

                                                             novembro de 2015
                                                                       Dina Botelho

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