A
escritora Maria Archer e o retrato da mulher de meados do séc. XX
Maria
Archer é uma escritora que vale a pena conhecer. Passear os olhos pelas páginas
dos seus livros é transportarmo-nos para meados do século XX e, pouco tempo
depois, deixarmos de simplesmente passear e ficarmos presos na sua escrita. O
realismo da sua escrita é tão grande e intenso que se nós não nos identificarmos
com as suas personagens, com elas identificaremos alguém que conhecemos.
Considero ter sido um marco para a época em que
viveu e é nesse sentido que sempre me deram testemunho quando dela falo com
pessoas mais velhas.
A preocupação/tema principal da sua obra era a
situação da mulher e as dificuldades por ela sentidas. A vida da mulher, a sua
relação com a família, com o trabalho e com os homens dominavam os seus
romances, novelas e peças de teatro.
Mas
se o tema dominante era o mesmo havia novidades em todas as suas obras. O
estatuto social das mulheres que retratava era diferente, a mulher tanto era
vítima como até brincava com os homens e por isso liam-se com empolgamento as
suas obras. O seu conhecimento profundo do pensamento da mulher das várias
classes sociais permitia-lhe falar com à vontade e realismo das suas vidas. Já
João Gaspar Simões falava, em 1950, do seu «superior espírito de observação,
penetrante análise social, sólida expressão literária, magistral equilíbrio no
doseamento do imprevisto, pelo que não poderia deixar de ser considerada desde
já um grande contista, um grande escritor».
Maria
Archer dizia que escrever era fugir ao longo silêncio a que a mulher da época
estava votada. Até o acesso à cultura era negado à mulher na época, como Maria
Archer retrata bem na personagem de Adriana (de Casa sem Pão) que tinha de se esconder para ler livros.
Maria
Archer mostrou as vozes profundas do seu ser, sem nunca recorrer a pseudónimos,
o que fez dela única na sua época e no seu meio. Ela partia do real e era esse
real que interessava aos seus leitores. Ela própria reconheceu que a literatura
feminina da sua época não era criativa «pois a mulher encontrava-se subjugada
pela estrutura social e familiar repressiva.»
Diz-nos
o ensaísta João Gaspar Simões que «se existir um tema nos seus contos este é o
tema social: a rebelião da mulher contra as normas sociais sacrificadoras da
sua sagrada independência». O conto de Maria Archer é o conto de fundo social,
o conto de costumes.» Ela é considerada por ele «um dos nossos primeiros
contistas contemporâneos, um dos nossos mais fortes temperamentos de escritor».
Como diz o Prof. Fernando de Pádua, seu sobrinho, a propósito destes elogios
carregados de masculinidade, «só faltaria dizer que Maria Archer é um homem».
Termino
com duas confissões da própria escritora, datadas de out. de 1952 (in “Revisão
de Conceitos Antiquados”) que mostra bem o que passou, e o que passava qualquer
mulher escritora na altura, para escrever:
«Saibam
quantos fazem coro no desprestígio da obra literária das mulheres que os nossos
livros são momentos heróicos. Custam-nos coragem, e angústias, que os homens,
para igual feito, desconhecem de todo.»
Assim,
não retrata só na escrita o que era a vida da mulher no início e meados do séc.
XX mas ela própria e a sua vida foram um ótimo exemplo das vivências da mulher
da época.
novembro
de 2015
Dina
Botelho
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