terça-feira, 13 de novembro de 2012

Viver o mundo da diáspora , como criança e adolescente
Fui uma criança e adolescente em diáspora! Isso marcou-me muito, como pessoa e
cidadã. Só entendi muito mais tarde, perante reações em determinadas situações, diferentes
dos outros e que levou a momentos de reflexão mais profundos, pouco habituais na vida
conturbada do dia à dia, distraída das memórias do passado.
Chegar, partir, voltar foram verbos que, desde muito cedo entraram na minha área
vocabular. A primeira partida aconteceu com 3 anos apenas, quando, da Ásia viajei até à
Europa, aqui em Portugal, para logo regressar com 5, de novo, e retornar aos dez, e partir
aos 15 para África, e aos 17 … Foi sempre assim. Esta circunstância levou-me a ter com a
família nuclear ( pai , mãe e irmã) uma ligação forte demais para ser entendida. Eramos
unidos contra o diferente e as adversidades, em países distantes e estranhos, onde não
conhecíamos ninguém. Aprendi mais a observar do que a opinar, a conhecer pessoas
diferentes e a apreciar as diferenças, a tocar, respirar e ainda a saborear coisas estranhas e
a nunca recusar, aceitar mais do que rejeitar, a ser flexível mais do ser intransigente. Comecei
a olhar o mundo, que antes era tão pequenino, com olhos estupefactos, perante o que se
apresentava à minha frente, completamente recetiva à sua absorção.
Descobri com a viagem pelo mundo que as pessoas que o constituem são tão diferentes e,
ao mesmo tempo, tão iguais! Os afetos dominam o seu universo, mesmo que expressos de
maneiras diferentes. E eu entendi isso, interrogando-me e aceitando as situações que vivenciei
e que fizeram despoletar em mim um tumulto de sensações e emoções, perante um funeral
chinês com ofertas de frutos, flores e outros manjares; as tenebrosas queimadas em África; o
cheiro especial da terra angolana, depois de uma tempestade; os violentos tufões na China ou
os assustadores relâmpagos e trovoadas africanas ; a fuga de pessoas aterrorizadas perante
um programa de vacinação; o pavor perante uma derrocada de terras, montanha abaixo,
arrastando, com a água, corpos e bens; as tempestades no alto mar, até ao quase eminente
naufrágio no Cabo das Tormentas; as brincadeiras com serpentes em vez de libelinhas…
Tive mais medos certamente do que muitas crianças e adolescentes, mas possivelmente
muitas mais alegrias; menos estabilidade mas mais oportunidades de ver o mundo tal como
ele é. Tive perdas de amigos com as partidas, mas essas perdas nunca foram reais, aprendi
a amá-las, mesmo não as vendo, e tive o privilégio de conhecer e amar muitas pessoas que
se cruzaram na minha caminhada. Às vezes, pela calada da noite, ouvi muitas vezes as suas
vozes, o que me disseram quando me viram pela primeira vez e muitas mais coisas e, depois,
adormecia a sorrir… Quantas vezes estive na varanda da minha casa, em Viana do Castelo,
à espera do Jordão, fiel companheiro da minha meninice, levando-me aos parques infantis e
jardins públicos e que nunca mais chegou no avião que, ao final da manhã, atravessava todos
os dias o céu? Não foi por isso que desesperei, como criança entendi que ainda não era o
tempo para o encontro. Aceitei.
Se tenho uma identidade, perguntam-me muitas vezes. Claro que sim! Ela pode ser o local
onde sempre retornei, depois das longas e muitas viagens, às minhas raízes minhotas, da
minha família paterna; pode ser a minha terra de adoção, esta, onde me encontro agora e
desde há vinte anos. Foi aqui que trabalhei e constitui a minha família. Sinto-me bem aqui,
mas não sou daqui, sou um pouco de todo o lado e estaria bem em qualquer lado do mundo.
Sou uma cidadã do mundo e aprecio esse mundo e o seu todo tão harmónico para mim. Por
isso, o que ali se passa de negativo, incomoda-me como pessoa crítica, atenta e inquieta e
nunca e apenas só com o que acontece aqui bem perto de mim, de nós…
Esta sou eu . A diáspora ajudou-me a constituir como Pessoa, a ser esta Pessoa.
Arcelina Santiago

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