terça-feira, 13 de novembro de 2012

MARIA LAMAS

MARIA LAMAS
que personalizou como ninguém a AMIZADE.
Decorria 1956 e eu colaborava na revista Os Nossos Filhos dirigida por
Maria Lúcia Namorado, quando esta me disse: “Está na Madeira a minha
prima Maria Lamas, gostaria que a Maria do Carmo a conhecesse…”
Antes de eu tomar a iniciativa, por timidez… o telefone tocou, em minha
casa. Às onze horas.
E sei que eram onze horas, porque daí em diante nos falámos todos os
dias, de segunda a sexta, àquela mesma hora.
Ia nascendo Arquipélago da Madeira, Maravilha Atlântica.
Cinco minutos de intervalo no trabalho diário da escrita, para um copo de
leite e o telefonema. Talvez outros mais… Cada amizade ocupa um espaço.
Não nos alongávamos para além de esclarecer qualquer dúvida, na
descoberta da ilha, e confirmar o programa de fim de semana.
Ao sábado jantava em minha casa. Depois de termos visitado uma quinta -
residência madeirense de influência inglesa - ou de nos termos debruçado
sobre aspetos da ruralidade, o que fizemos em muitos domingos.
No ano seguinte, 10-X-1957 em carta de Paris, Grand Hotel St. Michel,
19, rue Cujas, : “evoco enternecidamente as nossas tardes de sábado e os
nossos passeios e conversas – tudo quanto constituiu o nosso convívio na
Madeira… A lembrança do nosso encontro ficará para sempre a iluminar o
meu caminho!“.
Ainda no Funchal, para além do telefonema diário, Maria Lamas escrevia
pequenas cartas.
Em 23-IV-1956: “faz-me tanto bem que deixei de me sentir isolada
espiritualmente na “sua” ilha que tanto amo, mas onde o convívio
humano se me tornou quase doloroso, à força de ser superficial, vazio,
limitado e … desculpe! – maledicente, algumas vezes. Mas é tão bom
sentir que a VIDA é mais alguma coisa que o dia a dia elegante ou
enfadonho, ou amargo, em que se passam quase sempre as horas – as
horas que não é possível viver segunda vez…”
Mas ela VIVEU cada minuto, a multiplicar-se: “ penso que é realmente
aqui (Paris, 11-03-1958) que devo permanecer por enquanto – e daqui
vejo mais nitidamente tudo quanto me conduziu até este exílio, numa
cidade onde, paradoxalmente, o meu espírito se sente muito mais
acompanhado que no meu próprio país. Há, porém, as saudades, a minha
maternidade triste sem a presença, o carinho direto e a doce alegria de
partilhar a vida das filhas e dos netos. Enfim, continuo a multiplicar-me em
interesses, sofrimento, esperança e amor, como se quisesse viver todas as
vidas, nesta minha pequenez e fraqueza tão vulgar.”
Nada porém era vulgar, no percurso de Maria Lamas, ou melhor nada é
vulgar, porquanto a presença desta grande Mulher mantém-se, através
da sua obra literária, através da correspondência que trocou com os que
tiveram a sorte de a conhecer pessoalmente.
Em carta de 4-X-1956: “Para mim, toda a filosofia, como toda a moral,
só é válida quando se concretiza em realidades e conduz não só à
valorização do indivíduo como ao verdadeiro progresso humano. Não digo
progresso no sentido exclusivo das conquistas técnicas nem duma pseudo
civilização em que só participa uma parte, mais ou menos privilegiada
da humanidade. Digo progresso num sentido complexo e completo de
aperfeiçoamento, em todos os campos, desde as condições económicas à
educação, ao respeito mútuo e tudo o mais que constitui a HARMONIA DA
VIDA e lhe dá o sentido maravilhoso em que acredito inabalavelmente.
Mesmo na escala internacional, haverá sempre possibilidade de se
encontrar o justo, o claro, o fraterno e não se servirem ambições
inconfessáveis, intenções ocultas e ódios bem ou mal disfarçados. Para
isso é necessário que se renove a consciência humana. É indispensável
pensar, aprofundar, estudar, meditar – trabalho de laboratório, mesmo no
campo intelectual.”
“Sonhadora eu sou. Tudo vem do Sonho. Mas só é válido o sonho que
atua… Parece um paradoxo, mas não é. Só os sonhos em ação têm força
criadora. Dou-lhe exemplos: a luta contra as escravidões, a defesa da Paz,
as pesquisas científicas ao serviço da humanidade, a revelação do belo,
em todas as suas faces, e a todos os seres humanos.”
Trago os olhos em lágrima feliz, ao dizer Obrigada, Maria Lamas!
Nunca eu nem as mulheres do meu país teremos agradecido, com a
palavra certa e/ou suficiente, a sonhadora que foi Maria Lamas, do mais
generoso sonho da humanidade, e a sua luta para uma equivalência no
campo das realizações.
Maria do Carmo Rodrigues

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