quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

COMUNICAÇÃO DE NUNO ARAÚJO

Liderança e Participação

A minha experiência no domínio das comunidades portuguesas, ao contrário da grande maioria dos intervenientes aqui presentes, não se situa no campo académico, político ou associativo da diáspora. O meu contacto com as questões relacionadas com a Emigração surgiu num contexto “hereditário”, emocional e profissional. Sou neto de um emigrante na Venezuela, que para lá partiu na década de 50. Sou filho de um homem que dedicou grande parte da sua vida às comunidades portuguesas. Eu próprio, como jornalista, colaborei activamente na imprensa regional e das comunidades portuguesas até ao encerramento dos títulos com os quais colaborava… Por estas e outras razões, esta minha pequena intervenção decorre de algumas ideias e pensamentos que decidi partilhar convosco, assumindo desde já que resultam de uma análise meramente empírica.

O “Congressismo”, neste contexto, talvez se tenha revelado como um dos maiores motores de reflexão e acção sobre as comunidades migrantes no geral, e nas políticas de género em particular. Primeiro, junta uma diversidade de opiniões, experiências e diferenças que, cada uma com as suas especificidades, cria uma acção transformadora, não só nos seus intervenientes, como nos públicos que pretende atingir. Em segundo lugar, os fóruns, seminários, congressos e reuniões são espaços privilegiados de
networking possibilitando uma poderosa ferramenta para o desenvolvimento de projectos e estabelecimento de parcerias. Por último, cumpre um propósito fundamental através das temáticas que foca, ao diluir de forma mais ou menos directa, as pretensões assumidas. Essas mudanças transformadoras, que só a partilha na diferença possibilita, produzem narrativas que “regeneram” as audiências e, em simultâneo, alteram os quadros de referência dos autores dessas mesmas narrativas, transportando-nos para o domínio do construcionismo social. É nesta linha que defendo uma aposta estratégica no “Congressismo” perspectivado como acção dinâmica e dinamizadora de
mudanças sociais que, recursivamente, alteram e são alteradas, pelo ser. Estes espaços são ricos nesse pressuposto construcionista que acabei de referir, pois cada um de nós procura através das suas prelecções tocar a audiência e, em simultâneo, revela as suas atitudes, comportamentos e ideias como resultado de um processo sociocultural. Nesta linha, é certo que todos os homens e mulheres que vivem o “Congressismo”, e hoje os que aqui se reúnem, procuram diluir na sociedade as suas vivências, experiências e as suas histórias, mas, sobretudo, contribuem para que os artifícios sociais criados ao longo da história em torno das políticas de género, sejam abalados de forma que homens e mulheres, nas suas competências diferenciadoras,
não sejam alvo do preconceito, discriminação e exclusão social. No contexto da vida da diáspora nas sociedades de acolhimento, revela-se de particular importância e atenção, dado que existem factores de discriminação múltipla decorrentes da condição de emigrante, de género, nível sócio-económico, etnia, religião, etc…
A razoável pretensão desta Associação e do “Congressimo” contribuem decisivamente para o mainstreaming das políticas de género no contexto da emigração. A masculinidade ainda reinante não deverá ser um reflexo de uma primazia atribuída artificialmente, mas sim decorrente de circunstâncias quase aleatórias. O papel atribuído às mulheres em alguns campos da emigração, como o reagrupamento familiar, a perpetuação do ensino da língua de origem (em contexto familiar e/ou associativo), o seu papel invisível na dinamização cultural nas associações e colectividades, a limitação a profissões ditas femininas, o seu papel cuidador no contexto da família, entre outros aspectos, decorrem ainda de uma luta constante da interiorização que a própria mulher faz acerca de si própria e a vontade mais íntima que nem sempre se revela. Não podemos, todavia, negar o aumento de novas responsabilidades económicas, sociais e profissionais da mulher em diversas sociedades de acolhimento, sem, no entanto, ainda mudarem velhos e ultrapassados estereótipos de distribuição de papéis no seio da família, num mapeamento familiar onde a mulher invariavelmente assume o papel de cuidadora principal, aumentando os encargos que exerce. Por outro lado, e em tendência contrária, as mulheres com família que assumem posições de primeira linha em muitas empresas e que aceitam uma nova forma de mobilidade internacional, como é o caso da expatriação, quando filhos e cônjuge a acompanha, não são sobrecarregadas pelas tarefas ditas femininas no seio da família, pois a carreira assume primazia neste contexto, e os próprios estereótipos em torno do género parecem perder força. Por outro lado, talvez neste campo específico, as questões de género sejam mais evidentes para um cônjuge de uma expatriada… Também é verdade que neste contexto de mobilidade internacional, cada vez mais frequente e substituto do velho paradigma do
emigrante de meados do século XX, existam ainda muitos mais homens do que mulheres, não só porque grande maioria dos gestores em Portugal serem homens, mas também por outros dois motivos: percepção enviesada do papel da mulher e constrangimentos sexistas em determinadas sociedades de acolhimento quando a liderança é feminina.
Naturalmente que o contexto de expatriação é bem diferente do que habitualmente chamamos de emigração. Não só pelos motivos subjacentes à partida, como pela delimitação temporal existente no primeiro caso e, naturalmente, pelas condições menos dúbias que a emigração dita tradicional não corresponde. Apenas serviu de exemplo para constatar o posicionamento no que ao género diz respeito, bem como a uma tendência cada vez mais em prática decorrente da internacionalização da nossa economia. Importa também salientar alguns aspectos relacionados com novas formas de emigração, ou melhor, diferentes competências que os novos emigrantes evidenciam neste mundo global e menos delimitado por fronteiras. Arrisco dizer que esta nova tendência de pessoas qualificadas que saem de Portugal, transporta desejos e motivações semelhantes à do passado: em suma, uma vida melhor. Muitos jovens que saem das universidades procuram novos mercados, desafiam novas competências e abrem caminho para uma vida noutro país, não só em busca de um futuro mais promissor, como ainda imbuídos num espírito de aventura mais ou menos securizante, ou não fosse a rede financeira dos pais assegurar alguma eventualidade. Muitas jovens, muitas mulheres também saem neste contexto, não propriamente para ir ter com o marido que foi primeiro, mas, sozinhas, em busca de carreiras, experiências e vivências, sobretudo, na Europa, procurando o seu espaço de liderança e participação.

Para concluir, subscrevo aquilo que nestes espaços já se referiu: urge criar um Observatório dos fenómenos da emigração e as suas verdadeiras implicações para as economias locais, para a economia nacional e, naturalmente, para uma melhor compreensão fenomenológica das migrações. Continuemos a construir e a contrariar o conformismo que sempre reinará em toda e qualquer sociedade, através do “Congressismo” que abale crenças, certezas e outras fórmulas que nos reduzem a espectadores passivos. E, para terminar, que na diferença de género nasça uma sociedade mais solidária, mais fraterna e mais justa…

Maia, 26 de Novembro de 2011

Nuno Araújo

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