segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Manuela Aguiar sobre o "Encontro"

Entrevista de
"As Artes entre as Letras"


Que balanço pode ser feito do Encontro Mundial de Mulheres na Diáspora?

Acho que correspondeu às expectativas, porque conseguimos, colectivamente, não só dar continuidade a uma tradição, já longa, de fazer balanços periódicos do progresso na situação das portuguesas no estrangeiro - e, ao fazê-lo, de contribuir para a aceleração desse progresso (que foi e é o nosso principal objectivo), mas também inovar no enfoque em domínios que nunca tinham sido abordados, pelo menos com semelhante alto grau de prioridade, caso da vertente cultural da própria ideia de cidadania, da escolha das letras e das artes como domínios de afirmação das mulheres da Diáspora. E do desporto também.
Não foi por acaso que Aurora Cunha foi a nossa "convidada de honra", em vez de uma personalidade da área política, como aconteceu nos anteriores Encontros Mundiais. Não foi também por acaso que tivemos, a abrir os trabalhos, uma exposição de pintoras e escultoras de várias nacionalidades, duas outras dedicadas ao movimento feminista da 1ª República e uma sessão evocativa de duas grandes mulheres da Diáspora novecentista - Maria Lamas e Maria Archer, escritoras, jornalistas, senhoras de grande cultura, par de grande coragem e espírito cívico.
Momentos inesquecíveis, momentos de olhar exemplos do passado perfeitamente inspiradores de acção futura. Só depois começamos a ouvir as vozes do presente, algumas delas com histórias tão extraordinárias para contar, ou com análises e reflexões tão pertinentes sobre este novo ciclo, esta nova grande vaga em que se avança a emigração portuguesa. Emigração que, em boa verdade, nunca parou de vez...

Quais as principais conclusões...

Poderemos distinguir entre as conclusões que procuram fazer o diagnóstico de situações e as que definem um conjunto de medidas para promover a maior participação das mulheres nas comunidades do estrangeiro.
A meta da igualdade e da paridade entre mulheres e homens neste contexto, é vista como sendo agora menos utópica, mais factível, pois as migrações femininas assumem características completamente originais, no que respeita à autonomia de decisão, à qualificação profissional e às perspectivas de carreira das suas protagonistas.
É o momento certo para agir e entre agir, com conhecimento das realidades e uma visão sistémica. É importante acompanhar os percursos femininos (coisa sempre bastante descurada...) estuda-los, cuidar da notação estatística, por sexo. Saber... ter consciência das potencialidades, e apoiar a sua materialização. O acento tónico foi colocado, por isso, no esforço de investigação e de informação.
O tradicional associativismo, em que se estruturam dinamicamente as próprias comunidades portuguesas, é o primeiro dos caminhos para a afirmação da cidadania das emigrantes, mas constata-se que a sua ascensão tem sido bem mais fácil nas sociedades de acolhimento do que dentro do seu próprio grupo étnico. Esta denúncia, que vem sendo claramente expressa desde o 1º Encontro em Viana do Castelo, ainda mantém actualidade, um quarto de século depois, e, saliente-se, em prejuízo de todos, porque, como se concluiu, para resistirem ao declínio, para assegurarem a renovação, as colectividades têm de atrair as jovens e os jovens da chamada "nova emigração" e as mulheres, de todas as gerações.
A situação, como foi dito, varia enormemente de comunidade para comunidade. Detectar as boas práticas, divulgá-las, assim como apontar o seu reverso, a ostensiva discriminação das mulheres em muitas direcções associativas é tarefa capital. Mais uma vez se falou da criação de uma espécie de "Observatório", ancorado na informação, focalizando injustiças e anacronismos, que é o meio mais eficaz de alertar para a urgência de mudanças... Este levantamento global de situações no movimento associativo só poderá ser levado a cabo, de uma forma célere e pouco dispendiosa, com base em informações conseguidas através da rede consular. É, assim, uma mera questão de vontade política do governo, que acredito existir, finalmente...
Outro dos sublinhados principais foi a necessidade de suprir o défice de reconhecimento da importância e do próprio volume extraordinário da emigração. O País ainda prefere ver-se como destino de imigração, apesar de o ser menos, e cada vez menos, e negar o fosso que cresce entre os números da emigração, em constante alta e os da imigração, em perda acentuada.
Há que olhar tanto os jovens que partem agora, como as terceiras gerações de luso-descendentes, que mesmo quando parecem perdidas podem ser recuperadas, indo ao seu encontro, falando a sua linguagem.
O estabelecimento de redes, o conhecimento mútuo, a partilha de experiências, exige a continuação do trabalho, ao longo dos próximos anos, tendo como agentes de mobilização, muito dos que participaram no Encontro da Maia. Nestes "fora", que se enquadram na definição de "congressismo", há um "dia seguinte", que é sempre mais importante do que aquilo que neles aconteceu.
E para que a "rede" se propague nos vários continentes, para que a mobilização se faça, em grande escala, em crescendo, é preciso criar plataformas de encontro entre metades divididas, pela distância geográfica, nos mais diversos domínios - cultura, educação, desporto, empreendedorismo, política. Mulheres de dentro e de fora de fronteiras, trabalhando juntas, partilhando iniciativas.
Acredito que já em 2012, terão, igualmente, início alguns dos estudos de que se falou na Maia, no painel de debate das"conclusões", por exemplo, sobre "boas práticas", ou sobre o que a relatora, Drª Maria Amélia Paiva, chamou "feminizar a memória". Um projecto antigo de recolher, de forma sistemática, histórias de vida de mulheres migrantes, encontrou, agora, na Profª Ana Paula Beja Horta e no CEMRI/ Universidade Aberta, uma garantia de suporte científico, que é imprescindível, mas exige também apoios, colaboradores e patrocínios nas próprias comunidades.



A Associação já pensa no próximo Congresso?

Mais genericamente em "congressismo", em "plataformas" para múltiplos encontros, do que no próximo congresso mundial, antes do qual há muito trabalho pela frente.
Estamos, de facto, envolvidos num projecto de sensibilização para a igualdade, para cumprir os propósitos da Resolução nº32/2010, aprovada na Assembleia da República, por proposta do actual Secretário de Estado Dr José Cesário. A "Resolução" é a primeira grande "carta de intenções" para o desenvolvimento de uma política com preocupação de género nas comunidades, em cumprimento do artº 9º da Constituição, que não é de aplicação restrita ao território. Mas a verdade é que, apesar dos ditâmes da Constituição, a prioridade de promover a plena participação das mulheres na vida da emigração é algo de completamente revolucionário, após 5 séculos de quase completa indiferença estatal face à sorte das mulheres migrantes. Tem, assim, um enorme alcance jurídico e democrático. Ou melhor, terá, se passar de letra da lei para a realidade do relacionamento entre as pessoas. É nisso que estamos empenhados (uso o plural no masculino, porque não nos faltam aliados!). Prontos a colaborar com o Governo, com outras ONG's, em especial com pessoas e instituições de cada uma das comunidades, à procura de mais e mais aliados, de boas vontades, de "talentos". Mais do que premiar talentos, aliás, uma boa ideia que vem de trás, interessa descobri-los com o propósito de apelar à sua disponibilidade para darem rosto e trabalho à causa comum de valorizar as suas e nossas comunidades. À disponibilidade das mulheres, nomeadamente!
O primeiro "Encontro" de 2012 está já agendado para 25 de Março, na Califórnia, com organização da Profª Deolinda Adão, uma distinta académica de Berkeley, que é também uma dinâmica mulher de acção. Será em San Jose e não esqueceremos que foi ali bem perto, em Oackland, que as Portuguesas (quase todas das Ilhas dos Açores) lançaram as bases do primeiro associativismo feminino, integrado, desde fins do século XIX no movimento mutualista e fraternal. Ainda hoje continuam na vanguarda, embora as Sociedades Fraternais femininas já não o sejam, exclusivamente, num tempo de paridade, no empreendedorismo e na acção social
Quer por razões históricas e simbólicas, quer por razões muito pragmáticas, San Jose é um excelente ponto de partida (ou de recomeço) de uma ambiciosa campanha cívica, com acento em valores sócio-culturais...

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