domingo, 4 de dezembro de 2011

COMUNICAÇÃO DE MARIA DA LOURDES DE ALMEIDA

NOVA EMIGRAÇÃO: A AFIRMAÇÃO DA MULHER LUSO-VENEZUELANA

I.- CAUSAS DA EMIGRAÇÃO- DO PASSADO AO PRESENTE

Para poder falar da nova emigração é preciso rever a sua história, para assim poder
melhor compreender as mudanças que ao longo do tempo têm vindo a suceder. Para isso
é importante saber os motivos que levaram, no passado, o povo português a procurar
novos horizontes. Razões várias, dos tempos mais remotos à atualidade, justificam este fenómeno. De assinalar a falta dos meios de subsistência responsáveis pelo "êxodo" de emigrantes isolados e de famílias inteiras, hoje radicadas nos diversos países de imigração. É também importante assinalar as circunstâncias de natureza política que as determinaram, associadas a perseguições desta natureza, à falta de liberdade de expressão, à guerra nas antigas colónias e a práticas sociais dominantes que impulsaram a fuga de muitos jovens, antes ou durante o cumprimento do serviço militar.
A emigração de portugueses sempre esteve presente na sociedade portuguesa cuja
evolução ficou mais forte ao término do século XIX e durante grande parte do século
XX. Todas estas razões são as principais causas da presença da comunidade portuguesa
nos cinco continentes. Inicialmente partiam os homens, para criar as condições
necessárias para que a família se juntasse a eles. Isto trouxe como consequência a
separação de famílias, com a mulher a cumprir as funções de pai e mãe ao mesmo
tempo. O emigrante português, no seu perfil mais clássico, partia para outro país para angariar dinheiro para o futuro, pretendendo sempre regressar a Portugal uma vez
cumprida a sua tarefa. No entanto, algumas mulheres nunca voltaram a ver o homem
que procriou os filhos e estes nunca mais voltaram a ver o pai biológico.
Estas primeiras emigrações eram provenientes, na sua maioria, de zonas rurais, numa
época em que o ensino superior era para aqueles de um status social elevado. É fácil
perceber que a escolaridade dos que emigravam era pouca ou nenhuma, o que mais
importava era o trabalho árduo, de sol a sol, e a escolaridade no país de acolhimento
passava a um segundo plano. Até à década de oitenta/noventa o emigrante abdicava
de uma vida com dignidade, no país de acolhimento, para a poder ter no seu país de
origem, mesmo que não usufruísse desse bem-estar. A qualidade de vida, habitação,
mobiliário, gastos com os tempos livres era reduzida ao mais elementar.
A família portuguesa tendeu sempre a acentuar o aspeto da identidade, colocando de
lado qualquer apelo de integração, pois este era entendido e sentido como uma ameaça
à sua identidade. Os emigrantes portugueses procuraram sempre manter uma unidade
cultural que os impedia de integrar as sociedades onde se inseriam, mantendo sempre
a esperança e o desejo de regressar ao seu país de origem. No entanto, “a dinâmica
de uma sociedade multicultural e intercultural assenta, por um lado, na cultura da
autonomia, por outro, na obrigatoriedade da participação e o emigrante português,
fixado na ideia de regresso, sentia pouca vontade de participar e de se integrar na nova comunidade.”
Gradualmente, este tipo de emigração sofreu alterações. Se o projeto primeiro era
angariar o máximo de dinheiro no mínimo de tempo, para poder regressar, cedo a
família deu-se de conta que esse projeto económico não era realizável no espaço de tempo sonhado e, prolongando-se, entrava em conflito com outros objectivos importantes
- A formação escolar das crianças exigia o adiamento do regresso e obrigava a uma certa integração de facto, em conflito com a ideia do regresso.
- A redistribuição de papéis na família, muitas vezes de forma pouco fiel à tradição,começava a afirmar-se à medida que as mulheres encontravam formas de trabalho remunerado.

II.- TESTEMUNHOS

1.-A costura é a minha paixão desde pequena

A 3 de janeiro de 1956 nasceu Maria do Rosário Abreu de Freitas, no Porto da
Cruz, Madeira. Com apenas 2 anos de idade, partiu a bordo do navio Santa Maria
acompanhada pela mãe e pelo irmão mais velho (Manuel), com destino à Venezuela,
país onde o pai já vivia há um ano. Terra nova, vida nova. “A minha mãe conta sempre que quando chegámos à Venezuela, o meu pai perguntou se ela queria uma ‘malta’, e ela pensou que se tratava de uma multidão de pessoas e não compreendia bem o que é que ele lhe queria dar, até que lhe explicou que se tratava de uma bebida semelhante a um refrigerante”, conta Abreu, entre risos. Viveram em Flores de Cátia, no edifício Diamante, “e ali conheci a minha melhor amiga de criança e com quem ainda mantenho contacto constante, Fátima dos Reis, e também ali nasceu a minha irmã Maria Dolores.”
Depois foram viver para San José, onde nasceram mais duas irmãs, a quarta e a quinta,
Maria de Fátima e Margarita Matilde. “No ano seguinte, mudámo-nos três vezes. De
San José fomos para a estrada velha de 'La Guaira', 'El Cementerio' e depois para 'San Agustín'. Ali nasceram mais dois irmãos, Juan António e José Luís”, conta Abreu.
Passados uns anos, o seu pai comprou uma casa em 'El Junquito', na urbanização Luís
Hurtado, onde nasceram os três últimos irmãos de Abreu: Ana Isabel, Joaquín Miguel e
Maria Mercedes. “Mudámo-nos no ano do terramoto, em 1967; recordo-me que eram 8
da noite e estávamos a ver o Miss Venezuela quando começou tudo a mexer”, recorda.

Entre a família e a moda.
Rosário Abreu ajudava a mãe a cuidar dos 9 irmãos e nos tempos livres inventava vestidos para as bonecas e até para os seus irmãos. “Recordo-me que tinha uma boneca que se chamava Rosa/Luís, era como ter dois em um, porque quando fazia roupa de menina, chamava-a Rosa e quando a vestia com roupa de rapaz era Luís. Fazia sempre muitos trajes com os pedaços de tecido que a minha mãe deixava”, conta. Aos 15 anos, pediu uma máquina de costura. “O meu pai sabia que eu gostava de costura e que o fazia muito bem e assim ofereceu-me uma máquina. Para mim foi o máximo”. Dias depois, viu no jornal que estavam abertas inscrições para o Instituto de Superação, para um curso de corte e confeção por correspondência, ministrado a partir de Nova Iorque. Tirou o curso num ano e com apenas 16 primaveras, Abreu começou a trabalhar numa fábrica, aos poucos foi adquirindo as suas próprias clientes. “Lembro-me que fiz um vestido de primeira comunhão azul com chapéu e tudo”.
Em setembro, conheceu o marido, Manuel Correia Gonçalves Pereira, natural do
Campanário, Madeira, e em Dezembro do ano seguinte casaram-se. “Ele era dono dum
supermercado no quilómetro 12 de 'El Junquito' e foi levar uma encomenda a casa.
Depois de conhecer-me, pediu a minha mão, passados 15 dias”. Tem quatro filhos: Manuel, Juan David, Nahir Olinda e Jeysell Daniela; e cinco netos. “Há 13 anos,
Bernadete Sousa Pires, que tinha uma loja no Centro Vista, precisou de uma modista.
Trabalhei lá 10 anos. Aprendi muito, ganhei experiência e clientes”. Há três anos,
tornou-se independente e criou o seu próprio atelier, no centro Comercial El Castillo, no quilómetro 13 de El Junquito. “Ali tive o prazer de fazer o vestido de Dayana Mendes, a primeira finalista do Centro Português de há dois anos”. Refere que é a modista e designer de muitos dos trajes usados pelas senhoras das comunidades portuguesa, italiana e árabe.
Um ano depois de ter aberto o seu próprio atelier, o marido morreu. “Infelizmente
enviuvei mas sempre lutei com a minha família e apesar das adversidades, nos
mantivemos unidos.” Desde criança Maria do Rosário Abreu acredita que Deus sempre
a ajudou e a abençoou ao longo da sua vida, assim como à sua família. “Graças a Deus
por tudo o que me deu”.

2.-Madeirense de nascimento, Portuguesinha de coração

A cultura e as tradições portuguesas ganham vida todos os dias nestas terras
venezuelanas e Maria da Câmara Araújo é uma digna representante disso. Proveniente
do sítio do Ribeiro Loiro, freguesia de Santa Cruz, Madeira, esta lusitana tem 37 anos no país, contados desde que aterrou na Venezuela, em agosto de 1974. Quando chegou a Maiquetía, trazia consigo os dois primeiros filhos da sua união com Florentino das Neves Rodrigues. Ainda nasceram mais dois, mas infelizmente a mais velha faleceu anos mais tarde, em terras lusas. Como a maioria das mulheres madeirenses, Maria, a mais velha de seis irmãos, foi criada entre a agricultura, as tarefas de casa e a necessidade de conseguir algum dinheiro para o seu sustento. Também trabalhou como bordadeira desde muito pequena. O marido, Florentino, saiu de África rumo à Venezuela. Seis anos depois, mandou buscar a mulher. Ela ainda recorda a sua primeira casa com telhado de zinco na cidade de Acarígua e o seu trabalho como ajudante do marido na limpeza do negócio e no trabalho em casa. No início angustiou-se muito pelas diferenças culturais: Um idioma novo e uma comida à qual não estava habituada. No entanto, em breve viria o maior golpe, quando o marido perdeu o negócio, mas os tempos melhoraram. Ao adaptar-se ao tipo de vida e amoldar-se aos costumes 'crioulos', Maria decidiu mostrar à comunidade tudo o que tinha aprendido na infância e juventude, fez-se famosa na sua localidade pelos seus saborosos bolos do caco. E não é para menos: Chegou ao ponto de partilhar os seus segredos de cozinha e ensinar aos habitantes da zona para que aprendessem a elaborá-los.
Uma das coisas pela qual também é famosa na sua zona é pela cura do mau-olhado.
E Maria ainda tem tempo para bordar e deixar aos netos algumas recordações. Vive
orgulhosa de ter conseguido inculcar as raízes lusas nos seus filhos. Participou em peças de teatro com a história da Virgem de Fátima, cantou em grupos folclóricos e reviveu a sua infância em três visitas a Portugal. Para Câmara, viver em Acarigua é como estar na sua terra natal: Tem bons amigos venezuelanos mas por coincidência todos os seus vizinhos são portugueses. E ainda que as visitas ao seu país de origem não tenham sido frequentes, esta mulher faz o impossível por ser uma portuguesa em terras bolivarianas.
Como dado curioso, Maria conta que o sobrenome Câmara vem da sua avó, nascida
em 1882 e abandonada num cesto de vimes à porta de uma mercearia. Um homem que
passou por lá recolheu-a e decidiu levá-la à Câmara Municipal, onde lhe colocaram o
nome de Maria da Câmara. Para além de ter o mesmo nome que ela, também conserva
uma colcha que lhe pertencia que cuida com especial carinho.!

3.-As flores fazem-me feliz

Nascida a 13 de Janeiro de 1949 no sítio dos Picos, nos Prazeres, Calheta, e criada na Ponta do Pargo, no mesmo concelho, Maria Irene Rodrigues é uma mulher trabalhadora
que acorda todos os dias com o propósito de ser feliz fazendo o que mais gosta: Estar
rodeada das plantas mais belas, as do seu viveiro. É a mais velha de seis irmãos e a
que durante muito tempo velou por eles e pela sua mãe, Maria José Abreu, natural da
Ribeira Brava, já que o pai, Manuel Rodrigues, oriundo dos Prazeres, tinha vindo para a Venezuela em busca de uma melhor vida para a família.
“Muitas vezes não podia ir à escola porque tinha de cuidar da minha mãe quando
ela ficava doente. Era eu que muitas vezes levava as rédeas da casa”, recorda com
nostalgia, clarificando que tanto ela como os seus irmãos, terminaram a primária. A pouco e pouco, a sua família foi vindo para a Venezuela. A mãe, ajudando um dos
irmãos a fugir da tropa, trouxe-o para a Venezuela, e aqui ficaram todos. “A minha mãe decidiu não voltar à ilha porque na Venezuela conseguiu mais oportunidades para ter trabalho, e passado um tempo mandava dinheiro para as minhas irmãs e para mim”,
conta Rodrigues. Ficou na Madeira sozinha com duas irmãs até aos 16 anos de idade. “Graças a João Rosário, da Ponta do Pargo, nós tivemos uma casinha onde viver durante um ano, depois de a minha mãe ter vindo embora e nós termos ficado as três sós. Ele emprestou-nos um quarto com cozinha onde vivemos até que nos mandaram buscar”, recorda Maria Irene, acrescentando que a carta de chamada era para ela e para outra das suas irmãs, já que a mais nova devia ficar sozinha na ilha, ao que Rodrigues respondeu: “Ou vamos as três ou não vai nenhuma”. Foi assim que chegaram as três à Venezuela, no navio Henrique C.
Nova terra, novos sonhos. Ao chegar à Venezuela, em 1968, começou a trabalhar a
terra junto com os seus pais num terreno situado em 'El Hatillo'. “Ajudava-os a colher as verduras”, recorda. Uma emigrante portuguesa chamada Virgínia e oriunda da Calheta ajudou-a a conseguir trabalho, e colocou-a imediatamente num casa de família, e nessa mesma noite, com apenas 19 anos, foi viver para o local onde trabalhou durante um ano. Passado esse tempo, regressou à família e trabalhou em 'El Hatillo' durante mais de seis meses na terra, cuidando das hortaliças. Depois, apareceu na sua vida Alberto Rodrigues, natural dos Canhas, com quem está casada há 42 anos e de quem tem dois filhos: Carlos Alberto e Maria Isavette Rodrigues. Tiveram uma padaria durante sete anos, mas a sua verdadeira paixão eram as flores, pelo que abriram o viveiro 'Los Nietos', na 'Cortada El Guayabo'. O filho também trabalha no viveiro e ajuda os pais no negócio. A filha, que estudou informática, passa ali os fins-de-semana. “Adoro quando os meus netos vêm e desfrutam dia e noite em contacto com a terra, com as plantas”, confessou Rodrigues.
“Adoro ‘inventar’ no viveiro, o melhor que faço é conseguir obter várias cores nas
jarras e nos lírios, isso faz-me imensamente feliz”, e confessa que as suas favoritas são as jarras Rabinho de Porco. Rodrigues diz que ter um viveiro é trabalhoso, “há que regar, alimentar, plantar, atender, mas adoro tudo o que faço”. O que mais sente falta da Madeira são os noivos, e entre risos, confessa que “foi o mais bonito, os melhores momentos.”
Após 37 anos, voltou à Madeira, “a ilha está muito mudada, muito bela, mas sinto que
já não me dou lá.” O seu local favorito continua a ser a Ponta do Pargo, “as pessoas têm mais calor, são mais próximas que no resto da ilha. Fiz ali toda a minha vida, os meus sacramentos, a escola, tudo”. Apesar de ter passado maus momentos, os bons foram
mais, e fizeram de Maria Irene Rodrigues a mulher forte e trabalhadora de 62 anos que é hoje em dia.!

4.-Ana Pereira de Almeida.
Chegou sem nada nos bolsos, mas os seus conhecimentos na costura permitiram-lhe progredir, quem a conhece identifica-a pela sua cabeleira totalmente branca e o seu bom humor, perante qualquer situação. Essa cabeleira é o reflexo de anos de esforço e essa simpatia foi-se forjando perante as adversidades. Ana Pereira de Almeida nasceu em Oliveira de Azeméis (distrito de Aveiro) a 29 de agosto de 1927. Os seus pais, José da Costa Almeida, era ferreiro. A sua mãe, Maria Pereira da Silva, vendia tecidos nos mercados (feiras). Ambos trabalharam intensamente para fazer face às necessidades básicas de Ana e das suas irmãs, Maria da Conceição e Amélia, num Portugal onde a situação económica piorava a cada dia que passava.
Aos 16 anos, conheceu António Soares de Oliveira Maurício, que a pouco e pouco
a foi conquistando com as suas atitudes de cavalheiro e as suas picardias. Depois de
vários encontros na Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis, lugar onde António
trabalhava, decidiram casar-se. Perante a ditadura de Salazar e a difícil situação do país, decidiram começar de zero e emigrar, indo em busca de novos horizontes. Foi então que apanharam o navio Francisco Morocini em Lisboa, com destino à Venezuela.
Depois de um mês de navegação, chegaram ao mar venezuelano a 12 de abril de 1952.
No entanto,por ser Semana Santa, permaneceram em alto mar durante três dias. Uma
vez em terra firme, dirigiram-se a 'Propatria', lugar onde um velho amigo lhes arrendou uma casa. Essa casa converteu-se logo numa oficina de sapatos: Ana e António
dedicaram-se à costura de sapatos. Com o passar dos meses e a aparição de novas
oportunidades, António começaria a trabalhar para a Cervejaria Caracas como vendedor
e Ana para duas prestigiosas marcas de sapatos. Por essa altura, Ana teve de enfrentar a morte do pai à distância. Em 1955, decidem arrendar uma nova casa em 'Puente Hierro'. Ali, a vida lhes daria uma bonita surpresa e receberam a sua primeira filha no dia 7 de outubro: Ana Maria. Oito anos depois, uma segunda flor, a 24 de fevereiro de 1963: Marisol. O tempo continuou a conspirar a favor do casal e deu-lhes a oportunidade de comprar um apartamento no município 'Chacao', em 1965. Ana continuou com o seu ofício de costura de sapatos e António passou
por diferentes ofícios: Venda de licores, de câmaras fotográficas, num local próprio
e até vendedor de seguros. Ana recorda com tristeza que em 1978 teve de viajar até
Portugal pois a saúde da sua mãe era cada vez mais delicada. Nesses meses, esteve
longe da filha, que fazia 15 anos, uma ocasião que celebrou sozinha com o pai. Em breve regressaria à Venezuela, com o pressentimento de que meses mais tarde seria confrontada com a morte da mãe. A sua perda mais valiosa foi em fevereiro de 2006, quando António, o seu eterno companheiro de vida, fechou os olhos de forma inesperada. Ana Pereira enfrentou a situação agarrando-se intensamente aos filhos e
aos seus três netos. Atualmente tem 82 anos, mas assegura sentir-se com 28. Sente-se
bastante orgulhosa de ter suado bastante para dar um futuro às suas filhas. Sem lugar
para dúvidas considera-se uma“venezuelana de coração”. E neste país fazem falta pessoas como ela para preencher de alegria e trabalho honesto.

5.- Aqui tenho tudo e não saio. Maria do Carmo Pimentel é de São Miguel, Açores, e
emigrou para a Venezuela há mais de 50 anos, para estar com o marido e dar aos filhos
uma melhor qualidade de vida. Esta açoriana conta que se casou em Portugal, mas por insistência do marido em querer tentar um futuro melhor fora do seu país de origem, viajou para a Venezuela, onde já tinha família, e iniciou uma nova etapa da sua vida. “Casei-me com 22 anos e passado pouco tempo, o meu marido veio para este país. Fiquei grávida e passado quase um ano, enviou-me uma carta de chamada para que viesse”, recorda. Durante o tempo em que esteve sozinha, Maria do Carmo dedicou-se aos trabalhos da casa e a cuidar da sua filha primogénita, Carmélia. Passados nove meses, esta açoriana embarcou no ‘Santa Maria’, em 1959, e rumou a terras de Bolívar. “Quando cheguei para encontrar-me com o meu marido, fiquei surpreendida pela beleza de 'La Guaira'. E estava ansiosa por estar com ele e mostrar-lhe a nossa primeira filha”, recorda. Uma vez em solo 'crioulo', Maria do Carmo começou a trabalhar na costura, em casa, ao mesmo tempo que cuidava dos filhos. “Sabia costurar e procurei clientes para fazer todo o tipo de arranjos de roupa e confeção de vestidos”.
O casal teve mais três filhas para além de Carmélia. “Tivemos um casamento unido
e trabalhámos para dar tudo o que os nossos descendentes precisavam”, acrescenta.
Esta emigrante açoriana conta ainda que foi à sua terra em duas oportunidades, para
visitar uma das filhas, que vive em Portugal. “Cada vez que chego lá, tenho sentimentos recorrentes, mas é agradável, é uma sensação indescritível”, assinalou, manifestando que Portugal é a sua terra mas que a Venezuela é o país onde se desenvolveu como pessoa. Talvez por isso, Maria do Carmo diz que não troca a Venezuela, porque “aqui tenho tudo, e não saio”. Esta lusa espera poder continuar a visitar a sua ilha e apreciar a evolução do seu país ao longo dos anos. “O meu coração é português e venezuelano porque tenho em ambos os países coisas valiosas e que amo”, concluiu Maria do Carmo.!

III.- IDENTIDADE DA MULHER LUSO-VENEZUELANA

Inserir-se numa sociedade cujos valores políticos, culturais, sociais e económicos
diferem daqueles do país de origem, juntamente com as dificuldades linguísticas, é a
principal problemática de qualquer comunidade emigrante. Os filhos de portugueses
eram dos grupos menos representados no ensino secundário e nas universidades até meados do século XX. Portugal, ainda estava sob um regime ditatorial fascista e apresentava traços duma sociedade agrária, atrasada e subdesenvolvida. Para se
entender a situação da mulher portuguesa devemos assinalar que “era encarada como
célula social básica de reprodução da ordem e das tradições culturais”. O trabalho
assalariado estava reservado aos homens, principalmente as atividades liberais e
as realizadas em órgãos públicos, cabendo às mulheres o de baixa qualificação e
remuneração. A mão de obra feminina era composta basicamente por mulheres
provenientes das classes mais baixas que se dedicavam principalmente às atividades
rurais e, nas zonas urbanas, ao trabalho como empregadas domésticas ou em pequenas
lojas.
A perda da identidade portuguesa pode, e em efeito acontece em muitos casos, na
segunda geração entre os filhos que alcançam o ensino superior. As mulheres que
atingem o ensino superior têm mais probabilidades de se inserirem na sociedade do país de acolhimento.

Estudos realizados assinalam duas vertentes nas razões que levaram a mulher a trabalhar fora de casa:
1.- A precária condição financeira da família de origem assim como a precária condição económica da família constituída depois do casamento. Nestes casos a mulher não continuou os seus estudos secundários.
2.- As mulheres de famílias com boas condições económicas ou de famílias com
bom nível educacional atingiram o ensino superior e exercem funções na docência,
administração pública, meios de imprensa, etc.
Através de testemunhos podemos constatar que a educação familiar teve um peso
significativo na formação e na vida das mulheres de origem portuguesa, tendo muitas
delas relatado que os pais eram severos e austeros, ensinando principalmente os
costumes da sociedade portuguesa. Relatam que tiveram uma educação diferenciada em comparação aos irmãos, pois, não gozando de nenhuma liberdade, deveriam ser
acompanhadas sempre que saíam de casa, seja pela mãe ou por um irmão. Os pais
controlavam bem de perto a sua vida até ao casamento, para entregar a filha "intata" ao futuro marido. No entanto, as mulheres da segunda geração, que atingiram um nível educativo superior, são pessoas na maioria das vezes com uma identidade ambígua. Conhecem bem os padrões da pátria dos seus pais, não partilham a sua rigidez, mas gostam dos seus hábitos alimentares e das reuniões familiares aos domingos e nos dias de festa. No entanto, já não conseguem ter grande fluência na língua dos pais, limitando o seu vocabulário ao indispensável para a comunicação doméstica. Isto traz como consequência que seja mais fácil expressarem-se na língua do país onde vivem e muitas vezes já nem se identificam como portuguesas.

IV.- A ATUAL MULHER LUSO-VENEZUELANA

Em março de 2011, com motivo do Dia Internacional da Mulher, um jornal local, O
Correio de Venezuela, falou de várias mulheres na diáspora luso-venezuelana, o que me
parece muito ilustrativo para demonstrar a reafirmação da mulher luso-venezuelana.

1.- Sociedade de Beneficência de Damas Portuguesas:
Actualmente, a responsável pela liderança das damas lusitanas é Mary Monteiro, que, com o seu temperamento e a sua paixão pelo trabalho social, tem dado importantes contributos em benefício dos mais necessitados. No entanto, não está só: É acompanhada por Teresa de Fernandes, Maria Fátima Pita, Mari Cova, Luz Da Silva
Branco, Maria Eugénia de Freitas, Maria José Vieira.
A Sociedade de Beneficência de Damas Portuguesas ajuda também instituições
venezuelanas como a Avepane, Hospital de Crianças J. M. de Los Ríos, Asocirpla,
Fundana, Fundação Padre Pio, entre outras. Para além disso, faz donativos permanentes
a algumas famílias e ajuda algumas pessoas em processos cirúrgicos e no tratamento de
doenças. Outro importante trabalho levado a cabo pelas Damas Portuguesas é a administração do Lar Padre Joaquim Ferreira. Neste caso, as pessoas encarregues de dirigir a instituição são Maria Inocência da Silva, Vera Natália Bastos, Maria Rosa Martins, Crisanta Campos, Manuela Rodrigues, Maria José Abreu, Maria Augusta da Silva, Natália Rodrigues, Maria Fernanda Moreira, Alda de Sousa e Jeanethe Sousa.

2.- Academias da Espetada

Foi no ano 2003 que Noemi Coelho, acompanhada por um grupo de mulheres habitantes de Maracay, estado Aragua, organizou a primeira Academia da Espetada na região. A ideia era simples: Fazer um jantar mensal durante o qual um grupo de mulheres comessem espetada e angariassem dinheiro para obras de beneficência. Actualmente, a Academia estende-se a Caracas e Barquisimeto. É ainda esperada a criação de uma terceira filial no estado Carabobo.
A Academia da Espetada de Maracay organiza tertúlias de beneficência há oito anos.
A atual presidente, Ana Maria Abreu, conta com o apoio de Fátima Fernandes de
Pestana, Adriangela Gonçalves, Fátima Soares, Ana Maria de Veracruz, Maria Helena
de Veracruz, Salomé de da Silva, Maria Graça de Canha, Micaela Varguem, Conceição
Figueira, Elisabety de Abreu, Maria José Gonçalves, Jovita Da Silva e Manuela
Fernandes.
A Academia da Espetada de Caracas foi criada a 18 de maio de 2009. Conta com a
orientação de Sílvia Henriques, acompanhada por Maria Couto, Mónica da Silva, Elsa
Abreu, Maria Odília Rodrigues, Maria Luísa Nunes, Maria José Farias e Ana de Castro,
e mais de 100 mulheres que se reúnem mensalmente em diferentes restaurantes e salões
de banquetes da capital. Meses mais tarde, a 19 de Outubro de 2009, Trinidad Macedo teve a ideia de organizar a Academia da Espetada em Barquisimeto, estado de Lara, onde, junto com Maria Matias, Fátima Macedo, Maria Mestre, Irene Ferrão, Conceição de Sousa, Teresa da Silva, Janeth Farias e Eleonara Soares, já realizaram 15 encontros.

3.- A presidente da Câmara Municipal de El Hatillo

Myriam do Nascimento. Licenciada em Publicidade e Marketing, e com cursos em
áreas como Gestão e Legislação Municipal, Administração Tributária, Participação
Cidadã e Controlo de Gestão, trabalhou durante 25 anos no sector público.

4.- Assembleia da República

Deputada do partido do poder Desireé Santos Amaral: Licenciada em Jornalismo
e defensora acérrima dos direitos individuais, passou das páginas dos jornais aos
meandros da Assembleia Nacional venezuelana

5.- Conselheiras Das Comunidades Portuguesas

a.- Lic. Maria de Lurdes De Almeida- professora de línguas, magister em
planificação educativa, condecorada em várias oportunidades pelo seu desempenho
laboral dentro e fora da comunidade.
b.- Estela Lúcio- presidente da Associação dos Filhos de São Vicente, empresária.

6.- Executiva na área farmacêutica

Noreles Mendonça Mendes- luso-descendente iniciou o curso de Farmácia na Universidade Central de Venezuela. Em 2002, saiu já licenciada, com especialização em Análise de Medicamentos. Posteriormente, fez uma pós-licenciatura também na UCV, juntando ao seu currículo uma especialização em marketing de empresas. Começou a trabalhar de imediato numa farmácia, para depois integrar a equipa de profissionais de um laboratório nacional. Mas também se manteve durante pouco tempo, pois, passado menos de um ano, assinou um contrato para trabalhar na Sanofi–Synthélabo. Desde 2004 trabalha nesta empresa farmacêutica, que hoje se chama Sanofi-Aventis.

7.- ARTES E ESPECTÁCULOS

a.- Marlene de Andrade: Esta modelo e atriz luso-venezuelana, depois de passar pelo
Miss Venezuela 1997, iniciou uma carreira como modelo em diferentes países. No
regresso à Venezuela, foi escolhida para encarnar ‘Pipina’ na novela ‘Carita pintada’. Daí seria sempre a subir, participando noutras produções como ‘Mis tres hermanas’, ‘La soberana’, ‘Trapos íntimos’, ‘Mujer con pantalones’, ‘Arroz con leche’, ‘La vida entera’ e ‘La Mujer Perfecta’. Isto sem contar com o papel no filme ‘La señora de Cárdenas’ e ainda as fotografias como ‘Chica Polar’.
b.-Marjorie de Sousa: Esta atriz começou a sua carreira artística aos 12 anos em
alguns comerciais para televisão. É em 1999, depois da passagem pelo Miss Venezuela,
que inicia a sua carreira como atriz de televisão, nas telenovelas ‘Amantes de Luna
Llena’, ‘Guerra de Mujeres’, ‘Gata salvaje’, ‘Mariana de la noche’, ‘Rebeca’, ‘Ser
bonita no basta’, ‘Y los declaro marido y mujer’, ‘Amor Comprado’, ‘¿Vieja yo?’, ‘Pecadora’ e ‘Sacrificio de Mujer’. Destaca-se também o seu desempenho como
modelo para marcas conhecidas como a Polar e a Pepsi-Cola.
c.-Myriam Abreu: A jovem atriz luso-descendente saltou para a fama depois de participar no certame de beleza mais importante do país, onde representou o estado
de Miranda. Desde então, a sua carreira se desenvolveu com participações no talk
show ‘Cásate y Verás’ e na série juvenil ‘Túkiti’. Depois interpretou personagens nas
telenovelas ‘La Trepadora’, ‘Necesito una amiga’ e ‘Libres como el Viento’.
d.-Aileen Celeste: Esta luso-descendente começou a sua carreira no ‘El club de los
tigritos’ e como animadora de ‘Toda acción’. Posteriormente, iniciou a sua carreira de atriz com as telenovelas ‘Jugando a ganar’ e ‘Calipso’. Depois de seis meses a trabalhar como modelo no México, regressou à Venezuela para participar nas telenovelas ‘La niña de mis ojos’, ‘Mi gorda bella’, ‘La Cuaima’, ‘Natalia de 8 a 9’, ‘Mujer con pantalones’, ‘Por todo lo alto’ e ‘Nadie me dirá como quererte’. Isto sem contar com a sua participação nos comerciais da Chinotto, Coca-cola, Wella e Biotherm.
e.-Laura Vieira: É comunicadora social, estudou jornalismo audiovisual na
Universidade Católica Andrés Bello (UCAB) e licenciou-se em Gestão. De sublinhar
que depois de ter sido avaliada pela sua tese universitária, obteve o segundo lugar do prémio Eduardo Frías e uma bolsa para estudar no exterior, assim viu publicado grande parte do seu trabalho. O profissionalismo desta luso-descendente foi observado por milhares de espetadores em ‘El Informador’, ‘Sálvese Quien Pueda’ e na apresentação de programas como o Miss Mundo e Miss Universo.
f.-Catherine Correia: Com apenas 9 anos de idade, esta atriz iniciou a formação
artística ao estrear-se nos palcos com ‘El Libro de la Selva’. Aos 19 anos, começou os estudos de Filosofia na Universidade Católica Andrés Bello, que não continuou por diversos compromissos artísticos. Quatro anos depois participou em três obras
consecutivas: ‘Buster Reatón’, ‘Submarino Amarillo’, ‘Cuentos de Sábado’ e ‘Yerma’.
Em 1993, começaria a sua fama ao animar o ‘Club Disney’ na RCTV e com a participação nas telenovelas ‘El Desafío’, ‘Entrega Total’, ‘Llovizna’, ‘Cambio de Piel’, ‘Aunque me cueste la Vida’, ‘Carita Pintada’, ‘Viva la pepa’ e ‘La Cuaima’.
g.-Flor Helena Gonzalez: Iniciou a sua carreira aos 10 anos de idade no espectáculo ‘Domingos con Popy’. Tempos depois, iniciou a formação em representação e participou nas telenovelas ‘María Soledad’, ‘Por estas calles’, ‘La Dueña’, ‘Doña Perfecta’, ‘El Hombre de hierro’, ‘Amores de fin de siglo’, ‘Cambio de piel’, ‘Mis tres hermanas’, ‘La Soberana’, ‘Juana, la Virgen’ e ‘La Cuaima’.
h.-Vanessa Gonçalves: Nasceu a 10 de fevereiro de 1986 e fez vibrar a comunidade
lusitana a 28 de Outubro do ano passado, ao ser coroada como a primeira Miss
Venezuela de origem portuguesa. Estudou na faculdade de Odontologia da Universidade Santa Maria, e no seu primeiro ano de reinado, Vanessa tem participado em diversos programas televisivos nacionais e internacionais, convertendo-se numa das figuras do ano no mundo.

V.- CONCLUSÃO

Se bem é certo que nos princípios da emigração portuguesa, no que se refere à
Venezuela, observamos a típica emigração da mala de cartão, a saudade do país que
deixaram atrás e da família que só voltariam a ver depois de muitos anos, não é menos
certo que esta emigração logrou inserir na comunidade venezuelana e trespassar as
barreiras culturais e linguísticas que num principio lhes parecia quase impossível. Os portugueses estão hoje perfeitamente integrados na cultura, na sociedade e na vida
económica venezuelana. No entanto também observamos que as novas gerações estão a afastar-se das raízes portuguesas. É por isto que Portugal deve reforçar a relação ibero-americana, que deve passar pelo fortalecimento nas áreas política e económica, mas também pelas educativa e cultural. Não podemos perder de vista que o multiculturalismo e a globalização são fenómenos crescentes e irreversíveis.

VI.- BIBLIOGRAFIA

.- Revista Eletrónica de Geografia e Ciências Sociais - Universidade de Barcelona.
Nº 94 (30) 1 de agosto de 2001. Prof. Dr. Jorge Carvalho Arroteia - Universidade de
Aveiro
.- RTP- Ei-los que partem- A História da Emigração Portuguesa-Serie Documental
.- Memórias da Emigração Portuguesa- Porque emigram os Portugueses- Carlos Fontes
.- Jornal Correio de Venezuela
.- Os Portugueses na Venezuela- -Nancy Gomez- 2010
.- Cadernos Ceru- História da Mulher Migrante
.- Imaginário.- Junho 2007- ISSN 1413-666X

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