quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

COMUNICAÇÃO DE OLGA ARCHER MOREIRA

Homenagem à Tia Maria Archer

Em nome de todos os familiares de Maria Archer apresento os agradecimentos à
Associação de Mulheres Migrantes pela homenagem que aqui, hoje, lhe está a ser
prestada. A Associação convidou o Prof. Fernando Pádua para prestar o seu tributo a Maria Archer, sua tia, neste encontro. Por motivos de força maior não lhe foi possível aceitar tão honroso convite e solicitou-me que, como sobrinha neta, viesse falar-vos um pouco da minha tia-avó. Foi com muito prazer que aceitei e... aqui estou.
Nas várias pesquisas que fiz sobre a minha tia-avó, encontrei, com dor, a referência
a que tinha morrido no esquecimento. Apesar do acompanhamento até ao fim dos
familiares, sou obrigada a concordar. Pode ter morrido no esquecimento, mas não foi nem será esquecida como agora aqui demonstramos, homenageando-a pelas suas manifestações de cidadania, pela obra que nos deixou.
Mas é verdade. Uma mulher da dimensão de Maria Archer não podia ter morrido
como ela, oito anos depois do 25 de Abril. Os seus ideais, a luta pela dignificação da mulher que a levou a sofrer na pele as investidas da ditadura e dos “costumes” organizados de então, mereciam que um país já em plena democracia lhe manifestasse um maior reconhecimento. Mas nunca é tarde. Como diz o professor Eduardo Lourenço, “um tempo é todos os tempos. Não antecipa só o futuro. Recicla todos os passados”. Por isso, aqui estamos, revisitando o passado, com um olhar do presente e a pensar no futuro, sabendo que a nossa imaginação do futuro está ligada aos conceitos que
já trazemos. Na madrugada de 4 de Janeiro de 1899, em Lisboa, na freguesia das Mercês, nasceu Maria Archer, de seu nome Maria Emília Archer Eyrolles Baltazar Moreira, filha de pai alentejano e de mãe também alentejana, neta de irlandeses a viverem em Portugal. Nos anos seguintes nasceram os cinco irmãos, João, Natália, Irene, Isabel e Eugénia. Segundo as irmãs, Maria Archer era a preferida da mãe, talvez por ter sido a primogénita.
Em 1910, com 11 anos, partiu com os pais e com 4 irmãos para a ilha de Moçambique, onde o pai foi exercer a função de gerente numa agência bancária. Viveu até 1913 na ilha a que chamou “ilha de coral branco”.
No ano da implantação da República Portuguesa, tiveram início as suas viagens até
ao continente africano, como ela própria reconheceu no seu livro “Brasil, Fronteira
da África” publicado em 1963, no Brasil: “No 1.º quartel deste século era eu menina, meu pai foi colocado na agência de um banco em Moçambique. Daí derivou a minha odisseia de africanista. Indo e vindo, passando uns tempos em Portugal e outros em África, foram-se quatorze anos da minha vida na terra tropical que só reencontrei no Brasil”. Em 1914, regressa a Portugal, vivendo na linha de Cascais, em Algés e,
posteriormente, em Santo Amaro. Nesta altura, 1915, terminou os seus estudos da
4.ª classe no Colégio Europeu. Em 1916 volta a partir com os pais, o irmão João, meu avô, um ano mais novo, e a irmã Isabel. Desta vez rumou até à Guiné, “a verdadeira África maravilhosa”. Aqui viveu um ano em Bolama e outro em Bissau. Em 1921, o pai foi trabalhar para o Banco Nacional Ultramarino em Faro. Em Agosto desse ano casa com Alberto Teixeira Passos, que tinha conhecido na ilha de Moçambique. Após o casamento, vai viver em Ibo-Moçambique durante cinco anos. Em 1926, como consequência do desemprego que atingiu o marido, o casal regressa a Faro, indo depois para Vila Real de Trás-os-Montes, donde era oriunda a família de Alberto. Em 1931 encontra-se já oficialmente separada do marido. E regressa a Angola para viver com os pais até 1934.
Em 1935 regressa a Portugal, indo viver com uma tia materna e, posteriormente, em
quartos alugados e em casas de amigas. Vivia do seu trabalho de escrita para jornais
e revistas e das suas obras de criação. A convivência de Maria Archer com os irmãos foi intermitente. A vida familiar corria ora em Portugal, ora em África, obrigando, quer por motivos de estudo, quer d
Em 1916 volta a partir com os pais, o irmão João, meu avô, um ano mais novo, e a
irmã Isabel. Desta vez rumou até à Guiné, “a verdadeira África maravilhosa”. Aqui
viveu um ano em Bolama e outro em Bissau. Em 1921, o pai foi trabalhar para o Banco Nacional Ultramarino em Faro. Em Agosto desse ano casa com Alberto Teixeira Passos, que tinha conhecido na ilha de Moçambique. Após o casamento, vai viver em Ibo-Moçambique durante cinco anos. Em 1926, como consequência do desemprego que atingiu o marido, o casal regressa a Faro, indo depois para Vila Real de Trás-os-Montes, donde era oriunda a família de Alberto. Em 1931 encontra-se já oficialmente separada do marido. E regressa a Angola para viver com os pais até 1934. Em 1935 regressa a Portugal, indo viver com uma tia materna e, posteriormente, em quartos alugados e em casas de amigas. Vivia do seu trabalho de escrita para jornais e revistas e das suas obras de criação. A convivência de Maria Archer com os irmãos foi intermitente. A vida familiar corria ora em Portugal, ora em África, obrigando, quer por motivos de estudo, quer de saúde, a que algumas das irmãs nem sempre tenham acompanhado a família. Ainda assim, os laços de sangue são mais fortes. Esta união afectiva é retratada no conto Eu vi o pelicano abrir o peito, de 1944, em que Maria Archer, através da sua pena, suplica justiça para um jovem que quer crescer e não tem meios. Aos 17 anos, o sobrinho prodígio vê vedada a possibilidade de frequentar a sonhada universidade. A mãe, em desespero, apela à irmã que, com a forte arma da palavra, comova “aqueles que poder têm para ajudar o sobrinho”. Após regressar de Luanda, Maria Archer participou em várias conferências e palestras sobre o ultramar na Sociedade de Geografia de Lisboa, aos microfones da Emissora Nacional, em liceus da capital e em estabelecimentos militares. Os muitos anos vividos em África influenciaram a sua escrita. A projecção do telúrico é sempre uma das mais fortes influências na artista. A sua sensibilidade foi tocada pela paisagem primitiva dos trópicos e pela cor das terras do sol. Olhou para a natureza que a rodeava e pintou-a através da escrita. Primeiro o pai, depois o marido e, por fim, ela própria, deslocam a sua vida pelas terras onde o isolamento torna mais presente a realidade do mundo físico.Os seus livros estão frequentemente ligados a problemas sociais e às questões da condição feminina, aproximando-a, por vezes, do neo-realismo. Como afirmou em Revisão e Conceitos Antiquados em 1952:“A minha obra literária tem sido norteada pelo princípio vital de rebater o conceito arcaico da inferioridade mental da mulher.” O coarctar da liberdade de pensamento durante o período do Estado Novo, o isolamento social, a perseguição da PIDE, as apreensões dos seus livros e, consequentemente, a ausência de percepção dos seus meios de subsistência eram razões suficientes para se sentir obrigada a abandonar Portugal. Este exílio é consequência última do seu trabalho como repórter do jornal República. Foi credenciada como jornalista por Jaime Carvalhão Duarte, durante o julgamento de Henrique Galvão, em 1952. Estes apontamentos foram-lhe confiscados pela PIDE, conforme relata num artigo datado de 20 de Outubro de 1953 no jornal República, que intitulou “Um caso inédito de perseguição do pensamento”.Apesar de ter sido repentina a saída do país, dois ilustres escritores, Ferreira de Castro e Aquilino, acompanharam-na no momento da despedida, demonstrando a sua solidariedade e companheirismo naquele momento difícil. Laços estes que tinham sido firmados muitos anos antes e que se revisitam na carta de Ferreira de Castro, de 9 de Agosto de 1936, ao reafirmar: “Não é possível que depois de tantos anos de luta, a ideia duma Humanidade redimida num mundo justo possa ser
sufocada!De 1955 a 1971, a família pouco sabe de Maria Archer. Em 1973, através da carta ao sobrinho Fernando Pádua, sabe-se que solicitou que contactasse o então Primeiro - Ministro de Portugal, Professor Doutor Marcello Caetano, no sentido de lhe ser autorizado o regresso. O contacto foi realizado e a autorização foi concedida. E, que transmitisse o seu agradecimento a todos os familiares que contribuíram para lhe amenizar as agruras por que passou durante o tempo de doença.
Em 1979 regressa a Portugal, doente e já com 80 anos, seis anos após ter obtido
permissão e com um novo regime político. No regresso, e ao contactar com a família, dificilmente reconhece os sobrinhos que não via há 24 anos e não relaciona os sobrinhos-netos. No entanto, uma das suas características mantém-se inalterada
até ao fim: a vaidade feminina.Deixa-nos em 23 de Janeiro de 1982. Raul Rego, no artigo “Maria Archer”, datado de 02 de Fevereiro de 1982, para o Diário Popular, escrito dias após a sua morte, debruça-se sobre a actuação sócio -política da escritora em Portugal. O jornalista explana como a sua postura anticonformista a “afastou logo de muitos meios oficiais e de muitos salões de tertúlias, arrastando-a para os contactos com a oposição”. E prossegue: “Ela era uma mulher livre, escritora de garra, senhora de si e impondo-se pelo talento”, o que na altura, não agradava a muitos, a ponto da sua obra Ida e volta de uma caixa de cigarros (1938) ser apreendida. Em 1947 lança Casa sem pão, que, entretanto, fica apreendido, pelas malhas sombrias da censura e falta de liberdade do regime, por 20 anos. Passados mais de 100 anos o que ficou, então? Ficaram os valores e os princípios. Ficaram os fins e os propósitos. Ficou o espírito de pioneirismo.Não podia vir falar-vos da saudade que a minha idade e a diáspora não deixaram nascer. Mas a honra, sim, sente-se e está presente, em todos os familiares.
É uma honra muito grande, para mim, como mulher e portuguesa, ser familiar de
Maria Archer.
Muito Obrigada

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