sexta-feira, 4 de novembro de 2011

COMUNICAÇÃO DE LEONOR XAVIER

Novos Domínios de Afirmação da Mulher na Diáspora:


1. Antes de mais, sinto-me feliz por participar neste painel do Congresso em que muito justamente se reconhece e se refere e se distinguem e se evocam as mulheres portuguesas no mundo, e a sua crescente expressão nos planos da cultura e da cidadania. Nas questões de identidade e de intervenção cívica e política. Na preservação da memória e da língua portuguesa.

No Encontro de Estocolmo, em Março de 2006, entre as conclusões sobre a condição das Mulheres Migrantes se diz que é preciso em Portugal distingui-las, reconhecê-las, apoiá-las. Falar do seu nome e da sua obra. Tomo, assim, por exemplo de militância de cultura e cidadania, os casos de três mulheres cidadãs portuguesas e brasileiras, figuras públicas de obra feita e pensamento singular.

MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES - economista, nasceu em Aveiro em 1930, emigrou para o Brasil em 1954, pediu a nacionalidade brasileira em 1957. Professora emérita, ou jubilada da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é colega do Presidente Fernando Henrique Cardoso e líder de uma geração de economistas consagrados, foram seus alunos os dois candidatos à Presidência na última eleição no Brasil, Dilma Roussef e José Serra. Em Abril de 2011, festejou os seus 80 anos com 200 convidados na Casa do Minho no Rio de Janeiro, é torcedora do clube português de futebol, o Vasco da Gama. Dela, disse Dilma: “A Conceição é uma amiga e uma grande professora. É uma guerreira. Devemos agradecer a Portugal por ter-nos presenteado com essa brasileira.” Conceição Tavares, que empolga multidões de estudantes, em entrevista à televisão do Senado em dez de 2010 definia a economia como “o instrumento para melhorar social e politicamente uma nação” e aconselhava os jovens economistas: “Aprendam História, porque o modelo matemático não serve.”

RUTH ESCOBAR - atriz e produtora teatral, nasceu no Porto em 1936 e foi para o Brasil em 1951. Foi uma das figuras mais atuantes da cultura brasileira, polémica, intensa, lutadora, casada três vezes, mãe de cinco filhos. O seu nome está inscrito nos movimentos teatrais de vanguarda, e na coragem de fundar o Teatro Ruth Escobar em 1963, em São Paulo. Celebrizou-se na reação contra a ditadura militar e desafiou os setores mais conservadores da Igreja. Feminista e defensora dos direitos das mulheres, liderou a Comissão das Mulheres em Brasília, e foi duas vezes deputada estadual em São Paulo. Condecorada por Portugal e pelo Brasil, em 1998 recebeu a Legião de Honra do governo francês.

MARIA ADELAIDE AMARAL- jornalista, escritora e dramaturga, nasceu em 1 Julho de 1942 Distrito do Porto. Chegou a São Paulo em 1954, hoje é uma personalidade distinguida na inteligentzia brasileira, Em 1970, começou a trabalhar na Editora Abril Cultural, nos dezasseis anos em que foi jornalista na Abril, viveu momentos intensos, empenhou-se em causas, conheceu e conviveu com figuras memoráveis da sua geração. Autora de ficção televisiva, já nos anos 2000 adaptou Os Maias, de Eça de Queiroz para a televisão e O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de José Saramago, para o teatro, demonstrando assim o seu directo envolvimento com a cultura portuguesa, que sempre considerou sua matriz de leitura, escrita e formação, no Brasil. Solidária, acredita que a inclusão dos desfavorecidos decorre da arte, da educação e do desporto. Tem sido reconhecida, contemplada e prestigiada pelos mais importantes prémios de Teatro no Brasil. A sua obra literária tem destaque editorial, e as suas autorias de ficção em televisão, são referência para a memória a contemporaneidade brasileira. A sua ligação à cultura portuguesa, activa e actual, manifesta-se pelas relações pessoais, pelos projectos criativos, pela proximidade de afectos e emoções.


2. Não posso falar de Mulher na Diáspora Portuguesa sem a integração da atualidade num contexto mais amplo. Contexto ou cenário múltiplo, acumulado de exemplos de afirmação, de casos e contos, que exprimem o fio tecido ao longo do tempo, as esperanças, os desencontros e sobressaltos no percurso das mulheres que na diversidade das suas circunstâncias partiram para um mundo diferente, na condição de emigrantes.

Para me situar, procurei os estudos e os números. Não os entendo apenas como dados objetivos, mas vejo-os como retratos de uma família movimentada em acidentes de percurso que é a nossa, a condição dos portugueses, desde sempre itinerantes e divididos entre os que ficam e os que partem para sim ou não regressar. Guardo o pensamento de Agostinho da Silva sobre a missão messiânica de Portugal no mundo, pergunto-me se o seu imaginado reino do Espírito Santo é glorioso destino de sucesso, ou destino de lonjura, desgraça, pobreza.

De acordo com os dados das Nações Unidas, três por cento da população mundial, ou 150 milhões de pessoas, vivem e trabalham fora do país onde nasceram. Neste quadro, Portugal é o segundo país na União Europeia, depois da Irlanda, com maior número de emigrantes, 19 por cento da população residente total. E ainda ocupa o vigésimo segundo lugar no elenco de países com maior emigração no mundo. Portugueses nascidos em Portugal a viver fora são cinco milhões, e contando com luso-descendentes são 15 milhões os cidadãos de matriz portuguesa em todos os continentes, como o demonstra o Atlas das Migrações Internacionais.

Reconstituí, a seguir, a chamada antiga emigração do séx. XIX para o Brasil e os seus vestígios na literatura, retomei a notável coletânea de textos A Emigração na Literatura Portuguesa, organizada por A.M.Pires Cabral para a Secretaria de Estado da Emigração em 1985 (exemplo de serviço público, assim formalmente concretizado).

Continuei pelos anos 50 e 60, revejo os motivos da partida para os países da Europa e das Américas, os Estados Unidos, a Venezuela, o Canadá e , ainda, o Brasil A pobreza, a idade militar para a maioria dos emigrantes que hoje tem filhos nascidos fora de Portugal, e para muitos, a naturalização no novo país. Ou o exílio político para os emigrantes temporários, para os ameaçados ou perseguidos pelo regime, para os desertores que iriam regressar depois do 25 de Abril. Para todos, a oportunidade de trabalho, de negócio, de sobrevivência. A valorização pessoal e profissional. Para as mulheres, o entendimento das diferenças e a inteligência do mundo. O espaço da rua a ampliar o espaço da casa, como o antropólogo Roberto da Matta poderia definir a experiência do público e do privado, nos percursos de vida.

Segui os anos 80 e a rotas alargadas para outros países da Europa unificada, com o entusiasmo dos novos conceitos, das grandes mudanças a acontecer. E os anos 90, com um fluxo de 20 mil partidas anuais, mais do dobro apurado, em média, na década anterior. A Queda do Muro de Berlim e a reformulação do mundo, a propor diversidade de destinos, culturas diferentes. As experiências universitárias, a circulação de quadros qualificados, as itinerâncias dos emigrantes temporários, maiores para os homens do que para as mulheres. Reparei, como exemplo, que nos Estados Unidos havia cerca de 210 mil emigrantes nascidos em Portugal, pouco qualificados, e uma população de origem portuguesa de mais de 1,5 milhão de luso-americanos. No Canadá, mais de 210 mil nascidos em Portugal, e mais de 400 mil luso-canadianos.

Já nos anos 2000, a globalização a encurtar as distâncias e a agilizar as oportunidades. Nos últimos cinco anos, houve uma média de sete mil portugueses naturalizados em França, houve mais de quinze mil por ano a emigrar para Espanha, e na Suiça estabeleceu-se a segunda maior comunidade de estrangeiros, com 200 mil emigrantes portugueses. No mesmo período, foram doze mil a emigrar para o Reino Unido e dez mil para Angola, novos destinos. O Reino Unido, a propor graus universitários superiores, trabalho em comércio e restauração, investimentos em pequenos negócios. Angola, um destino aventuroso, desafiante, prometedor. E até para a Islândia, em 2010, há o registo de 22 portugueses a escolher este país, para mudar de vida. No extremo oposto do mundo, China e Macau, foram a escolha de outros 131.

Vistas as generalidades, de qual mulher se fala, quantas mulheres portuguesas são emigrantes? Calcula-se que nos primeiros anos do séc XX elas fossem cerca de 30 por cento nas comunidades emigrantes em São Paulo. Mulheres destinadas a bordéis ou à procura de casamento, pobres, mães solteiras ou órfãs, ou, em menor número, mulheres bem nascidas, senhoras de casa, praticantes de religião, dedicadas a obras de caridade.

De acordo com a Pordata, Base de Dados de Portugal Contemporâneo, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, entre 1992 e 2003 deixaram o país 6395 mulheres e 20613 homens, como emigrantes permanentes e temporários. No período anterior de 1960 a 1992, não há dados a diferenciar os géneros, o que poderá significar que só há vinte anos se atribui alguma importância à condição das mulheres e ao seu desempenho na expressão da cultura portuguesa no mundo. Na atualidade, vão sendo pingados mais pormenores. Leio, por exemplo, que no Reino Unido 53 por cento dos emigrantes são mulheres pouco qualificadas e que em Espanha são 39 por cento as mulheres, porque há recrutamento maioritário de homens para os escalões mais baixos da construção civil.

Hoje, as mulheres portuguesas deixaram, em absoluto, de corresponder ao modelo da dedicação exclusiva ao casamento, à maternidade, ao serviço e ordenamento da casa. Quando emigram, libertam-se dos parentescos e vizinhanças que tantas vezes ainda nas suas terras de origem as condicionam. Nos países de destino, as menos qualificadas valorizam-se e ganham conhecimentos para melhorar a sua condição no trabalho. Aprendendo auto-estima e concorrência, lutam por funções de chefia, querem alcançar lideranças, anular as desigualdades.

Crescendo na sociedade, descobrem-se a conviver com o diferente, tomam consciência de justos direitos adquiridos, experimentam a partilha de tarefas domésticas. Elas tomam cuidados de saúde, seguem métodos de planeamento familiar, acompanham a adaptação dos filhos aos códigos da sociedade onde passaram a viver.

Em casa, elas falam português. Mantêm os rituais, celebram as datas, transmitem saberes e memória. Frequentam os clubes e as associações portuguesas, alinham em causas cívicas, tomam partido em momentos de campanha eleitoral, a sua opinião é reconhecida.

No seu maior ou menor espaço de ação, estas mulheres são agentes culturais e praticam a cidadania. Seja na realidade do novo país, seja nos espaços reinventados de Portugal, seu país de partida assim recriado. Na emigração portuguesa, há uma prática de cidadania assente na vida das diversas comunidades no mundo. As associações, as casas regionais, os clubes são espaços cultura e cidadania.

A maioria das mulheres que em tempos passados obedeceram aos maridos e mudaram de país para sobreviver, deixaram um destino de pobreza e têm hoje um estatuto de qualificação superior. Vivendo em sociedade, são responsáveis e conscientes quanto à sua condição e identidade, e assim intervêm. Por isso, muitas têm merecido prémios e condecorações, são eleitas para a política local, têm nome reconhecido nas suas comunidades, nas cidades e no país onde vivem e trabalham.

As novas gerações têm formação e curriculum universitário, há mulheres portuguesas de carreira nas ciências humanas, na iniciativa privada, na investigação científica. Às mulheres emigrantes definitivas e aos luso descendentes, acrescentam-se as emigrantes temporárias, peregrinas de vaivém no mundo globalizado. São portuguesas altamente qualificados ou em processos de pós graduação universitária, de estágio ou aperfeiçoamento profissional, atentas às oportunidades do vasto mundo em movimento.

Elas distinguem-se nas ciências, nas artes, no desporto. Conhecem as novas tecnologias de comunicação, frequentam as redes sociais, sabem de tecnologia digital, instrumentos inteligentes de cultura nas sociedades contemporâneas, assim definidos no passado mês de Outubro, no Fórum Cultural reunido em Bruxelas. Estímulos fortes e diferentes levam estas mulheres das novas gerações a intervir em movimentos de cooperação, colaborações na comunicação social, preservação e ensino da língua portuguesa. A mobilidade, o nível de educação, a facilidade e fluência em outras línguas são nelas expressão de cultura e de responsável cidadania.

Ampliada a diáspora em tempos de crise, como revelam os números e as tendências, por ironia assistimos a uma maior afirmação de Portugal no mundo.


4 novembro de 2011

Leonor Xavier
Jornalista e escritora, licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa, viveu no Brasil entre 1975 e 1987.

No Rio de Janeiro foi correspondente do Diário de Notícias de Lisboa, colaboradora da revista Manchete e do Jornal do Brasil, redactora no jornal Mundo Português. Por duas vezes recebeu o Prémio de Melhor Jornalista da Comunidade Portuguesa no Rio de Janeiro. Participou em congressos com trabalhos apresentados sobre emigração portuguesa no Brasil. Pela Secretaria de Estado da Emigração, teve publicado o ensaio Contributo para a História dos Portugueses no Brasil (s.d. Coleção 10 de Junho)

Em Lisboa foi nove anos redactora da revista Máxima, escreve no Jornal de Letras, nas revistas Egoísta e Sábado, na Vogue.

É autora das biografias Maria Barroso, Um Olhar Sobre a Vida (1995- Difusão Cultural, Lx), Raul Solnado, a Vida Não Se Perdeu (1991,Difusão Cultural, 2003, Lx e 2009, Oficina do Livro, Lx)), Rui Patrício, A Vida Conta-se Inteira (2010, Temas e Debates, Lx).

Dos romances Ponte Aérea (1983 Nórdica,RJ)), E Só Eram Verdade Os Que Partiram (1988, Difel-Bertrand RJ), editado em Portugal com o título Botafogo(2004, Oficina do Livro, Lx), O Ano da Travessia (1994, Oficina do Livro, Lx) e em co-autoria com cinco escritoras, do romance Treze Gotas ao Deitar (2009- Oficina do Livro) e dos livros de contos Chocolate, Histórias para Ler e Chorar por Mais (2010, Casa das Letras, Lx) e Histórias Picantes (2011, Casa das Letras, Lx).

De artigos nas coletâneas Um Papa entre Dois Séculos (2004, Editora Livros do Brasil, Lx) e Ser Igreja (2007, Ariadne, Lx)

Do livros de entrevistas Entrevistas(1983- ed Autor) e Falar de Viver(1986 Difel-Bertrand RJ).

Dos ensaios Atmosferas (1980- Nórdica. RJ) e Portugal Tempo de Paixão (2000, Círculo de Leitores, Lx).

Do livro de crónicas Colorido a Preto e Branco (2001Oficina do Livro, Lx), colectânea de textos publicados na imprensa, no Brasil e em Portugal.

Da autobiografia Casas Contadas (2009, Asa, Lx), livro distinguido pelo Prémio Máxima de Literatura 2010.

Do livro de viagens Uma Viagem das Arábias (Clube do Autor, 2011, Lx)

Acaba de publicar Doze Mulheres e Um Almoço de Natal (Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2011,Lx), uma narrativa em torno de mulheres e vidas, livros e imaginação, em tempo de crise.

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