quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

ANA PAULA BEJA HORTA Nota de abertura

Nota de Abertura - Mesa Redonda
MULHERES MIGRANTES E CIDADANIA ANTES E DEPOIS DE ABRIL
 Universidade Aberta, Salão Nobre, 5 de junho de 2014
Ana Paula Beja Horta – Doutorada em Sociologia. Professora da Universidade Aberta, Investigadora do Centro de Estudos das Migraçõese das Relações Interculturais (CEMRI),
Neste ano de comemorações do vigésimo aniversário da Associação de Estudo Cooperação e Solidariedade – Mulher Migrante (AEMM), da qual tenho honra de ser um dos membros fundadores, as minhas maiores felicitações à Dra. Maria Manuela Aguiar (Presidente da Assembleia Geral da AEMM) à Dra. Rita Gomes (Presidente da Direção da AEMM) e aos seus Corpos Sociais pelo percurso notável e o contributo indelével da Associação em prol da igualdade de direitos e da participação cidadã das mulheres migrantes e em particular das mulheres portuguesas na Diáspora. Gostaria, igualmente, de manifestar os meus agradecimentos pelo convite para participar na co-organização desta iniciativasubordinada ao tema Mulheres Migrantes e Cidadania. Antes e Depois de
Abril, que bem traduz o já longo e estreito percurso de parceria científica e cívica entre a AEMM e o Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais, Universidade Aberta.
 Importa, igualmente, referir a relevância do tema deste evento que ganha especial significado e simbolismo no contexto das celebrações do 40º aniversário do 25 de Abril, constituindo um importante contributo para o diálogo e reflexão sobre a evolução da situação das mulheres migrantes num quadro temporal e espacial alargado. De facto, os temasdas intervenções dos participantes nesta  Mesa Redonda remetem-nos para uma discussão renovada sobre mulheres migrantes e a instituição
cidadania, ao longo dos tempos, configurada por diferentes percursos migratórios e pelos múltiplos contextos socio, económicos e políticos das migrações portuguesas.
 A relação entre migrações, género, cidadania tem sido um eixo central de intervenção continuada das atividades da AEMM, desde a sua fundação. Para tal, basta revisitar, entre muitos outros eventos, a
importante iniciativa transnacional, Encontros para a Cidadania, promovida pela AEMM entre 2005 e 2009 e realizada nos quatro cantos do mundo onde residem comunidades portuguesas. A participação de centenas de participantes nestes Encontros, incluindo as associações migrantes, instituições oficiais, organizações da sociedade civil e mulheres e homens migrantes é bem reveladora da importância das questões do Género e da Cidadania nos contextos migratórios portugueses da atualidade.
 Ao longo de 20 anos de atividade, a problemática das Mulheres Migrantes e da Cidadania norteou as diferentes fases de desenvolvimento da Associação quer a nível dos seus objetivos quer a nível da sua estratégia de intervenção, tendo ganho especial protagonismo na última década. Os Encontros para a Cidadania são um exemplo paradigmático de um projeto inédito de intervenção e de mobilização das comunidades portuguesas em torno da defesa da igualdade de direitos e da promoção da participação
 cívica das mulheres migrantes no contexto do país de acolhimento e nopaís de origem.
  Referido como um “paradigma de mobilização para a igualdade entre mulheres e homens” (Aguiar, 2014b), este projeto permite repensar o fenómeno migratório português, trazendo para o centro do debate a posição das mulheres emigrantes nas múltiplas vertentes do exercício da cidadania. A análise aprofundada deste novo “paradigma” de intervenção transcende, obviamente, o âmbito desta breve apresentação.
 Contudo, importa referir duas dimensões que se apresentam de particular acuidade para o tema desta Mesa Redonda. A primeira reporta-se à dimensão da participação política das mulheres, no quadro
da emigração portuguesa e a segunda à participação cívica, ou seja ao associativismo feminino.
 Como é bem conhecido, o papel das mulheres nos processos migratórios foi, durante décadas, ignorado ou secundarizado tanto no quadro político como na esfera social, académica e científica. A noção dominante de que “o homem migra e a mulher segue-o”viria a traduzir-se na exclusão sistemática das questões de género das políticas migratórias internacionais e nacionais. É, sobretudo, a partir da década de noventa do século passado que se assiste a uma inversão desta tendência de “invisibilidade” das mulheres no espaço público do debate político, bem como nas agendas de investigação (Boyd, M. e E. Grieconas, 2003; Relatório CSEM, 2014). Mais recentemente, a
integração do género nas políticas migratórias, bem como a implementação de políticas de igualdade de direitos têm vindo a ganhar um protagonismo sem precedentes a nível internacional.1
 No contexto nacional, é após o 25 de Abril que passamos a assistir à implementação de medidas políticas de valorização do papel das mulheres migrantes que visam potenciar o acesso à cidadania plena.
Neste âmbito, é indiscutível o contributo da AEMM para a criação de novos espaços públicos de debate e de reivindicação, sendo, presentemente, a inclusão da componente de género nas políticas
migratórias e em estruturas de representação das comunidades portuguesas (Conselho das Comunidades Portuguesas) tem sido uma questão que tem merecido especial atenção (Aguiar, 2008;2014b). Por outro lado, o continuado diálogo com as instâncias políticas, instituições oficiais e com outras organizações da sociedade civil nacionais e internacionais contribuiu para o desenvolvimento de um ativismo cívico transnacional capaz de mobilizar uma multiplicidade de
agentes políticos, institucionais e sociais em Portugal e no seio das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo. As dinâmicas transnacionais de intervenção cívica da AEMM têm permitido,
igualmente, criar um quadro abrangente de mobilização das mulheres emigrantes para a participação política em Portugal e no país de destino. De facto, a conjugação desta dupla vertente de politização e de valorização de uma prática cidadã transnacional reveste-se da maior´importância, num mundo globalizado tecido por uma multiplicidade de pertenças, de vivências, de interações e de projetos de cidadania que se intersectam e se complementam.
 Estas considerações remetem-nos, necessariamente, para a segunda dimensão, acima referida e que se reporta ao associativismo migrante.
A densa e multifacetada rede do tecido associativo das comunidades portuguesas tem desempenhado um papel fundamental na atualização dos laços de pertença e identitários com o país de origem, bem como nos processos de adaptação e de integração das comunidades portuguesas nos países de destino (Rocha-Trindade, 2010). As dinâmicas do ´associativismo emigrante têm sido uma área prioritária de intervenção da AEMM, sobretudo no que respeita à participação das mulheres migrantes no movimento associativo. O reconhecimento da subalternidade das mulheres nas associações e a necessidade de implementação de novas práticas de participação têm constituído um dos eixos prioritários da atuação da AEMM. A permanente e intensa interação com líderes associativos, os inúmeros eventos realizados em colaboração com as organizações das comunidades portuguesas evidenciam bem o compromisso da AEMM nesta esfera de participação cívica. A este respeito as
palavras de Manuela Aguiar são bem elucidativas de uma visão abrangente de cidadania que passa necessariamente por uma maior visibilidade e participação das mulheres migrantes no movimento
associativo. “A AEMM, consciente desta evolução assimétrica, na generalidade dos países, tem concentrado os seus esforços na mobilização das mulheres para uma participação de vanguarda nas
comunidades portuguesas, a fim de que se convertam em espaço de expressão da cidadania e se expandam com a inclusão de grupos marginalizados, invertendo a tendência para o seu declínio, tantos profetizam e justamente receiam.” (Aguiar, 2014a:49).
 Em nota final, estamos perante uma perspetiva de cidadania alargada e de mobilização de novas práticas de inclusão e de emancipação das mulheres migrantes nos múltiplos espaços de intervenção política e cívica. Eis o grande desafio que a Associação de Estudo Cooperação e Solidariedade – Mulher Migrante coloca a todos e a todas nós aqui presentes e na Diáspora. Como alude a Dra. Rita Gomes (2014) o trabalho da AEMM continua a ser um caminho aberto aos muitos mundos das migrações, no qual de uma forma outra ou de outra somos parte integrante e comprometida
1 A este respeito ver, por exemplo, Guide on Gender-Sensitive
Migration Policies, 2009. Organization for
Security and Co-operation in Europe (OSCE). Disponível em:
http://www.osce.org/node/37228
Referências Bibliográficas
Aguiar, Manuela (2014a), “Um dia na História da AEMM” in Aguiar, M, M., Guedes e Santiago, A., (Orgs.), Entre Portugueses. Associação Mulher Migrante, Espinho:Cooperativa Gráfica de Espinho, pp. 49.
Aguiar, Manuela (2014b), “As questões do género nas políticas de emigração portuguesa” in Miranda, J e Horta, A.P.B. Migrações e Género. Espaços, Poderes e Identidades, Lisboa: Editor Mundos Sociais.
Aguiar, Manuela (2008), "Mulheres Migrantes e Intervenção Cívica" in Simas, M.R. (org), "A Mulher e o Trabalho nos Açores e nas Comunidades", Ponta Delgada: UMAR Açores.
Boyd, M. e E. Grieco (2003), Women and Migration: Incorporating Gender into International Migration Theory. Migration Policy Institute: Migration Information Source. Washington, D.C. March.
Gomes, Rita (2014), “20 Anos da Associação”, in Aguiar, M., Guedes, G e Santiago, A., (Orgs.), Entre Portugueses. Associação Mulher Migrante, Cooperativa Gráfica de Espinho.
Guide on Gender-Sensitive Migration Policies, 2009. Organization for Security and Co-operation in Europe (OSCE). Disponível em:
http://www.osce.org/node/37228
Relatório – Mulher Migrante. Agente de Resistência e Transformação (2014), Brasília: CSEM.
Rocha-Trindade, M.B. (2010) “Associativismo em Contexto Migratório” Revista Migrações, Nº 6, Número Especial – Associativismo Imigrante, Horta, A.P.B. (Org.),
ACIDI, OI.

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