sábado, 21 de janeiro de 2012

COMUNICAÇÃO DE ROSA NEVES SIMAS

DIVERSIDADE NUMA CULTURA COMUM
Rosa Neves Simas

Entre 2003 e 2008, tive o prazer de publicar A Mulher nos Açores e nas
Comunidades, uma colectânea de 6 volumes contendo 100 artigos escritos por mulheres
e homens de variadas idades, profissões e situações de vida, dando assim voz às
diferentes experiências e perspectivas sobre a situação da mulher no arquipélago e nas
comunidades dos Estados Unidos e do Canadá. Os artigos estão organizados de acordo
com os seguintes tópicos: a mulher na sociedade, na educação, nos média, nas artes e
tradições, nos assuntos legais e na saúde, com destaque para a mulher no mundo do
trabalho.
Numa panorâmica da mulher açoriana na Califórnia, o que transparece é um
retrato de diversidade no seio de uma cultura comum. O que surge é uma panóplia de
formas diferentes de viver a experiência comum da açorianidade em terras da costa
oeste dos Estados Unidos. A diversidade dos artigos sobre a mulher migrante na
Califórnia pode ser apresentada em relação a variadas temáticas.

A Migração e a Língua

A emigração das ilhas para a Califórnia é centenária. Por isso, começo por
voltar atrás no tempo, evocando uma mulher que emigrou nos anos 50 do século
passado, altura em que ser imigrante nos Estados Unidos era considerado um entrave
e uma origem étnica não-“americana” era vista como um handicap. Neste contexto, o
sentimento de saudade era enorme e a ligação à família vital.

Emigração para a
Califórnia nos anos 50 do
século XX

~~~~~~

“Cadernos de uma mulher
migrante: A língua e a
procura do sentido da vida”

Volume III

Figura 1: Imagem da autora dos cadernos quando emigrou para a
Califórnia.

Sexta, 28 Maio 1954 – Faz hoje um ano que chegámos à América,
a casa da Maria. Recebi carta do José. Fala-me em vir cá para o ano…
Principiei a sentir o bebé mexer.

Assim começa o artigo “Cadernos de uma mulher migrante: a língua e a procura
do sentido da vida” (III: 555-574), um texto em que a autora, Helena, analisa o impacto
da emigração na vida da sua mãe, uma mulher que encontrou consolo na escrita,

para expressar os dilemas e as saudades e para combater o isolamento que sentia
no ambiente estranho da América dos anos 50, época ultra-conservadora e avessa à
migração. Escreve a filha desta mulher que emigrou em 1953 da ilha do Pico:

Contra tudo e todos, a minha mãe escrevia e guardava cadernos de
diários. Caladamente persistente, escrevia quase todos os dias. Isto poderá
não parecer notável, mas a verdade é que ela tinha apenas completado
a antiga quarta classe nos Açores. Para além disso, ela era uma mulher
migrante a viver isolada, em termos culturais e linguísticos, numa das
vacarias típicas do Vale de San Joaquin na Califórnia. (555)

Figura 2: Folhas dos cadernos de uma mulher migrante na
Califórnia.

Como todas as pessoas que migram, esta mulher enfrentou a barreira de uma
língua estrangeira, refugiando-se na escrita em português, como explica a filha, Helena,
hoje mestre em linguística aplicada:

A língua, em qualquer das suas formas, evoca muita emoção numa
pessoa imigrante. É muitas vezes uma lembrança dolorosa e constante da
identidade que ficou atrás, e da separação que sentem do mundo lá fora,
a falar através de um código desconhecido. A minha mãe refugiava-se na
língua, com os seus pensamentos anotados no papel, para desvendar os
hiatos da sua experiência entre dois mundos. (556)

Com o tempo, a filha vem a considerar esta experiência bilingue e bicultural como
uma mais-valia, para si e para as irmãs. Hoje professora, a coordenar o ensino da língua
inglesa em doze países do Médio Oriente, Helena observa: “A maior sensibilidade
meta-linguística das crianças bilingues permite uma percepção precoce da vertente
abstracta e simbólica das palavras” (561). Falando da mãe, diz:

Ao longo dos anos, a minha mãe foi aprendendo a comunicar à
vontade na língua inglesa e, com o meu pai ao lado, tornou-se numa pessoa
activa e respeitada na comunidade da Califórnia. As entradas nos diários
foram mostrando mais auto-confiança e mais abertura ao exterior, ao mesmo
tempo que documentavam o seu envolvimento social, mais do que o seu
isolamento pessoal. (562-3)

Património e Tradições

Para combater a solidão da migração, e para participar em eventos sociais e
cultivar as tradições das ilhas, a maioria das pessoas que emigra procura as associações
e sociedades da comunidade. No artigo “A mulher portuguesa nas sociedades fraternais
da Califórnia” (I: 149-172), Deolinda Adão, directora do Portuguese Studies Program
da University of California, Berkeley, faz um esboço da história de cinco sociedades
comunitárias da Califórnia, duas das quais – SPRSI (Sociedade Portuguesa Rainha
Santa Isabel) e UPPEC (União Portuguesa Protectora da Califórnia) – foram pioneiras
porque, numa altura em que o associativismo era masculino, e continuou a sê-lo
marcadamente até aos anos 70 do século passado, estas duas sociedades foram criadas
por e para mulheres, há mais de um século.

SPRSI

Sociedade
Portuguesa
Rainha Santa
Isabel

~~~~~~

1889

Figura 3: Sigla da Sociedade Portuguesa Rainha Santa Isabel.

Das muitas e variadas associações e sociedades que organizam eventos
comunitários e mantêm as tradições açorianas na Califórnia, as que são conhecidas
como Irmandade do Espírito Santo (IDES), ou Sociedade do Espírito Santo (SES) são
notáveis. Existe uma, e por vezes várias, em cada comunidade, formando uma rede
que atravessa o estado, de norte a sul. A primeira foi criada em 1861. Ao longo de 150
anos, chegou a haver 144 irmandades. Hoje, 99 mantêm-se em actividade, organizando
celebrações em honra do Espírito Santo em todo o estado.

Figura 4: Imagem da rainha e aias de uma festa do Espírito Santo na Califórnia.

No artigo “As rainhas das festas na Califórnia: a inversão e reversão do ritual”
(II: 281-316), a antropóloga Mari Lyn Salvador descreve os rituais que caracterizam
esta tradição secular, dizendo: “As rainhas participam em festividades que derivam do
ciclo ritual português associado a Santa Isabel, Rainha de Portugal de 1261 a 1336”
(282). Numa perspectiva histórica e antropológica, Mari Lyn descreve “uma das
formas encontradas pelos imigrantes para combinar elementos expressivos do país de
acolhimento, com os elementos da sua terra natal que consideram importantes para a
manutenção da sua identidade cultural” (283).

De uma forma sintética, Mari Lyn explica como “uma rainha do século XIII
que oferecia as suas jóias para dar de comer aos pobres e coroava um homem pobre
com a sua própria coroa” foi transformada nas rainhas de hoje, ricamente trajadas
com vestidos, capas e tiaras de luxo. Tal metamorfose é exemplo claro do processo
de recriação e adaptação das tradições do Velho Mundo, transplantadas no Novo
Mundo. Simultaneamente, é um exemplo notável da intervenção activa da mulher na
transmissão do património cultural, entre gerações.

Figura 5: Imagem de uma mãe e a filha, rainha da festa de Espírito Santo.

A Expressão Artística

Como migrantes, as/os açor-descendentes vivem a sua herança cultural de formas
variadíssimas, com características pessoais e idiossincráticas. A diversidade de técnicas
e temáticas nas obras de duas artistas plásticas da Califórnia retrata bem esta realidade.
A mais jovem artista, Marlene Angeja, que vive na área de San Francisco, diz em “Duas
paisagens: a visão de uma artista luso-americana” (II: 421-438):

Aquilo que une as várias formas que as minhas obras assumem é uma
força subjacente, que é muitas vezes inconsciente e instintiva. Essa força
motora parece estar relacionada com duas coisas. Uma é a paisagem das
Ilhas dos Açores. A outra é o meu interesse nas histórias, lendas e mitologias
do povo português. (422)

Figura 6: Imagem da obra “Duas paisagens” de Marlene Angeja.

A obra “Duas Paisagens” conjuga a tradição da vindima nas ilhas com a vivência
do meio rural da Califórnia onde Marlene cresceu. Outro exemplo do seu trabalho é a
própria capa da antologia A Mulher nos Açores e nas Comunidades, que retrata a mãe
desta artista, hoje mestre em Belas Artes e professora na California State University,
San José. Referindo-se a outra obra, Marlene desvenda aspectos da sua experiência
como descendente de emigrantes oriundos dos Açores:

Ao Aeroporto é um desenho mixed media de uma menina com o dedo
na boca… Ao longo do lado esquerdo da tela lemos as palavras “eu fui ao
aeroporto, tu foste ao aeroporto, você foi ao aeroporto…” Esta conjugação
do verbo “ir” em português evoca a aquisição de uma língua estrangeira.
Alude, também, ao medo e ao encanto que senti na primeira viagem às ilhas
e ao sentido de perda que senti quando partimos. Um aeroporto é um lugar
de chegadas e partidas. Como os portos de onde os antigos marinheiros
partiram para as Descobertas, é um lugar marcado pela saudade. (423)

A segunda artista é Maxine Olson, que vive no sul do Vale de San Joaquin e tem
um largo currículo artístico. Em vez de abstracta, como a da Marlene, a obra de Maxine
é claramente figurativa, justapondo imagens de pessoas que marcaram a sua vida numa
tentativa de recriar na tela as narrativas de uma açor-descendente. O artigo de Maxine
tem por título “Um retrato da minha mãe: o que ficou por dizer” (Volume II: 409-420) e
conta a história da sua viagem aos Açores, em busca de respostas sobre as suas
antepassadas. Maxine acaba o texto dizendo:

As tentativas que tenho feito para descobrir os segredos da vida de
minha mãe, e da mãe dela, têm-me levado a perceber melhor as forças que
controlam a minha vida. Se vamos aprender com o passado, e ser perdoadas
pelas nossas decisões e omissões no presente, não podemos esquecer
as estórias e as ofensas, as penas e as dificuldades pelas quais as nossas
progenitoras passaram na sua demanda pelo amor e pelo afecto. (414)

Figura 7: Imagem da obra “Retrato da Minha Mãe” da artista
Maxine Olson.

A Saúde e o Envelhecimento

A construção da identidade migrante depende muito das relações em família e da
postura perante o passado e a vida presente dos familiares. Nesta demanda, o desafio
é ainda maior quando o envelhecimento das pessoas que nos são queridas bate à porta.
Efectivamente, neste contexto, como em tantos outros, as mulheres têm maior tendência
para assumir o papel de cuidadoras, dentro da família e da própria comunidade. Esta
dinâmica social é a génese do artigo “POSSO: um centro comunitário da Califórnia”
(IV: 975-982), da autoria de Vicky Machado. Como co-fundadora da POSSO e
elemento activo da comunidade, Vicky descreve a origem deste centro comunitário, há
mais de três décadas:

A Portuguese Organization for Social Services and Opportunities
(POSSO) é uma ONG e foi criada pela comunidade portuguesa de San José
para auxiliar imigrantes na sua integração social e adaptação ao país de
acolhimento. Foi fundada em 1976 para assegurar à comunidade portuguesa
pleno acesso aos serviços sociais e benefícios governamentais… Éramos
formados e estávamos inspirados pela onda de orgulho étnico que prevalecia
na América de então, e pela calorosa lealdade que sentíamos pelos nossos
pais e avós imigrantes… Para o nome, escolhemos o acrónimo POSSO,
precisamente para combater o fatalismo da nossa comunidade idosa, que se
sentia fragilizada para conseguir a integração social de que precisavam para
lhes garantir a sua quota-parte do sonho americano. (975)

Figura 8: Imagem da dinâmica social na sede da organização
POSSO.

Ao descrever os muitos programas e serviços da POSSO, Vicky sublinha a
importância desta organização para a comunidade idosa, “um grupo isolado porque as/
os familiares tinham e têm o seu tempo muito ocupado, trabalhando fora de casa para
conseguir a sobrevivência económica da família” (976). Ao terminar, Vicky destaca a
intervenção feminina neste projecto comunitário:

Desde o princípio, as mulheres têm sido fundamentais para a POSSO,
como fundadoras, chefes, staff e voluntárias. Numa perspectiva tradicional,
a POSSO desempenha, hoje, as “tarefas da mulher” porque presta cuidados
e apoio às pessoas idosas e outros familiares vulneráveis, enquanto as
mulheres, que cumpririam tais tarefas, trabalham fora de casa, contribuindo
assim para o sustento da família e para a sua realização profissional. Vista
nesta perspectiva, a POSSO deve o seu sucesso e longevidade à feliz
conjugação de valores tradicionais e actuais. (978)

Educação e Empresariado

Tradicionalmente, a mulher açoriana, dentro e fora das ilhas, foi sujeita a muitas
limitações e condicionalismos sociais e culturais. No contexto actual, muito mudou.
Na educação, por exemplo, verifica-se uma acentuada presença da mulher no ensino
superior. Elmano Costa descreve esta situação no artigo “A feminização do ensino
superior numa comunidade rural da Califórnia” (III: 575-620). Este educador faz um
esboço da comunidade rural, situada no norte do Vale de San Joaquin, ao mesmo tempo
que descreve a evolução dos valores e olhares da mesma, no que concerne à educação,
ao trabalho e à situação da mulher. Ao apresentar os resultados do seu estudo, este
educador e professor na University of California, Stanislaus, faz a seguinte síntese:

As mulheres luso-californianas gozam de oportunidades que as suas
mães nunca tiveram. Podem seguir uma carreira; casar quando querem e não
porque precisam de alguém que as sustente; escolher ficar solteiras; ou optar
por serem domésticas. E podem regressar à vacaria, para assumir a gerência
do negócio, mas como gerentes diplomadas. (583)

Elmano termina o seu texto com este desejo: “E oxalá que elas possam dar aos
seus filhos homens a mesma motivação que as levou a frequentar e a completar, com
êxito, os seus cursos superiores, para que eles, no futuro, possam também usufruir dos
benefícios de um diploma universitário” (584).

A mulher açor-californiana tem-se aventurado, ela própria, em outros domínios,
incluindo o mundo empresarial. O mesmo autor debruça-se sobre este tema no artigo
“Empresariado no feminino: novos horizontes para a mulher luso-americana” (VI:
1429-1456). Ao analisar a crescente participação da mulher como empresária no
mundo dos negócios, Elmano observa: “Estas mulheres são, sem dúvida, pioneiras, pois
conseguiram não só superar a discriminação de género, como também ultrapassaram as
dificuldades que imigrantes, da primeira e da segunda gerações, tiveram de enfrentar
para se integrarem na nova cultura do país de acolhimento e no mundo competitivo do
trabalho e do empresariado” (1429).

Efectivamente, visto que a relação de qualquer imigrante com a sua comunidade
é multifacetada e, por vezes, muito complicada, estas empresárias californianas tiveram
de enfrentar e ultrapassar muitos obstáculos e desafios. Numa óptica negativa, a
descriminação de género teima em persistir e são muitas as dificuldades da integração
numa outra cultura. Do lado positivo, verifica-se uma relação de grande proximidade e
envolvência com a comunidade, fazendo com que estas mulheres destaquem o desejo e
o prazer que sentem ao contribuírem para o bem-estar da mesma. Segundo o autor: “As
empresárias luso-americanas gozam de outra característica que não vem na literatura.
Quase todas sublinham a importância que tem nas suas vidas o contributo que podem
prestar à comunidade luso-americana” (1439).

A Indústria de Lacticínios da Califórnia

Em termos económicos, ao longo de décadas, o grande trunfo da presença
açoriana na Califórnia tem estado na indústria de lacticínios, hoje um negócio de
milhões que está predominantemente nas mãos deste grupo da diáspora. À primeira
vista, estas mãos parecem ser só masculinas. Contudo, um olhar mais cuidado revela
outra realidade, como demonstra Alvin Graves em “Empresárias invisíveis: a mulher
açor-americana nos lacticínios da Califórnia” (VI: 1487-1510). Este estudioso da
presença açor-americana nos lacticínios californianos aponta para duas épocas:

…o período pré-2ª guerra mundial, quando dominava a cultura
tradicional e a produção leiteira era um modo de vida, e o período pós-
guerra, quando as normas culturais foram-se alterando e a produção leiteira
do estado se transformou no que se chama agrobusiness. A mulher está bem
presente em ambos os períodos, mas de uma forma invisível. (1488)

Figura 9: A mulher migrante na indústria de lacticínios da Califórnia. *

Embora tenham sempre contribuído para os trabalhos da lavoura, as mulheres,
actualmente com níveis mais elevados de escolarização, estão mais bem preparadas para
lidar com o novo mundo do agrobusiness, em particular com a gestão financeira e a
criação de bezerros. Alvin explica:

* Imagem tirada do livro The Portuguese Californians: Immigrants in Agriculture do autor Alvin Graves.

…são elas que fizeram cursos superiores; especializaram-se em
gestão de empresas, finanças, contabilidade ou direito, tendo assim uma
formação essencial que o marido raramente possui. Como a geração anterior,
muitas continuam a gerir o negócio. Outras fazem marketing e formação
do consumidor, e tomam parte nos lobbies do sector e na promoção de
legislação favorável ao negócio leiteiro. (1495)

Figura 10: Imagem evocativa da presença açoriana na
indústria leiteira californiana. *

Formada em direito, Deanne Ferreira é uma açor-descendente que lida de perto
com a legislação referente aos lacticínios, especialmente vista à luz das questões
ambientais. No texto “Uma mulher e o ambiente: os desafios de sempre” (VI: 1643-
1658), Deanne explica:

Sendo recente, a legislação ambiental é ainda considerada um nicho do
mercado no mundo da advocacia. É uma área dominada por homens, porque
é normalmente necessário ter formação científica, e são os homens, mais do
que as mulheres, que fazem a sua formação nas ciências exactas. (1645)

Tendo referido a participação dos seus antepassados na indústria leiteira do estado,
Deanne conjuga a sua profissão com as suas raízes açóricas quando, ao referir o seu
futuro profissional, descreve as suas intenções e motivações da seguinte forma:

Estou a estudar os efeitos da emissão de gás metano pelas vacas
leiteiras. Várias vacarias estão a utilizar equipamento próprio para captar
o gás metano do estrume (biomassa) de vaca, para depois convertê-lo em
energia renovável. Os benefícios são notáveis. É minha intenção auxiliar
os produtores de lacticínios da Califórnia a lidar com o labirinto de regras
e leis ambientais que existem actualmente. Quero contribuir para que a
herança dos nossos antepassados na indústria leiteira deste estado permaneça
nas comunidades de descendentes de imigrantes dos Açores, um povo cujo
esforço e conhecimento ultrapassaram tudo e todos. (1648-9)

* Imagem tirada do livro The Portuguese Californians: Immigrants in Agriculture do autor Alvin Graves.

Redefinindo a Identidade Cultural

Demonstrando, assim, uma grande sensibilidade para com a sua herança cultural
e o reconhecimento inequívico das capacidades dos seus antepassados, Deanne Ferreira
é uma jovem açor-descendente que, no contexto actual, está a redefinir a sua identidade
cultural à luz dos novos paradigmas da contemporaneidade. Outro exemplo é Márcia
Dinis, que se apresenta como “O ser jovem e luso-americana na era da globalização” (I:
181-190), descrevendo os afazers do seu dia-a-dia e os parâmetros da sua identidade da
seguinte forma:

Levanto-me e tento fazer um jogging matinal todas as manhãs. Vou
às aulas, faço umas horas de trabalho part-time, e às vezes jogo futebol ao
serão. Depois, vou para casa e falo ao telefone com a minha mãe. Estas
conversas são a melhor parte do meu dia porque me acalmam e me dão a
oportunidade de falar a minha língua materna, o português… Na faculdade,
escolhi o curso de Estudos Globais. Se perceber melhor a nossa sociedade
global, talvez possa ajudar a minimizar os malefícios da mesma, enquanto
ajudo a promover os benefícios. Ao mesmo tempo, estou a especializar-me
em Português. Estudo a língua, a literatura e a cultura. Sou luso-americana,
sou mulher e tenho 21 anos. (181)

Mais à frente no seu artigo, a jovem Márcia faz o seguinte o balanço do seu
mundo e da sua identidade pessoal e cultural, afirmando:

Sou uma pessoa privilegiada. Acredito plenamente que esta era
da globalização tem levado os jovens a sentir orgulho pela sua herança
cultural… A bandeira portuguesa por cima da minha cama, a tatuagem
do açor nas minhas costas, as peças de louça tradicional penduradas na
parede do meu apartamento lembram-me que estou acima da média, que sou
especial porque sou portuguesa. (182)

Carol Gregory é outra jovem de ascendência açoriana na Califórnia que está a
desbravar o seu próprio caminho e a forjar o seu retrato individual, em relação estreita
com o passado colectivo da comunidade californiana. No artigo “A geografia da minha
identidade cultural” (I: 191-212), Carol traça as seguintes coordenadas identitárias:

Como geógrafa, estou a estudar a dimensão geográfica e a localização
específica dos marcos da cultura lusa na Califórnia. Refiro-me a salões,
igrejas e outros edifícios, e a nomes de ruas, zonas comerciais, bairros
e parques. A riqueza deste património é o tema da minha tese de
doutoramento, onde faço um inventário da quantidade e localização destes
marcos historico-geográficos, desta forma ilustrando e descrevendo o
impacto da nossa presença na paisagem cultural deste estado. (195)

Tendo colaborado com a Portuguese Historical and Cultural Society (PHCS) de
Sacramento, a autora afirma que o contributo de Portugal foi fundamental para a história
e para “o conhecimento geográfico do Mundo” (191).
Para concluir, o exemplo de uma jovem que está a redefinir a sua identidade e
herança cultural ao ritmo da contemporaneidade. Chama-se Felicia Viator e é autora do
artigo “A Neta do hip-hop: uma luso-americana no mundo da música contemporânea”

(II: 381-392). Esta jovem, que vive na cidade de San Francisco, é DJ e é conhecida pelo
apelido Neta. Como mulher, Felícia considera-se “quase um oximoro na cena hip-hop”
e explica que, desde o seu início, nos anos 70, a cultura hip-hop tem seguido o modelo
masculino. Eis a surpresa e a satisfação do público que assiste às suas actuações.
Descendente, pelo lado materno, de emigrantes do Pico, esta jovem explica que
escolheu o nome Neta em memória da avó. De visita à ilha ancestral, Felicia descreve
os seus sentimentos e as recordações da avó, redefinindo-se como pessoa à luz desta
herança vital e marcante, quando escreve:

De visita ao Pico, deixei-me levar pelo mundo da minha Vó e comecei
a perceber a dor que sentia. Procurava compreender como ela e este mundo
tinham sido, sempre, uma parte vital de quem eu sou. Logo de seguida,
a alcunha de DJ que tinha escolhido, o nome pelo qual sou conhecida
no mundo do hip-hop de toda a área de San Francisco, cristalizou-se.
Subitamente, o meu espírito elevou-se e senti simultaneamente humildade e
ousadia. Parti do Pico e dos Açores sabendo: “I am Neta.” (385)

“I am Neta”

Figura 11: Imagem da ilha do Pico, no arquipélago dos Açores.

BIBLIOGRAFIA

GOULART, T., coordenação (2003). The Holy Ghost Festas: A Historical
Perspective of the Portuguese in California. San Jose, CA: Portuguese
Heritage Publications of California.

GRAVES, A., (2004). The Portuguese Californians: Immigrants in Agriculture.
San Jose, CA: Portuguese Heritage Publications of California.

SIMAS, R., coordenação e tradução (2003). A Mulher nos Açores e nas
Comunidades / Women in the Azores and the Immigrant Communities,
Volumes I, II, III e IV. Ponta Delgada: Empresa Gráfica Açoriana.

SIMAS, R., coordenação e tradução (2008). A Mulher e o Trabalho nos Açores
e nas Comunidades / Women and Work in the Azores and the Immigrant
Communities, Volumes V e VI. Ponta Delgada: UMAR-Açores.

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