domingo, 22 de janeiro de 2012

COMUNICAÇÃO DE MANUELA BAIROS

MULHERES E LIDERANÇA

Em Portugal celebramos o centenário da República, representada por uma mulher simultaneamente guerreira e protetora. Nesta minha intervenção no Encontro
Mundial das Mulheres Portuguesas na Diáspora gostaria de prestar homenagem
a quantas mulheres têm sido fiéis a esta sua dupla natureza. Nada parecerá mais
natural para a mulher e mãe de qualquer tempo e lugar do que a proteção imediata
dos seus filhos e ao mesmo tempo lutar por um mundo melhor onde os possa deixar
em felicidade e segurança.

A Justiça é também mulher, determinada em tratar a todos por igual sem qualquer
distinção. É nesse desígnio de igualdade que todas nos revemos, mulheres, mães e
profissionais. Se muito caminho já foi percorrido, designadamente no nosso país, ainda
muito há para fazer no acesso das mulheres às posições de liderança e no mundo da
política em particular.

Hoj, as mulheres portuguesas com filhos menores estão entre as que mais trabalham
na UE, segundo os relatórios da Eurostat da última década. Por seu próprio mérito,
as mulheres têm vindo a instalar-se cada vez mais em profissões tradicionalmente
associadas aos homens: magistratura, medicina ou investigação científica, mas a
sua ausência em cargos de liderança continua a impedi-las de participar de forma

significativa nos processos decisórios ao mais alto nível.

Este é um fenómeno que se verifica à escala de todo o mundo ocidental com
algumas exceções bem conhecidas. Apesar do esforço de compreensão das causas
que determinam a subrepresentação das mulheres nas posições de poder, com
um crescente número de comités, grupos de trabalho, pareceres e conferências
organizadas para o efeito e de décadas de legislação impondo a igualdade de
oportunidades, na realidade os progressos tem sido inexplicavelmente escassos.

Muita investigação tem sido realizada, designadamente nos Estados Unidos, sobre
a identificação dos obstáculos que se colocam à liderança das mulheres: papel da
mulher na família, esteriotipos de género, favoritismo de grupo, estruturas inflexíveis e
inadequadas no meio de trabalho e as escolhas e prioridades das próprias mulheres.

O papel da mulher na família
Curiosamente aquele que parecia ser o maior obstáculo a uma evolução neste domínio
- a distribuição de tarefas domésticas no seio da família – tem vindo a esbater-se
com o aumento da responsabilização do marido na gestão da casa e na educação dos
filhos. Embora esta lenta evolução cultural se esteja a verificar, sobretudo nas famílias
onde as mulheres revelam maior ambição profissional, o padrão tradicional ainda
persiste obrigando muitas mulheres a acumular horas de trabalho profissional com
extenuantes responsabilidades domésticas.

Estereotipos de género
Outro fator cultural tem dificultado o acesso da mulher a posições de influência:
a perceção de que os atributos habitualmente associados à liderança são mais
adequados aos homens do que às mulheres, designadamente: autoridade,
determinação e domínio. Em contrapartida - muitos defendem - as mulheres tenderão
a exercer a sua liderança pela via do consenso e da cooperação. Em França no decurso
de 2011, a primeira-secretária do Partido Socialista, Martine Aubry, teria sido a natural
candidata presidencial do partido nas eleições de 2012. Foi persistentemente criticada
por falar no coletivo “nós no Partido Socialista”, julgando muitos que enquanto não
assumisse um discurso assertivo na primeira pessoa do singular nunca poderia liderar
a França. E, na realidade, falhou as primárias contra um adversário não especialmente
mobilizador.

Embora o estilo de liderança tipicamente masculino baseado numa atitude autoridade
seja atualmente questionado num mundo que requer cada vez mais colaboração e
cooperação, a mulher tem inquestionavelmente mais dificuldade em impor a sua
liderança e legitimidade, sobretudo em meios profissionais dominados por homens.
Ultrapassar a resistência às lideranças femininas é um desafio que a generalidade das
mulheres enfrenta. Encontrar o equilíbrio entre uma abordagem firme e assertiva
que inspire confiança e competência e ao mesmo tempo evitar que essa atitude

comprometa a imagem de bonomia e temperança em regra associada às mulheres é
reconhecidamente a chave do sucesso para uma liderança eficaz.

A investigação realizada sobre as diferenças de estilo nas lideranças masculinas e
femininas não aponta para diferenças significativas, mas são as mulheres em posições
de poder que quando questionadas dizem acreditar que existem diferenças de estilo.
Também me revejo nesta corrente de opinião, pois acredito que “nascemos mulheres”
e crescemos mulheres com todas as contingências que isso possa comportar, e é
expectável e desejável que em posições de poder tenhamos uma perspetiva diferente
a oferecer também marcada por essa circunstância.

Estruturas inflexíveis e inadequadas no meio de trabalho
Em profissões exigentes e muito competitivas os horários de trabalho têm vindo a
aumentar dramaticamente, tornando-se habitual horários de 60 horas semanais para
quem detem posições de chefia. Esta tendência tem constituído um dos maiores
obstáculos à consolidação das chefias femininas no mundo ocidental, sobretudo
relativamente às mulheres que optam por ter filhos, com raras excepções em países
como a Dinamarca ou a Suíça onde trabalhar excessivas horas por dia é culturalmente
interpretado como de falta de organização e de eficácia.

A insuficiência de infraestruturas de apoio às mulheres com filhos (creches,
actividades pós-escolares para os filhos menores ou até a mera falta de parques de
estacionamento nos locais de trabalho) torna por vezes a vida insustentável para
profissionais e mães, com um acréscimo de stress que inevitavelmente prejudicará o
seu rendimento no trabalho.

Favoritismo de grupo
Outro fator que se tem verificado prejudicial ao acesso das mulheres a posições de
poder diz respeito à proteção de grupo, em ambientes onde a progressão profissional
depende de escolhas influenciadas por grupos internos informais existentes nas
estruturas das organizações. Investigação realizada neste domínio aponta para a
importância deste fator, bem como para a preferência que os indivíduos demonstram
em escolher pessoas que lhes são semelhantes e com as quais se identificam.

Como seria de esperar, até pela escassez de números das mulheres em posições de
poder, elas ficam frequentemente à margem dos grupos de influência que dominam as
escolhas para lugares de liderança e por conseguinte impedidas de abrir o caminho a
outras mulheres na sua ascensão profissional.

As escolhas e prioridades das mulheres
Entre todas as explicações para a falta de mulheres em posições de chefia, a mais

conveniente é a que refere que, afinal de contas, são as próprias mulheres que
escolhem não assumir essas posições em virtude dos sacrifícios pessoais e familiares
inerentes. Falta de ambição? Há quem pense que sim, presumo que em jeito de
provocação. Mais resistentes e mais habituadas a saber-perder, muitas mulheres
tendem a afirmar-se pelos resultados e pelo trabalho bem feito, enquanto o poder
entendido numa perspetiva de controle e de domínio não lhes interessa.

Mas dedicação e a competência não são um fim em si mesmo e, independentemente
do género, devem ser reconhecidas e recompensadas. Infelizmente, porém, a um
certo nível de progressão profissional, resistências difíceis de identificar dificultam o
acesso das mulheres a posições de poder. Trata-se mais duma constatação do que do
reconhecimento duma lógica preversa fácil de combater.

Na realidade, muitas mulheres experimentam nas suas carreiras profissionais a
frustração de que o esfoço não compensa. Mesmo quando trabalham as 60 horas
por semana requeridas e têm a sorte de conseguir maridos compatíveis com a
suas exigências profissionais acabam por ser relegadas para posições na cauda das
classificações (que normalmente premeiam uma mulher simbólica no conjunto dos
candidatos e por vezes nem isso).

A escassa participação da mulher na vida política – o centro do poder por excelência
- é porventura o domínio onde a escassez de participação de mulheres é mais visível
e escrutinada. No setor empresarial, a ausência de lideranças feminina é também
notada com preocupação, mas torna-se mais surpreendente e inexplicável quando o
fenómeno se instala no próprio sistema da Administração Pública onde se espera que
a igualdade de oportunidades seja protegida e promovida.

Estratégia de mudança
Perante este estado de coisas que prevalece, com raras excepções, em todo o mundo
ocidental, será em muitos casos preciso esperar por uma mudança cultural que se está
lentamente a verificar. Contudo, para acelerar essa evolução de longo prazo, algumas
políticas voluntaristas têm sido adoptadas aqui e além, motivando novas atitudes e
comportamentos.

Enquanto a nível individual tem vindo a ser realizado um esforço de acompanhamento
das mulheres com capacidades de ocupar lugares de liderança (´mentoring´) e de
criar redes de contactos que as promovam, também se espera que a sociedade em
geral seja sensibilizada para a questão da igualdade de oportunidades. Em particular,
deverá privilegiar-se a necessidade de assegurar um melhor equilíbrio entre o trabalho
e a família, evitando-se horários de trabalho excessivos com efeitos inevitavelmente

prejudicais para a família, ou uma melhor divisão do trabalho doméstico dentro da
família.

Mas é sobretudo ao nível das organizações que resultados mais imediatos e visíveis
poderão ser conseguidos. Apesar de um considerável trabalho legislativo já ter
sido realizado na generalidade dos países ocidentais em matéria de igualdade de
oportunidades, a realidade demonstra que um enquadramento legal favorável não
tem sido suficiente para desencadear a mudança necesssária. Se os sistemas de
quotas ou outras formas obrigatórias de tratamento preferencial para as mulheres
são habitualmente objeto de controvérsia, outras estratégias mais subtis de
responsabilização poderão ser adotadas.

Hoje, folheando o caderno principal do semanário Expresso, na página de opinião
entre oito analistas não há uma única mulher e ninguém nota nem estranha.
Creio que este é o principal obstáculo a combater: o alheamento e a indiferença
relativamente a uma questão invisível ou irrelevante designadamente para a
comunicação social, um dos principais instrumentos de construção da opinião pública
em qualquer país. Tenho participado em muitas iniciativas cívicas organizadas pelas
mais prestigiadas instituições dos países onde tenho vivido e raramente vejo as
mulheres suficientemente representadas nessas reflexões e debates que se destinam a
influenciar mudanças na sociedade.

Na Administração Pública em Portugal - com exceção de setores como a Educação ou
Saúde tradicionalmente associados às mulheres – é patente a sua subrepresentação
em posições de decisão de alto nível. Se se torna difícil impor mudanças no mundo
empresarial privado ou associativo que facilitem o acesso das mulheres a posições
de decisão, parece, no entanto, incompreensível a falta de equilíbrio em função do
género nas nomeações para cargos superiores de chefia nas estruturas do próprio
Estado.

Duas sugestões
Como em qualquer estratégia destinada a promover mudanças de fundo em domínios
muito marcados culturalmente, teremos que avançar com pequenos passos para não
se ficar paralizado pela dimensão da tarefa. Em concreto, gostaria de avançar duas
pequenas sugestões que poderiam contribuir para a evolução desejada:

- promover a instituição de júris paritários nos concursos públicos de recrutamento,
promoção e nas nomeações para os cargos superiores de chefia na Administração
Pública. Essa é uma solução já implementada em certos países com resultados
considerados satisfatórios. Sabendo-se que os membros do júri tendem a escolher

as pessoas com as quais mais se identificam, torna-se difícil para as mulheres
conseguirem passar pelo crivo desse coletivo se for composto exclusiva ou
maioritariamente por homens;

- promover a transparência e responsabilização das organizações relativamente ao
equilibrio de género entre os seus quadros superiores. Haverá diversas formas de
o fazer - para além das legalmente disponíveis contra este tipo de discriminação de
resultado sempre incerto e em regra verdadeiros suicídios de carreira para quem a
elas recorre. Apelaria às Escolas de Estudos Sociais, por exemplo, para fazerem esse
trabalho, promovendo no contexto dum programa de mestrado a realização de um
levantamento dos resultados dos concursos de recrutamento, promoção e nomeações
para cargos superiores de chefia nos últimos 10 anos nos vários Ministérios da nossa
Administração Pública Central, de forma a apurar qual a relação entre homens e
mulheres e sua evolução ao longo da última década.

Em seguida, instituir um barómetro que assegure anualmente a medição da relação
entre homens e mulheres nesses processos de recrutamento, promoção e nomeação,
bem como a sua divulgação em meios de comunicação de grande divulgação, de forma
a mostrar quais os Ministérios bem e mal comportados nesta matéria.

-------- «» -------

Uma palavra final às mulheres da emigração que em muitos lugares terão de lutar
contra uma dupla limitação: a de serem simultaneamente mulheres e imigrantes.
Com a passagem da primeira à segunda geração, conforme ouvimos neste congresso,
grande número de mulheres luso-descendentes passaram já da fase da sobrevivência
à fase da autonomia. Nas minhas anteriores funções consulares, pude testemunhar
o crescente papel assumido pelas mulheres no mundo associativo, incluindo em
posições de liderança.

Mas nas suas vidas profissionais, nos vários países que as acolheram, se é certo que
conseguiram a independência material que as suas mães porventura não obtiveram,
terão ainda certamente de enfrentar as resistências que aqui ficaram expressas para
se afirmarem como líderes nas suas profissões. Este é um problema que atravessa as
sociedades dos vários países onde temos comunidades de origem portuguesa, uns
mais preocupados do que outros em combater esta insuficiência. No momento em
que tomamos consciência de que uma nova fase se anuncia – a da liderança – seria
interessante numa próxima oportunidade como esta partilhar experiências sobre os
bons exemplos e as boas práticas existentes neste domínio nos vários países da nossa
emigração e tentar contribuir com soluções inovadoras e realistas para que haja de
forma siginicativa mais mulheres na política, nas presidências das associações, nos

conselhos de administração de empresas ou entre os ministros que nos governam.

Manuela Bairos

Bibliografia:
FRIEDMAN, Jean-Pierre (2012) - Du pouvoir et des femmes - Martine, Ségolène, Marine et les
autres, Ed Michalon.
GUÉRAICHE, William e GASPARD, Françoise (1999) - Les Femmes et la République, 1943-1979
Les Éditions de l' Atelier.
KELLERMAN, Barbara e L. RHODE, Deborah (2007) - Women & Leadership, The State of Play
and Strategies for Change, Ed Jossey Bass.
REMY, Jacqueline, (2007) - La République des femmes: Editora l´Archipel.
SINEAU, Mariette (2011) - Femmes et pouvoirs sous la Ve République Ed. Les Presses de
Sciences Po; 2a edição revista e aumentada.
SMITH M., Dayle (2000) - Women at work, leadership for the next century, New Jersey,
Prentice Hall Inc.
A mulher e a sociedade, Actas dos 3os Cursos Internacionais de Verão de Cascais (1997)
Coordenador da Edição, António Carvalho, Ed Câmara Municipal de Cascais.
A Mulher e o Trabalho / Women and Work, Volumes V e VI de A Mulher nos
Açores e nas Comunidades / Women in the Azores and the Immigrant Communities,
(2008) Coordenação e tradução Rosa Neves Simas¸ Ponta Delgada: UMAR-Açores.
Mulheres Políticas – As suas Causas (1995), Coordenação de Ana Maris Bettencourt e Maria
Margarida Silva Pereira, Quetzal Editores.
Portugal Situação das Mulheres (1994)Coordenação Dina Canço e Teresa Joaquim, Comissão
para a Igualdade e os Direitos das Mulheres.

Sem comentários:

Enviar um comentário