quarta-feira, 5 de agosto de 2020

SARA MENDES KUNZ


A minha diáspora começou ainda eu não tinha entrado na idade adulta. Foi na Rússia que cumpri o meu 18º aniversário. Cheguei a São Petersburgo no dia 27 de Agosto de 2001. A Minha mãe acompanhou--‐me nessa primeira grande viagem e ficou comigo durante duas semanas: ajudou-me a encontrar casa, fez questão de se certificar de que eu ficaria bem instalada e segura e de que não passaria fome.
Foi a minha mãe quem me ajudou a habituar aos cheiros, aos sons e hábitos daquela
que, nos seis anos seguintes viria a ser a minha cidade. Foi ao lado dela, que senti a primeira forte emoção de estar longe. O apartamento que alugámos, era junto de um parque onde  havia um dos restaurantes mais luxuosos da cidade. Tínhamos acabado de jantar e ouvimos tocar o Hino Nacional. Ficámos incrédulas. Corremos à janela. Uma banda de músicos tocava o nosso Hino. O arrepio e a  pele de galinha eram a saudade personificada. E havia só uma semana que lá estávamos... Soubemos mais tarde que o Miguel G. Moura casara com uma jovem russa e fizera a festa nesse restaurante. Difícil nessa altura foi a partida da minha mãe. Dois dias antes do voo de regresso tinha acontecido o atentado de 11 de Setembro. Penso que não foi fácil para ela deixar-me do lado de lá da fronteira. Aliás sempre penso que a mais corajosa e admirável na minha diáspora é ela: foi ela, mãe-galinha que é, que, além de me soltar do ninho, ainda me deu as asas para voar. Eu era uma miú em busca de um sonho, ignorando os perigos do Mundo. E porquê S, Petersburgo?



Foi essencialmente pela qualidade do ensino de piano e pela tradição da interpretação pianística. Ser pianista, fazer da música a minha profissão e pensar que a Rússia seria o caminho certo para alcançar o meu sonho foi a razão. Na verdade, S Petersburgo foi tanto ou mais uma escola de vida como de música e tive a oportunidade de estudar com professores brilhantes, de conhecer músicos geniais e de assistir a concertos, óperas, ballets de uma qualidade que não imaginava sequer existir. Mas aprendi principalmente a ser adulta, a escolher caminhos e a tomar decisões e a tomar conta de mim. E o sonho aproximpi-se ainda mais da realidade
quando, em 2005, conheci o meu marido. Um encontro provocado por amigos que se transformou numa história de amor. O David estava nesse ano a fazer um programa de intercâmbio em jjornalismo e ciências da religião, na Universidade de S Petersburgo. No fim do ano, ele teve de regressar à Suíça para terminar a licenciatura. E ficámos, assim, dois anos a namorar à distância, com alguns encontros, em férias, pelo meio. Quando em 2007, terminei a minha licenciatura

no Conservatório, decidi vir para a Suição, país pelo qual senti amor à primeira vista. Ou melhor dizendo, na primeira visita ao David comecei a dar uma aulas 
numa escola internacional ao mesmo tempo que fazia o mestrado em pedagogia
musical na Escola Superior de Artes de Zurique. Além da família e dos amigos do meu marido, travei os meus próprios conhecimentos e travei amizades. Continuo encantada com a Suíça, e sinto-me perfeitamente integrada. É um país cuja organização e modo de vida me proporcionam tranquilidade e bem-estar. Talvez por ter como termo de comparação os grandes contrastes sociais que tanto me indignavam na Rússia. Estas circunstâncias de vida levaram.me a aprender várias línguas. É um privilágio fazer amizade e conviver com colegas e culturas de várias partes do mundo. Saudades de Portugal? Tenho. Sobretudo das pessoas a quem mais amo: da minha mãe, que continua em casa, porto de abrigo, e da minha irmã, emigrante em Barcelona. São elas que a sensação de casa, quando estamos juntas. Os laços de amizade criados na juventude vão-se desvanecendo com o tempo. É natural. Já não resido em Portugal há doze anos, Tenho também saudades de sítios, como a praia, o mar, e a aldeia dos meus avós. Passados tantos anos, ai, consigo reviver em
pleno a minha infância, sentir-me parte íntegra dos lugares onde nasci e cresci. Junto ao mar e na minha aldeia. Aí, sim, sinto-me autêntica. O destino decidiu, outra vez, surpreender-me, e agora vai levar-me com o meu marido, para terras ainda mais longínquas: Sidney, na Austrália. Será apenas por alguns anos, que, com certeza, trarão saudades. Agora tmbém da Suiça. Sinto-mecada vez mais cidadã do mundo: portuguesa no estrangeiro e emigrante no meu país. Um abraço fraterno, a minha solidariedade, e o meu encorajamento a todos quantos, como eu e a minha irmã, partindo levam o melhor de si, o orgulho de ser português ao país que os recebe, mesmo deixando um pedaço da alma no Portugal que os afasta, depois de os ter feito gente.

Sara Mendes Kunz
Luzern, outubro de 2013

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