sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Monção 2018 Homenagem ao Dr Carlos de Lemos


1 - O Doutor Carlos Pereira de Lemos recebeu, no início deste ano de 2018,  a "Ordem da Austrália", país onde se fixou há muitas décadas. 
É uma honraria que o Governo aí concede a muito poucas individualidades, através de um processo exemplarmente democrático. Qualquer cidadão pode propor a atribuição de uma condecoração, dirigindo o pedido ao "Conselho da Ordem". O processo de apreciação é sempre muito rigoroso e, em regra, longo  (mais de um ano ou um ano e meio...). O parecer é dado, após analise detalhada e ponderação do merecimento do curriculum e da conduta ética do candidato, ao da vida . A decisão final cabe ao Governo, sem a intervenção do Chefe de Estado, que apenas pode ser proponente, como um cidadão comum, embora as suas propostas tenham prioridade de avaliação sobre as demais. A prestigiada "Ordem da Austrália", concedida em diversos graus, é a única, ao contrário do que é comum na Europa e em outros continentes.
O Doutor Lemos foi condecorado no grau correspondente a "serviços meritórios". Assim, se juntou a sua Mulher, a Doutora Molly de Lemos, que,também, foi distinguida, no grau equivalente a "serviços excecionais", como pedagoga e investigadora, com larga e valiosa bibliografia publicada. 
Não sei se em toda a Austrália haverá um outro caso, em que marido e mulher, ambos imigrantes, sejam membros da Ordem e da associação a que podem pertencer, exclusivamente, as personalidades a quem foi outorgada!.
A este ilustre Português, nascido no Minho há 92 anos, já tinha sido atribuída a "Ordem de Mérito" de Portugal,que lhe foi entregue, em 2002, pelo Presidente Sampaio e a "Ordem de Timor", recebida em 2015, em Dili, onde passou duas semanas, na companhia de sua mulher, a convite do Presidente Alkatiri, de cujas mãos recebeu a comenda. (Timor, terra de recordações felizes, dos seus  primeiros anos de casados!).
 A meu ver, é especialmente significativo este reconhecimento plural dos Estados, aos quais deu não só a qualidade do trabalho profissional, como do contributo cívico, e até, também, o afeto, graças ao qual tão bem soube aproximar, fraternalmente, pela ação concreta, os Povos dos três países. 
Quem realiza grandes feitos, nem sempre é tão consensual... Qual foi o segredo que lhe permitiu escapar a sentimento da inveja, a rivalidades e quezílias? Porventura, a força da sua simplicidade e simpatia, os gestos constantes de solidariedade, o sentido inato do que é certo e justo, que já revelava na infância, e que lhe permitiu  envolver-se em empreendimentos que tão bons foram para os outros como para si próprio.. Um dos maiores terá sido, creio, o audacioso projeto, que leva a sua marca, de princípio a fim: erigir um monumento aos nossos navegadores dos mares do Sul, em Wallongong, onde os portugueses deixaram o rasto das suas caravelas 250 anos antes de Cook -  capitão Cook, que (ainda) está na história oficial como o descobridor da Austrália. 
O monumento é, para os portugueses, lugar de culto,( e aí realizam o seu maior festival), e, para todos, uma atração de turismo cultural. O nome  
Dr Lemos foi, em mais uma merecida homenagem, dado a uma das ruas do centro da cidade!.   

2 - Quando, há quase quatro décadas, conheci o Doutor Carlos de Lemos, em Melbourne, já ele tinha um notável curriculum académico e profissional,  era o líder das nossas comunidades, e, defendia, por igual, os direitos dos portugueses e dos timorenses que, então, em massa, procuravam refúgio em terras australianas. Pouco depois, seria nomeado cônsul honorário de Portugal em Melbourne, e, até hoje, tem desempenhado a sua missão com um tal brilho e eficácia, que levou o Secretário de Estado José Luís Carneiro, a distingui-lo, há dias, na reunião mundial dos cônsules honorários de Portugal, como um verdadeiro "primus inter pares". E a declarar, publicamente, em 20 de abril, no encerramento do colóquio de Monção, que uma das razões determinantes da sua presença era a de prestar homenagem à obra deste admirável compatriota, ali, em Monção, terra de onde partiu, de comboio, para a primeira das inúmeras viagens que o levaram a cumprir o destino extraordinário, que a sua autobiografia retrata escrita direta, simples e expressiva . Para mim, como certamente para a generalidade dos leitores, a autobiografia e um relato fascinante que não para de nos surpreender e encantar. De facto, apesar de uma amizade de longa data, as nossas conversas centravam-se, sobretudo, nos temas das migrações, da história ou da política nacional e internacional, e nunca tínhamos falado dos tempos de infância ou juventude. Tomei por certo que tão fino e culto diplomata teria nascido numa das belas e antiga casas minhotas e frequentado os melhores colégios. A autobiografia, (que tive o privilégio de ler, antes mesmo de publicada, e de prefaciar), constituiu um "choque de
realidade". Um espanto!  Como conseguiu um menino de 10 ou 12 anos, entregue a si próprio, sem o suporte da família, com a escolaridade mínima, ir em frente, tão longe e tão alto?  A chave do segredo, como disse, estará na sua inata sociabilidade, num querer muito forte, guiado por valores, na sua maneira de "estar na vida", com inteligência, amabilidade e elegância . O que "fez correr" o jovem Carlos Lemos não foi a procura da "árvore das patacas", mas  a curiosidade intelectual, o gosto de descobrir, terras gentes, costumes diferentes. O menino de uma aldeia perdida na serra, assim se tornou português cosmopolita, que se relacionou e conviveu, na intimidade, com algumas das personalidades que revolucionaram o panorama cultural e político do século XX no mundo. 
  Em Monção, a sua história de vida foi lançada numa modalidade que julgo inédita; uma entrevista coletiva pelos alunos das escolas da cidade!. Um vivíssimo diálogo de gerações, que constituiu momento especialmente emotivo, na programação de um colóquio em que se destacavam grandes individualidades da emigração minhota e monçonense, todos nomes do passado, à exceção do Dr Carlos de Lemos, que estava ali, face a face, com  meninos, exatamente da idade que que ele tinha nos primeiros capítulos do livro...Disposto a dar os pormenores e explicações que lhe pedissem, e a revelar como foi possível cumprir sonhos que pareciam impossíveis
. Um curso profissional de topografia foi o seu passaporte para ultrapassar todas as fronteiras, todos os mares... A aventura ia ganhando a dimensão do seu espírito sempre aberto, em novos patamares  de formação académica, de conhecimentos e de amizades, que soube colocar, (na nossa melhor tradição), ao serviço da expansão da presença de Portugal no mundo,  O clube de Melborne, considerado o mais elitista de toda a Austrália, fez questão de o ter  como membro. 
Para os jovens de Monção as suas palavras foram, certamente,  lição  - quem sabe quantos não terá inspirado a seguirem, se não o seu percurso, porque é irrepetível, mas a viver a vida, com cordialidade e simpatia, ultrapassando todas as metas,  sem nunca deixar os outros de lado, ou para trás? 
Uma lição de esperança!

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