MULHERES, FIGURAS DE
NAÇÃO. ROSALÍA DE CASTRO E MATUA DA FONTE
JOSÉ VIRIATO CAPELA
Prof. Catedrático e Presidente da Casa Museu de
Monção/Universidade do Minho
A ideia de Nação e Nacionalismo, como é sabido, é uma ideia
“moderna”, do nosso século XIX, depois levada ao paroxismo com os Estados-Nação
do século XX. Na base tem comumente o sentido de construção e reforço de
identidade nacionalista e patriótica dos povos, com horizontes expansionistas
assentes em múltiplos fatores, linguísticos, étnicos, geográficos, históricos,
económicos, entre outros.
Na Península Ibérica eles também atuariam no sentido de
reforço dos Estados e estão na origem da construção de Estados totalitários –
Franquista e Salazarista – que se formaram em paralelo dos violentos Estados
Fascistas italiano e nazi-alemão.
No que diz respeito a Portugal e Espanha, no seio da
Península Ibérica, eles serviram para firmar as identidades e claras separações
entre os dois Estados Peninsulares, isto sem embargo, algumas colaborações e
aproximações entre ambos os regimes. A construção do Nacionalismo unitário
franquista em Espanha teve, de algum modo, de se construir com e contra os
nacionalismos e autonomias regionais; em Portugal o Nacionalismo português não
se debateu com projetos de nacionalismos ou autonomias regionais. Reforçou a
identidade nacional face a Espanha, de algum modo também o todo unitário de
Estado colonial. E na Historiografia desenvolveu os estudos na perspetiva de
valorizar dos fatores da identidade e singularidade da História portuguesa no
conjunto peninsular.
A História Portuguesa, tem sido construída na base de uma
Historiografia escrita por homens. Em particular, esta História dos
Nacionalismos, que sendo um capítulo que envolve, de modo especial, domínios
ligados a Ação política e militar, tem sido escrita sobretudo com base na
História Política e militar e dos feitos heroicos dos portugueses.
As formas de nacionalismos, de base regional, que querem
exprimir a força e identidade dos povos, numa perspetiva da sua afirmação
particular em conjuntos mais vastos, que não passam necessariamente pela
construção de grandes Estados, é uma realidade que não deve ser esquecida da
História dos Povos, até porque eles põem em marcha outros agentes e referentes.
E relativamente a Espanha aí estão as múltiplas formas
históricas de lutas, com base nas suas identidades «nacionais», pelos
regionalismos, pelos estatutos autonómicos, pela própria independência
nacional. Em Portugal, as manifestações desta índole nunca foram além de
reivindicações regionalistas, sem horizontes políticos que não sejam o de
defesa e promoção dos interesses regionais e num vago Provincianismo de base
administrativa. A Língua Portuguesa – que é única e forte no todo nacional e
nas terras da Expansão Portuguesa – e a precoce construção de um Estado
centralizado nunca propiciaram desenvolvimento de entidades regionais. O que é
facto é que estes Estados fortemente centralizados provocam os maiores
desequilíbrios no desenvolvimento nacional, que tanto ou mais que outros
sentimentos de secundarização política, social, ou cultural, provocaram os
movimentos reivindicativos regionais.
São conhecidos em Espanha desde o século XIX as lutas de
algumas regiões, designadamente na nossa vizinha Galiza que desembocaram nos
Estatutos Autonómicos. São também conhecidos em Portugal as reivindicações
regionalistas da mesma etapa, que acabam por definir prosaicamente e
temporariamente a Província (1936) como entidade administrativa. A tradição
municipalista entre nós, desembocou, no Poder Local. A História dos movimentos
regionalistas e pela autonomia ou mais prosaicamente, pela defesa das tradições
e «liberdades» dos povos – face às Culturas e Estados Nacionais – escreve-se na
Galiza e em Portugal, também com o nome de duas mulheres, Rosalía de Castro e
Maria da Fonte. Elas vão associadas a processos de defesa e construção de
identidades nacionais no século XIX de base regional e deixam bases para o
futuro. Nessa perspetiva se lhes aplicará também o epíteto de Figuras de Nação,
porque vão associadas à construção das bases e ideias dos Nacionalismos para as
suas terras e regiões (caso de Rosalía) ou de outro modo de conhecer (defender)
a Nação tradicional Portuguesa face às mudanças do Liberalismo (Maria da
Fonte).
Apesar destas circunstâncias, não parecerá a muitos
admissível a aproximação destas duas figuras, que exprimem a sua intervenção de
modo muito diferenciado. De facto, uma, Rosalía de Castro, figura histórica bem
fixada, na sua terra natal, na sua biografia, na sua obra literária e cultural;
outra, Maria da Fonte, de difícil se não impossível fixação pessoal –
identitária, mais expressão de movimento coletivo de mulheres, do que ação
individual, isto é, mais mito do que realidade.
Mas a razão desta aproximação decorre do papel que ambas as
figuras tiveram no processo de defesa e construção de identidades locais e
regionais, em tempo de ativa absorção estadual e cultural dos seus territórios,
a Galiza no grande Estado e Nação de Espanha, o Minho, e por ele uma certa
personalidade e identidade social e cultural, no Estado e Nação Portuguesa, no
século XIX.
São ambas contemporâneas do processo de abolição do Antigo
Regime e de construção do Liberalismo em Espanha e Portugal, de disputas entre
liberais e absolutistas e dos seus diferentes projetos de Sociedade. Atentam
ambas por meados do século XIX, num estádio já desenvolvido da implantação do
novo Estado Liberal, mais centralista que o Estado Absolutista do passado. E
vivem e refletem o quanto essa evolução política tem sido feita contra ou a
desfavor dos Povos e das Culturas das suas regiões e províncias.
Rosalía fixará por então desde meados do século XIX em prosa
e poesia a mais dolorida expressão a que está a ser votado o Povo Galego, pelo
desprezo e desclassificação a que está a ser votada a Língua galega e sua
Cultura no seio de outras Nações peninsulares, face a Castela, sobretudo. E
também, às forças económicas e anímicas da Galiza, que se estão a exaurir sob o
efeito da Emigração. Galiza que considera e elege como mais rica e úbere região
de Espanha se a libertarem dos estrangulamentos a que vai submetida.
Maria da Fonte, de armas na mão, a partir da Póvoa de
Lanhoso, também a meados do século, desde 1846, mobilizará o povo minhoto e
nortenho contra as instituições do Liberalismo e do Cabralismo em defesa das
«Santas Liberdades» que aqui são a uma expressão mobilizadora a defesa das
velhas tradições contra um Estado e Governo Ditatorial.
Aproxima então Rosalía de Castro e a Maria da Fonte o mesmo
sentido de defesa da autonomia das terras e das regiões e vontade da sua
afirmação política e cultural, em tempos, em que regiões e províncias
periféricas como a Galiza e o Minho estão a ser secundarizadas e diminuídas.
Estamos em face de movimentos de natureza diferente: um que
pelas Letras e Cultura quer defender e promover o seu povo e lançar os
fundamentos do resgate do Povo galego; outro que pelas Armas quer combater um
Estado centralista e opressor que governa contra a Nação, isto é, contra os
Povos.
São conhecidas as armas e as gestas militares da Revolução
da Maria da Fonte que logo se estenderá a todo o Minho e que tomará a
designação de Revolução do Minho.
Para Rosalía de Castro é a Cultura e a Língua que devem ser
as Armas defesa do Povo Galego. Vale a pena fixar aqui a apresentação de
Rosalía à sua mais notável obra que virará matriz do galeguismo, os «Cantares
galegos» (1ª ed., 1863; 2ª ed., 1872)..
«E a nossa língua não é aquela que bastardeiam e champorrem
torpemente nas mais ilustradíssimas províncias, com uma risa de mofa, que a
dizer verdade (por mais que esta seja dura), demonstra a ignorância mais crassa
e a mais imperdoável injustiça que pode fazer uma provincia à outra provincia
irmã, por pobre que esta seja. Mais é aqui que o mais triste nesta questão é a
falsidade com que fora daqui pintam, assim os filhos da Galiza como a Galiza
mesma, a quem geralmente julgam o mais despreciado e feio de Espanha, quando
acaso seja o mais fermoso e digna de alabança».
Qual o diferente legado das ações e obras destas duas
figuras (movimentos)?
Em Rosalía de Castro o mais profundo sentido otimista do
destino do Povo e Nação galega. E também do papel e lugar da sua Língua que com
a sua obra será a verdadeira fundadora do Galego como Literatura Moderna. Na
Maria da Fonte e Revolução do Minho, o sentido da luta contra os autoritarismo
e despotismos e a defesa dos valores tradicionais dos povos e regiões.
A Maria da Fonte, como ação política teve efeito imediato no
Levantamento Minhoto, Nortenho e Nacional contra o Governo de Costa Cabral e
suas medidas, que levam à sua queda. A obra literária e poética de Rosalía de
Castro só será o fundamento da luta pelo nacionalismo galego, mais tarde,
porque a sua obra só será publicada lida e reconhecida, por finais do século
XIX e no século XX em que perduraria pela «atração insuperada dos seus versos
regionais».
De qualquer modo ambas tiveram um papel importante nos
processos dos ressurgimentos nacionais e nacionalistas de finais do século XIX,
que preparam os movimentos republicanos, em Espanha e Portugal, e que passam,
em ambos os casos pela valorização, papel e lugar que devem ter os territórios,
as províncias, as regiões no processo global dos Ressurgimentos Nacionais.
Rosalia de Castro virará a maior referência dos promotores
do Nacionalismo Galego. Maria da Fonte, suporte de um vago Regionalismo e
Provincianismo bandeira de forças liberais e conservadoras, na sempre expressão
da capacidade das terras e regiões de afirmar a sua identidade e tradição.
No final de contas, também, dois modos diferentes de
intervir, de base feminina: o literário, o cultural, da obra individual que
mobilizará as vontades a mais largo prazo do povo que contra e a quem se
dirige; o belicoso e guerrilheiro do movimento coletivo, de rutura e gestos
violentos mas que sempre também se perpetuam e vem à memória.
ARTE NO FEMININO
Arcelina Santiago, comissária da exposição
Os meus cumprimentos a todos os excelentíssimos
membros da mesa e convidados e um agradecimento muito especial ao Sr Prof Dr.
Viriato Capela e Dra Sandra por terem desde o começo abraçado esta iniciativa.
Fazendo a ligação entre os dois temas aqui abordados,
diáspora e literatura, com a arte, tema que tratarei, embora não seja
especialista de arte, mas sim apreciadora e considero-a mobilizadora de causas.
Começarei por mencionar Ana Harthely que reúne estas
três dimensões, uma forma singela também, de prestar homenagem a
uma mulher portuguesa da diáspora que ao deixar-nos, deixa o mundo cultural
português mais pobre. Artista plástica , poeta, romancista, ensaísta, estudiosa
da poesia barroca, "a pintora da palavra", como alguém a chamou, tem
mais de 400 poemas publicados." Tisanas " livro de pequenos poemas
foi o mais conhecido. Deixa-nos uma extensa obra , patente na fundação Calouste
Gulbenkian, no Museu de Arte contemporânea , Serralves , Museu do Chiado
e muitos mais.
Abordarei, então , a perspectiva da arte, fazendo a ponte
para a exposição que também nos traz hoje aqui a está Casa Museu e que
muito me apraz pois está casa faz parte da história da minha
família.
A arte é efetivamente aglutinadora de culturas, de
saberes e sentires e de reforço das relações humanas . Ela gera emprego,
propicia a socialização, e promove mais valia quando se cruzam culturas, como
tão bem referiu Isabel Ponce leão no Encontro Mundial da Diáspora, promovido
pela Associação Mulher Migrante, em 2013 " A arte apresenta-se como
um domínio propício a construções interculturais sendo, como é, expressão de
criatividades idiossincráticas. É justamente neste encontro de diferenças que
se gera a comunhão de saberes e de afetos e se demanda o cosmopolitismo de que
o século XXI não abdica . A arte assume por si só , a superação de
particularíssimos e difunde linguagens universais propiciadoras de um
ecumenismo prático. Tendo como certo que as políticas públicas e os seus
agentes podem e devem tornar-se mais amigos da criação artística de matriz
intercultural. (...) Identidades e diferença são conceitos que apontam para um
espaço continuo, sem fronteiras , onde o eu e o outro partilham crenças e
estéticas fazendo desmoronar posições dominantes e subalternas...
Assim , sobre a riqueza que pode trazer esta
multiculturalidade da arte no feminino, bem como a partilha de temas
relacionado com as mulheres, lançamos um repto cultural aproveitando a presença
dos excelentíssimos, representantes políticos e responsáveis do projeto "Euro
Cidade Monção /Salvatera do Mino, a saber: partilha e
intercâmbio de âmbito galaico português nestes moldes -
exposição e colóquio numa cimeira a ser realizada de dois em dois anos,
com o tema "expressões de cidadania no feminino " . Temos muito a partilhar
e a debater sobre a forma como aconteceu a diáspora nos dois países e a sua
relação com a arte, uma tentativa de leitura do mundo contemporâneo
com vista à estruturação de uma cidadania multicultural , igualitária e
emancipatória , de formação humanística cosmopolita.
Depois deste repto, lembro o passado e as mudanças que
aconteceram, provavelmente muito à semelhança do que se passou com as mulheres
do nosso país vizinho.
Da memória do passado, conservamos a imagem da mulher
doméstica com funções e divisão de papeis, marcada por uma construção meramente
social. A afirmação das mulheres foi uma caminhada árdua e ainda não acabada,
num mundo dominado pelo masculino. Ainda hoje, se há áreas em que a
discriminação foi praticamente ultrapassada, outras há em que um
longo caminho ainda vai ser necessário percorrer. Hoje as mulheres estão
presentes em todos os domínios: da investigação à economia, da tecnologia ao
empreendedorismo, da literatura à arte, da ciência ao desporto, do ensino à administração,
do direito à política. No entanto, a sua presença é ainda escassa
em lugares de topo, e os seus salários são quase sempre mais
baixos em relação aos homens , no desempenho de iguais tarefas. O
sistema de cotas imposto em alguns domínios veio obrigar a algum
equilíbrio, forçado, é bem verdade, mas as experiências de alguns países,
mostram-nos que pode ser um meio de estímulo para as mulheres e uma alteração
do status quo, construído em termos
sociais com dominância no masculino.
Do passado lembramos também a quase inexistência da presença
de mulheres em certas áreas e a sua concentração em áreas sócias, dos
serviços e na educação. A nível de literatura por exemplo, aconteceu
escreverem com pseudónimos masculinos, para obterem melhores críticas e melhor
aceitação social. Maria Archer,
jornalista e escritora, mulher da diáspora, já homenageada pela
Associação Mulher Migrante, teve a ousadia de não o fazer e denunciou essa
discriminação , que lhe valeu o exílio.
Felizmente que as conquistas de abril abriram portas
às mulheres na luta pelos seus direitos: liberdade, autonomia,
independência... A Associação Mulher Migrante com mais vinte anos de
existência tem contribuído para esta luta pela igualdade e visibilidade das
mulheres. Deu enfoque deste tema na sua última edição de 2014, com o título de
" 40 anos de Migrações em Liberdade " e dedicou o tema "
Expressões femininas da Cidadania" em 2013. Neste ano, no Encontro Mundial
de Mulheres na Diáspora colocaram-se em debate estas duas questões que volto a
trazê-las para este colóquio.
. Será que as mulheres terão de percorrer um caminho mais
árduo do que os homens para a sua afirmação no domínio artístico?
. Serão as artes um veículo com particular potencial para a
afirmação da agenda da igualdade de género?
Podemos constatar que, com a chegada de abril, também na
arte aconteceram mudanças desejadas. A liberdade de expressão e de
exposição pública deu às mulheres das artes possibilidade de darem o seu
grito de explosão criativa. A promoção da cultura e da divulgação da arte
no feminino tem sido um ponto forte de alguns municípios e associações,
contribuindo com eventos diversificados.
Os Estados vêm agora na cultura um grande potencial, um
poderoso soft power utilizados nos seus esforços de diplomacia pública para
afirmarem as suas identidades e potencialidades.
Quero salientar neste ponto, o contributo das mulheres
intelectuais tão importante na luta pela igualdade pois
transportaram para a ribalta trajetórias identitárias de mulheres que até
agora estiveram nas margens, como tivemos a oportunidade de constatar pelo
testemunho da professora Dra. Luísa Malato.
No mundo das artes as mulheres têm sido lutadoras através do
acto criativo, construindo imagens pictóricas e metafóricas que invadem o nosso
imaginário e que nos fazem sonhar bem alto e que só a arte tem esse condão,
como disse um dia o poeta Adolpho Rosse " depois escutai : não é a cotovia
quem canta ... é o pássaro cor do infinito" .
E se a pintura e a escultura é uma reorganização permanente
de metáforas, então, que elas inspirem os nossos sonhos! É esta a
proposta destes criativos e criadores que temos presentes na exposição hoje
aqui a ser inaugurada.
Sobre ela, acrescentarei que é essencialmente
feminina, não por acharmos que devemos discriminar os homens,
mas sim para se aproveitar a ocasião para chamar a atenção para a questão
da igualdade de género tema que a edilidade monçanense também abraçou.
A introdução de um artista monçanense, Ricardo de Campos,
foi simbólica. Por um lado, queremos homenagear esta terra minhota, por
outro, mostrar que nesta luta, homens e mulheres terão de estar unidos
porque deles depende a conquista de uma sociedade mais justa e
equilibrada e promissor, mais feliz.
Temos então propostas abertas a novas interpretações de
seis mulheres criadoras, no domínio da escultura e da pintura
contemporânea, com diferentes formas de expressão, reflexo de vivências
múltiplas, com algo em comum - o olhar feminino do mundo que as rodeia, a sua
sensibilidade estética como expressão de cidadania. Assim, estas obras de arte
afiguram-se como metáforas poéticas onde se pode contemplar o pormenor e
o geral, o concreto e o abstracto, o simbólico e o real, o particular e o
universal. Busca-se pelo traço, pelos efeitos cromáticos, pela
luminosidade, pelos materiais e pelas texturas, a dimensão das pessoas, dos
seus rostos, sulcados de histórias de vida; as formas, os movimentos, a
leveza da expressão, enquanto seres em mudança; procura-se na natureza e no
enraizamento, necessário para nos tornarmos mais Pessoas, a busca do pormenor e
do geral, patente em descrições de equilíbrio e serenidade que só as
árvores, enquanto símbolo anímico da vida, nos sugerem. Abraçar o
abstracionismo permite-nos mergulhar nos sonhos e nas utopias que
alimentam a vida. A dimensão cósmica, permite-nos ter uma visão ainda mais
abrangente, onde o homem, elemento do universo, na dialética constante
vida-morte, espreita em várias telas . São apenas algumas propostas de leitura
que deixo em aberto...Trata-se de pintura e escultura contemporânea, uma
primeira mostra em Monção de uma manifestação artística que quer
promover o debate de ideias em torno da expressão de cidadania no
feminino e que não se esgota na arte, mas que tem nela um ponto alto da sua
expressão, daí a realização de um colóquio que antecede a exposição.
É para mim uma honra ser comissária desta exposição. Vou
apresentar-vos as artistas, dando alguns breves tópicos, e certamente que os
detalhes ser-vos-ão transmitidos pelas próprias.
Luísa Prior, com a sua avassaladora perspetiva cósmica
do universo ; Filomena Fonseca, retratista exímia da expressão
humana; Maria André, aguarelista da
luminosidade e da mestria do pormenor; Teresa Heitor, com o destaque para
uma intensa força anímica da natureza - as árvores; Lena
Álvares, com a exuberância da arte em vidro aliado ao poder e simplicidade dos
troncos; Filomena Bilber com as suas bailarinas cheias de graciosidade e
muita alma; Ricardo de Campos com a sua arte irreverente, de impacto, onde
mulheres surgem despojadas de preconceitos .
São as artistas desta coletiva, curiosamente, todas
elas representadas na Bienal de Gaia, evento de grande referência cultural, a
nível nacional e internacional. O mesmo acontece com Ricardo de Campos presente
nessa mesma bienal e também na Bienal de Cerveira. São membros da
Associação Mulher Migrante, mulheres criadoras que, com a sua arte
expressam a sua cidadania ativa, defensora de causas.
Termino, voltando a repetir o repto inicial: a
proposta da cimeira entre dois países vizinhos que têm certamente tanto para
partilhar sobre as dimensões das mulheres aqui focadas, mas muitas outras
existem.
Para dar corpo a esta iniciativa futura, porque
não começar com uma itinerância de arte e debate de ideias , no modelo aqui
apresentado, ainda tímido, mas com uma força de querer avançar com outra
dimensão?
EXPRESSÕES DE
CIDADANIA NO FEMININO
Nassalete Miranda
Agradecer e felicitar, dois verbos que se impõem para falar
da excelente e oportuna iniciativa cultural e cívica que foi a que teve como
título: “Expressões de Cidadania no Feminino” e que aconteceu em Monção em 5 de
Setembro do ano da Luz 2015.
Agradecer ao Município de Monção, à Reitoria da Universidade
do Minh e à Casa Museu de Monção todo o apoio dado, e desde o primeiro momento,
à ideia de levar a terras de Deu-la-Deu, um debate e uma exposição de pintura e
de escultura, em acto de efectiva descentralização da Associação de Estudo,
Cooperação e Solidariedade Mulher Migrante. Associação a que é devida uma
palavra de felicitações, nas pessoas das Dras. Manuela Aguiar, Rita Gomes e
Arcelina Santiago – obreiras incansáveis que teimam em não cruzar braços no que
respeita ao apoio da integração da mulher portuguesa emigrada mundo fora, através
precisamente da Cultura, no sentido mais abrangente e global da palavra e da
solidariedade.
Coube-me a honra de moderar um debate rico pela qualidade
dos intervenientes e que teve sobre si o olhar sorridente da figura emblemática e mítica de Deu-la-Deu
Martins - que muitos ainda pensam que
foi homem…mas não – foi mulher e resolveu, pela astúcia e com pão, o cerco a
Monção durante as guerras fernandinas, no séc. XIV.
Falou-se do futuro, nessa tarde que reuniu mulheres e homens
não só de Monção, mas idos de várias partes do País e que na secular Casa Museu
partilharam saberes, experiências e sobretudo, projectos, na certeza que o
passado interessa estar presente na justa medida em que impulsiona para a
concretização dos objectivos futuros.
A Reitoria da Universidade do Minho fez-se representar
através do Prof. José Viriato Capela, director da Casa Museu de Monção, o
Município de Monção na pessoa do seu
vice-presidente, a Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade Mulher
Migrante, através das presenças das Dras. Manuela Aguiar, Rita Gomes e Arcelina
Santiago e a Universidade do Porto na pessoa da professora Maria Luísa Malato.
Um agradecimento particular dirigido ao senhor Alcaide de
Salvaterra do Minho, que se fez representar pelo Dr. E que com o seu apoio
titulou como internacional e transfronteiriça a referida sessão que contou com
o apoio da Quinta de Santiago e do jornal As Artes entre Letras.
Há que felicitar também todos os que se envolveram directa
ou indirectamente para dar luz ao evento, destacando e agradecendo a presença dos artistas que
integraram a exposição colectiva de pintura e de escultura, comissariada pela
Drª Arcelina Santiago, a abelha mestra e
mediadora daquela inesquecível tarde.
Todas as intervenções foram dominadas pela preocupação com a
igualdade de género, através da Cultura e da Educação
sendo de salientar o trabalho pedagógico e contínuo do
município de Monção no combate à violência doméstica, já com resultados
positivos. O Dr Paulo ESteves, um estudioso da matéria, mostrou a firme vontade
de continuar este trabalho na certeza de que o ser humano afirma-se pelo que
decide e que qualquer fatalismo é sempre contraditório à humanidade
Neste sentido e sob o lema “Nenhuma pessoa é estrangeira
numa sociedade que vive os direitos humanos”, nasceu a Associação de Estudo,
Cooperação e Solidariedade Mulher Migrante que já conta com mais der duas
décadas a desempenhar papel importante e transversal entre a Cultura e a
Cidadania, ajudando a manter vivas as tradições e língua lusa com um trabalho
exaustivo junto das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, dando
destaque e revalorizando o desempenho da mulher nesse sentido.
“Expressões de Cidadania no Feminino” foi o tema do colóquio
que apenas figura no passado do calendário, porque há um movimento para que
este tema mantenha vivo o interesse de outros debates também no mundo de todas
as expressões no masculino.
A Profª Maria Luísa Malato, da Faculdade de Letras da UPorto
levou a debate a figura de Catarina de
Lencastre, 1ª Viscondessa de Balsemão, mulher que marcou literariamente o
século XVIII e XIX e que foi alvo da sua tese de doutoramento. Apesar de estar
esquecida no tempo, ou até talvez por isso mesmo… continua a levantar a
questão, entre outras, da existência de
uma escrita no feminino.
Numa época em que só existe o que é visível, levar àquela
sessão o nome de Catarina de Lencastre foi um enorme desafio a algumas modas
intelectuais que teimam em manter fechadas as páginas da História escritas e
protagonizadas por mulheres. É que os tempos vão mudando mas há vontades que
permanecem!
A Dra. Maria Manuela Aguiar, sabemos, os que temos o
privilégio da sua atenção, é uma das nossas guerreiras.
Deveria entender-se bem com a Deu-la-Deu…
A intervenção da Dra. Maria Manuela Aguiar foi viva e
recheada de episódios de vivências nos cinco continentes onde mulheres
portuguesas se encontrar emigradas. Presidente da Assembleia Geral da
Associação "Mulher Migrante" da qual foi uma das fundadoras, a Dra.
Maria Manuela Aguiar possui um curriculum vasto e rico, sendo o denominador
comum da sua viva a defesa dos direitos no que respeita a igualdade de género.
Se eu tivesse que escolher uma ”dama de ferro” portuguesa,
nesta nossa contemporaneidade, seria sem dúvida a Dra. Manuela Aguiar que se
assume feminista sem ocultar o feminino e que se entrega à Diáspora em trabalho
missionário!
Professora Arcelina Santiago, Mestre em Ciências Sociais
Políticas e Jurídicas pela Universidade de Aveiro, está ligada a Monção por
laços familiares e a um projecto de vinho Alvarinho e a sua intervenção foi
dominada presença literária e histórica de Ana Harthely que fez da sua viva um
cruzamento entre história, diáspora, arte e literatura.
Detentora de palavra viva aproveitou a ocasião para lançar o
desafio da criação do projecto cultural Monção/Salvaterra do Minho - Euro
Cidade.
Pois que é preciso que este projecto saia do papel…
O Prof. José Viriato Capela foi o último palestrante. A
presidir desde 2002 à Casa Museu de Monção
- que é um braço cultural da Universidade
do Minho, integra o corpo docente daquela Universidade bem como o Centro de
Investigação transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória, desta Instituição de
Ensino Superior. Foi o nosso anfitrião numa Casa que é o exemplo vivo de como
uma Universidade pode e deve estar ligada ao meio.
Intervenção que recolocou no debate a importância da
descentralização deste tipo de iniciativas, pontuada pelo relato de factos
históricos que catalogam Monção como uma terra de História, de vinho, de
tradição e quer também afirmar-se pela Cultura num esforço conjunto entre a
Academia, o Município e o desafio transfronteiriço.
Seguiu-se a
inauguração da exposição A Arte no Feminino integrada por 6 mulheres: Luísa Prior, as Filomenas Fonseca e Bilber, Maria André,
Teresa Heitor, Lena Álvares, e um homem o artista monçanense Ricardo de Campos
– não, este artista não foi a cereja no topo do bolo – foi o homem/pintor
convidado porque o feminino também se cumpre no masculino!
Passado que está este tempo sobre essa tarde de fim de verão
em Monção, na Casa Museu, mantenho vivas as cores das telas, as formas das
esculturas, as palavras dos intervenientes, a frescura e o gosto do Alvarinho
da Quinta de Santiago e sobretudo o sorriso de todos e aquela sensação
indescritível de que durante umas horas o mundo avançou e com ele o nosso País
e a nossa Gente!
Havemos de voltar ao lugar onde fomos felizes!
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