domingo, 15 de junho de 2014

GRAÇA GUEDES em BERKELEY Abril 2014


April 25, 1974, its goals and its objectives 40 years later

University of California, Berkeley


25 DE ABRIL – UMA REVOLUÇÃO PARA AS MULHERES DA DIÁSPORA


Professora Catedrática Aposentada da Universidade do Porto





Foi bonita a festa, pá
Fiquei contente
Ainda guardo renitente
Um velho cravo para mim.
Já murcharam tua festa, pá
Mas certamente
Esqueceram uma semente
Nalgum canto de jardim

Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei, também, quanto é preciso, pá
Navegar, navegar.
Canta primavera, pá
Cá estou carente
Manda novamente
Algum cheirinho de alecrim

Chico Buarque – Tanto Mar


Introdução

É com a maior honra e satisfação poder associar-me às comemorações do quadragésimo aniversário da nossa revolução organizadas nesta prestigiada universidade pelo Portuguese Studies Program of the University of California, Berkeley e pela Luso-American Education Foundation of Dublin, California, celebrando assim e tão dignamente, este dia Inicial, inteiro e limpo, como dizia Sophia de Mello Breyner e, implicitamente, recordar esse ato solidário desencadeado há 40 anos pelos insubmissos capitães de Abril, que nesse dia de primavera nos proporcionou a primavera da Democracia. 



Uma data que hoje e aqui celebramos e que permitiu traçar o caminho do nosso coletivo, com sonhos que se concretizaram, ou que ficaram inacabados; com alegrias e frustrações; com esperança e desilusões.



Democracia, que é liberdade, cidadania, participação e ação. Efetivamente, porque liberdade é democracia, somos nós, cidadãos de pleno direito e integral dever, que construímos a Democracia”.



E nós, mulheres, como a temos construído? Em Portugal e no mundo?

40 anos de democracia

Já passaram 40 anos desde que a primavera da Democracia espalhou por todo o país o aroma da liberdade e da esperança.

A revolução dos cravos deixou-nos o legado da responsabilidade de aprender e praticar a gestão do bem comum, sem subterfúgios nem desculpas.

Ao longo destes anos temos percorrido um caminho traçado rigorosamente numa Constituição, que foi elaborada por uma Assembleia Constitucional durante longos meses de trabalhos, desenvolvidos em tempo de conflito, entre a legitimidade revolucionária e a legitimidade democrática e que foi aprovada em 2 de Abril de 1976.



E a  legitimidade democrática  acabou por prevalecer.



Uma Constituição, muito preocupada com os direitos fundamentais dos cidadãos e dos trabalhadores, bem como com o equilíbrio do poder entre os Órgãos de soberania.


Uma Constituição, que estabelece a igualdade para homens e mulheres, numa multiplicidade de domínios e que possibilita um quadro jurídico novo, no que se refere às mulheres e à igualdade.



Uma preocupação que então já era pertinente, uma vez que 1975 foi uma data internacionalmente marcante na evolução das questões relativas à condição feminina e à igualdade: foi proclamado o Ano Internacional da Mulher das Nações Unidas e realizou-se na Cidade do México a I Conferência Mundial sobre as Mulheres.



Valerá a pena salientar e com orgulho, que esta tomada de consciência que então se começou a esboçar no mundo, em Portugal já remonta a 1970, quando apesar dos constrangimentos políticos que vivíamos, é criado um grupo de trabalho para a Participação da Mulher na Vida Económica e Social, ao qual se lhe seguiu, em 1973, a Comissão para a Política Social Relativa à Mulher.



Esta Comissão atravessa intocável a Revolução de Abril e, em Janeiro de 1975, por iniciativa da Dra. Maria de Lourdes Pintassilgo, então Ministra dos Assuntos Sociais, é substituída pela Comissão da Condição Feminina, ficando em regime de instalação até 1977, altura em que é institucionalizada e são definidos os seus objetivos, bem como as atribuições e competências – apoiar todas as formas de consciencialização das discriminações contra elas praticada em ordem à sua inserção no processo de transformação da sociedade portuguesa de acordo com os princípios consignados na Constituição.



Em 1991, esta Comissão adota uma nova filosofia, com melhores possibilidades de intervenção e passa a ser denominada Comissão para a Igualdade e para os Direitos da Mulher (CIDM), na medida em que a Igualdade é um direito fundamental dos homens e das mulheres



Valerá também a pena salientar que em 1979 a então Secretaria de Estado do Trabalho, com a Dra. Manuela Aguiar ao leme, prepara uma legislação que veio a instituir a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, que procurou assegurar as condições de acesso e promoção da mulher em contexto laboral.



Foi esta Constituição, que permitiu que 1980 Portugal fosse um dos primeiros países a ratificar, sem reservas, a Convenção das Nações Unidas para a Eliminação de todas as formas de descriminação contra as mulheres, adotada pela Assembleia Geral em 1979.



Como referia Jorge Miranda no Jornal Público, “ …é uma Constituição garantia e uma constituição prospetiva ”. E também afirma: “… a Constituição continua sendo Constituição de liberdade e Constituição de solidariedade “ .

Se a humanidade é composta por homens e mulheres, importará que haja igualdade em direitos e em dignidade, independentemente das diferenças que lhes são próprias. Importará que haja uma plena e igual participação de homens e de mulheres em todos os níveis da vida social e política, incluindo os níveis de decisão e de poder.



 Mulheres e homens têm direitos iguais, porque a Humanidade se desenvolveu, porque as ciências avançaram, porque as sociedades evoluíram, porque a Justiça e a Democracia são assumidas como ideais em constante aprofundamento (Guedes, 2006).

Avançou-se, para combater a discriminação, para combater a desigualdade, com a aplaudida eleição da problemática inclusão social como uma das grandes prioridades do Presidente da República.

Hoje, não é aceitável que às mulheres corresponda um estatuto com menos direitos dos que são reconhecidos aos homens, como a título de exemplo, do acesso ou das condições de trabalho remunerado, quando simultaneamente, têm acumuladas responsabilidades familiares, que comodamente os cônjuges tantas vezes não partilham.



 AS MULHERES DA DIÁSPORA

O Encontro de Viana em 1985

Constatando uma enorme carência de dados acerca do papel da mulher migrante portuguesa nos países de acolhimento a então Secretaria de Estado da Emigração, organizou o 1º Encontro de Portuguesas Migrantes no Associativismo e no Jornalismo, que teve lugar em Viana do Castelo em Junho de 1985. Para a Secretária de Estado, Dra. Manuela Aguiar, esta iniciativa representava um contributo no ano de encerramento da Década das Nações Unidas sobre a mulher – década em que a mulher migrante surgiu como tema autónomo enquanto grupo desfavorecido – balizando proporcionar troca de experiências e de conhecimentos que as mulheres portuguesas têm vivenciado no jornalismo e no associativismo, de forma a que fosse conhecida a realidade feminina portuguesa no mundo.

Tratou-se de um marco histórico que fez desencadear todo um caminho que tem sido percorrido e que, inclusivamente, nos conduziu até aqui e hoje!

Eu estive lá e conheci mulheres fantásticas que vieram de todos os continentes e nos deram a conhecer os seus diferenciados papeis nas diferentes comunidades e nos diferentes contextos onde intervinham.

Para Mª. do Céu Cunha Rego, que teve a difícil tarefa de organizar este Encontro, … Manuela Aguiar, então Secretária de Estado da Emigração, chamou a Viana do Castelo mulheres das comunidades portuguesas que se tivessem distinguido no associativismo e no jornalismo nos países que também tinham feito seus . E acrescenta, … Antecipou assim, em cerca de 10 anos, o que haveria de ser uma das principais recomendações da IV Conferência Mundial das Mulheres organizada pelas Nações Unidas em Pequim, em 1995: a indispensabilidade do empoderamento das mulheres, de que são pressupostos, a visibilidade e o reconhecimento.

Dar voz às mulheres, constatar as suas realizações, ouvir as suas críticas e as suas vontades, registar as suas propostas, celebrar este encontro em Portugal … foram objetivos conseguidos

Foram objetivos que se mantiveram e que encontraram na Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade Mulher Migrante a forma de lhes dar continuidade.

A ASSOCIAÇÃO MULHER MIGRANTE

 A Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade Mulher Migrante, foi criada em 1993 e, tal como o seu nome expressa, abraça as questões das migrações no feminino, que envolvem uma multiplicidade de variáveis que estão definidas nos seus estatutos:

-   estudo das matérias ligadas à problemática das migrações femininas;

-  proporcionar cooperação com as mulheres profissionais e dirigentes de Associações das Comunidades Portuguesas no mundo e com as imigrantes que vivem em Portugal; 

-   desenvolver atividades, visando combater ideias e movimentos xenófobos;

-   possibilitar apoio á integração das mulheres na sociedade de acolhimento e defesa dos seus direitos de participação social, económica e política.


Para atingir estes objetivos, a Associação tem promovido ao longo dos seus 20 anos de vida, a realização de Encontros, Seminários e outras iniciativas, sobre temáticas sempre adequadas à conjuntura das migrações para as Mulheres Migrantes, problemas sociais, entre outros, inicialmente em Portugal e já desde há alguns anos nos diversos continentes.


Procuramos assim o encontro direto com Mulheres Migrantes Portuguesas no seu mundo de trabalho e as “novas oportunidades” que confrontam, mas que se alastre também aos Jovens, luso descendentes ou não, numa perspetiva intergeracional que busca a inovação, a igualdade, a paridade e a participação ativa e plena da Mulher nas mais diversas áreas.


Com estas Iniciativas, fomo-nos aproximando das comunidades portuguesas, transmitindo – lhes os conhecimentos que mais diretamente lhes podiam interessar e em função do contexto em que estão inseridas.


Seria exaustivo enunciar as inúmeras as Iniciativas que durante estes 20 Anos, não deixando de salientar as que considero mais importantes.

1995 – Espinho: Encontro Mundial de Mulheres Migrantes – Gerações em Diálogo, com a presença de mais de 200 pessoas;

2005/2007 - Encontros para a Cidadania, realizados na América do Sul, na América do Norte, na Europa e em África, patrocinados pela Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas:

Buenos Aires (Novembro de 2005): A Igualdade entre Homens e Mulheres nas Comunidades Portuguesas da América do Sul;

Estocolmo (Março de 2006): Conferência entre Homens e Mulheres nas Comunidades Portuguesas, Europa;

Toronto (Março de 2007): Conferência sobre a Participação Cívica e Política. Igualdade de Oportunidades, entre Mulheres e Homens nas Comunidades Portuguesas – América do Norte;

Joanesburgo (Fevereiro de 2008): Mulher – Vertentes para a Mobilidade numa Perspetiva de Diálogo Intercultural – Continente Africano;

Espinho (Março de 2009): Encerramento dos Encontros para a Cidadania: Encontro Mulheres da Diáspora - Olhar Retrospetivo sobre Os Encontros para a Cidadania


Para além destes Encontros para a Cidadania e a partir de 2006, são de registar outras iniciativas:

2006 - Canadá (Montréal), Junho - Semana de Portugal em Montréal:  Universidade do Québec: Conferência Retrato da Mulher Luso Descendente, organizada por Jovens do Carrefour Lusophone e da Associação de Estudantes Lusófonos;

- Conferência: A Violência Conjugal e a Mulher Portuguesa.

2006 - EUA (Newark), Junho: Seminário Presença da Mulher nas Comunidades Portuguesas na América do Norte e participação nas comemorações do Dia de Portugal

2007- EUA e Canadá: Seminários sobre Ação e representação das Mulheres nos Multimédia;

2008, 2009 e 2010 – Seminários na Europa: Amesterdão e Genebra;

2011 - Maia (Novembro): Encontro Mundial de Mulheres Portuguesas da Diáspora, com mostras bibliográficas sobre Maria Lamas e Maria Archer, cuja homenagem foi incluída na programação. Neste Encontro iniciaram-se as Exposições Coletivas de Pintura e Escultura – Feminino Plural.

2012 – Conferências Feministas da Diáspora: Maria Lamas e Maria Archer.

                2012 - Colóquio na Califórnia (Abril) – organizado pela Universidade de Berkeley e de S. José: As Mulheres transmissoras de cultura.

                2012 – Newark (Abril) - Encontro sobre Universidades Séniores, com a colaboração do Consulado Geral de Portugal.

2012 – Londres (Junho) - Conferência O Céu é o Limite, sobre a situação do ensino de português e Encontro com Mulheres Lusófonas, a fim de ser criada uma Associação de Mulheres. Nessa oportunidade foi também tratado o Projeto ASAS – Academias Sénior de Artes e Saberes.

2012 - Paris – Casa de Portugal; Bruxelas – Livraria Orfeu;  Zaandam (Holanda): Encontros que integraram Exposições de Pintura e Joalharia  em que participaram 6 artistas idas de Portugal (Porto).


2013 – Espinho (Maio): Inédita participação na 2ª BIENAL INTERNACIONAL MULHERES D’ARTES, organizada pela Câmara Municipal de Espinho/Museu Municipal de Espinho, que marcou o início das Comemorações dos 20 Anos da nossa Associação..

 Nesta 2ª Bienal participaram 120 Mulheres de várias artes, de diversos continentes e constituiu um excelente exemplo de trabalho em Parceria. Estavam também presentes artistas das comunidades portuguesas.

                2013 – Lisboa (Palácio das Necessidades): Encontro Mundial Mulheres da Diáspora - Expressões Femininas da Cidadania, que contou com cerca de 130 participantes de Portugal e do Estrangeiro, e que se realizou nos dias 24 e 25 de Outubro.

2013 – Recife:  Encontro Expressões Femininas da Cidadania: A mulher portuguesa no Recife


Em 2013 foram lançadas  Publicações editadas pela Associação:

·         Atas do Encontro Mundial da Maia

·         Revista de homenagem a Maria Lamas Entre Portuguesas num mundo sem Fronteiras

·         Vida e Obra de Maria Archer, uma portuguesa da Diáspora

·         Separatas da revista Entre Portuguesas num Mundo sem Fronteiras :

- Na Nossa Memória – percursos partilhados na emigração

- Sociedade Portuguesa Rainha Santa Isabel

- Feminismo e Cidadania


Segundo Manuela Aguiar, Presidente da Assembleia Geral da Associação Mulher Migrante … A AEMM, consciente desta evolução assimétrica, na generalidade dos países tem concentrado os seus esforços na mobilização das mulheres para uma participação de vanguarda nas comunidades portuguesas, a fim de que se convertam em espaço de expressão da cidadania e se expandam com a inclusão de grupos marginalizados, invertendo a tendência para o seu declínio, que tantos profetizam e justamente receiam.

MARIA LAMAS E MARIA ARCHER

Não queria terminar sem evocar estas duas grandes mulheres da Diáspora Portuguesa, que marcaram a primeira metade do século vinte e nos deixaram um testemunho de cidadania, de coragem, de determinismo sobre as causas que abraçaram e que constituem marcas indeléveis que a nossa Associação tem procurado divulgar em Encontros, Seminários e nas publicações que já referi e cujos títulos tão bem as carateriza:

·         Maria Lamas - Entre Portuguesas num mundo sem Fronteiras

·         Maria Archer, uma portuguesa da Diáspora


No Encontro Mundial Mulheres Portuguesas na Diáspora, realizado em 2011 na Maia, Salvato Trigo sintetizava assim o painel Feministas da Diáspora para as homenagear: … estas são certamente duas das mais lídimas (legítimas) e empenhadas representantes, entre nós, do movimento pela dignidade pessoal e pela afirmação social e cidadã da mulher.

Falar de qualquer uma destas mulheres que tanto defenderam a igualdade de géneros, é motivo para um Encontro ou Simpósio ou Conferência, tal como temos feito em Portugal.

Seria leviano da minha parte e elas não merecem, que utilizasse este pouco tempo que me resta para falar destas lutadoras ativas, que usaram como arma a palavra escrita e a palavra dita, com determinação e coragem nos vários mundos onde foram forçadas a viver.

A melhor homenagem que podemos fazer é ler os seus livros, é conhecê-las através da leitura das nossas publicações que lhes são dedicadas e que estão à vossa disposição nesta Universidade.

Partamos assim ao encontro com Maria Lamas e com Maria Archer, para com elas nos reencontrarmos!

Aceitem este meu desafio.

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