2015, o ano da morte de Maria Barroso
! - Num tempo propício a festas de família, balanços e prognósticos políticos, estava eu posta perante a dificuldade da escolha de tema para esta coluna, enquanto ouvia, na Antena 1, um programa sobre os factos marcantes de 2015. Primeiro pronunciaram-se comentadores e celebridades, depois a voz do povo, glosando motes: a aliança de esquerda pós eleitoral, o Banif e outros buracos negros, o desaparecimento de três vultos da vida portuguesa, dois cineastas e um poeta…
Reagi, de imediato ao esquecimento em que via
deixada uma grande personalidade que, em julho, partira do nosso convívio, a Dr.ª
Maria Barroso. Tinha de escrever sobre ela…
2 - Maria Barroso foi um símbolo de excelência
em tudo quanto fez durante uma vida longa, em tantas e diversas vestes – jovem
e talentosa atriz do Teatro Nacional D Maria II, pedagoga e diretora de um colégio
que colocou no topo dos “rankings”, militante da causa da liberdade, que usou o
palco do teatro, a expressão artística, a força da poesia na sua voz, como
instrumento de luta, mulher que ousou subir ao mundo masculino dos comícios políticos
e falar sem medo.
Esteve no centro da sua própria família como
esteve no centro da vida pública nacional, com a mesma dedicação e competência.
Foi o rosto da cultura, da inteligência e da elegância das mulheres do seu país,
na Europa e no mundo. A conversão, sincera e emotiva ao catolicismo, aprofundou
o seu sentido de missão, a vontade de viver para os outros, num mundo melhor, que
foi o fio condutor do seu percurso, nas Artes, na Política (com letra grande),
no Voluntariado. O trabalho que, nas últimas décadas levou a cabo, no campo dos
direitos humanos, na Fundação Por Dignitate, foi notabilíssimo, ultrapassou
fronteiras, em especial no espaço da Diáspora e da lusofonia (no processo de
paz de Moçambique, em Angola, na Guiné), no combate ao tráfico de armas, à
intolerância e à violência nos “media” (e sobre todas as formas!), no apelo à
participação das mulheres nas suas comunidades - como eu pude testemunhar,
durante os chamados “Encontros para a Cidadania”, nos quatro cantos do mundo,
admirando, de perto, a sua energia contagiante, uma enorme proximidade das
pessoas, feita de compreensão dos problemas e de simpatia, uma rara capacidade
de mobilização, pelo discurso e pelo exemplo - ia já nos 80, quase nos 90 anos.
Uma caminhada intensamente vivida em todas as
idades, com a sabedoria dos que não envelhecem intelectualmente, com uma
espantosa modernidade de pensamento e vontade de ação – até ao seu último dia
entre nós!
Maria Barroso foi a maior figura feminina do século
XX português, um incomparável exemplo de cidadania, que seu (e nosso) tempo lega
ao futuro, um legado verdadeiramente intemporal, como o cinema de Oliveira ou
os versos de Helberto Hélder.
3 – Há alguns anos, numa brilhante intervenção
na cidade de Joanesburgo, a Dr.ª Maria Barroso lembrava que “apesar da História
ter sido tecida por Mulheres e Homens, só a estes é dada relevância”.
Não
deixemos que isso aconteça no seu caso!
Maria Manuela Aguiar
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