quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

1985 - O CCP, O ENCONTRO DE VIANA E AS POLÍTICAS DE GÉNERO

1985 - O CCP, o Encontro de Viana e as políticas de género
1- 2015, num momento em que o CCP, renovado por um processo eleitoral, tem de repensar a sua atuação, para ocupar, mais e melhor, o espaço privilegiado, que é o seu, no diálogo e cooperação entre portuguesas e portugueses do mundo inteiro e na sua representação perante o Governo, a diplomacia, as entidades públicas de Portugal, num momento em que está essencialmente voltado para hoje e amanhã, é interessante lançar um olhar retrospetivo sobre a sua evolução, em especial no que respeita ao equilíbrio de participação de género. Como tornar esta singular instituição mais inclusiva, mais democrática, mais capaz de levar a Lisboa toda uma grande diversidade de situações em mudança e de problemas, novos ou recorrentes, a solucionar na emigração? O equilíbrio de género será factor decisivo para que cumpra melhor as expetativas e os meios nele investidos? A paridade, globalmente, é ainda uma meta utópica, mas foi agora alcançada na Venezuela, na Argentina,em Macau...A diferença que as mulheres aí - e porventura, também noutros países - conseguirem fazer poderá mudar a forma de ser e de estar de um órgão, desde o seu início tão marcadamente masculino?

2- Na sua primeira vida, entre 1981 e 1988, o CCP era eleito dentro do círculo das associações do estrangeiro. Espelhava, naturalmente, a realidade de um universo institucional liderado por homens, não havendo entre os seus representantes eleitos uma única mulher. Mas no Conselho tinham também assento representantes da comunicação social, e foi no interior desta segunda componente que se registaram, nas eleições de 1983, as primeiras presenças femininas, Maria Alice Ribeiro (Canadá) e Custódia Domingues (França).
Foi Maria Alice Ribeiro, do Canadá, quem, na reunião Regional da América do Norte, em 1984, propôs a convocação de um encontro mundial de Portuguesas do estrangeiro, A ideia obteve fácil consenso e a Secretaria de Estado da Emigração promoveu a sua organização em 1985 .
A seleção das participantes foi feita com base em comunicações apresentadas por mulheres dirigentes na esfera associativa ou envolvidas na atividade jornalística - as duas vertentes em que se centrava o CCP. O 1º Encontro Mundial trouxe ao Minho, a Viana do Castelo, uma elite feminina, que se distinguiu pela sageza, visão e capacidade de chegar a consensos. Foi uma reunião diferente de todas as outras,verdadeiramente excecional... Falaram da especificidade de género nas migrações, mas também da emigração como um todo: o ponto de vista feminino, até essa altura, desconhecido, sobre sociedades em transformação, às quais queriam poder dar, livre e responsavelmente, a sua parte.
Essa primeira audição governamental foi uma espécie de "Conselho no feminino", preenchendo um vazio absoluto, convertendo-se em prenúncio de leis e programas, visando a paridade. A Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas instituira, em 1987, a Conferência para a Igualdade de Participação, que, a par de outras conferências temáticas, funcionaria na órbita do Conselho. Porém, no verão desse ano, caiu o Governo, e com o novo Executivo caiu o CCP e tudo o que com ele se relacionava, como era o caso das conferências periódicas. E a questão de género na Diáspora e no CCP ficou esquecida durante duas décadas.

3- O Encontro de Viana era precursor, em termos europeus (e, ao que se afirmou, nas sessões d 1º Encontro, em termos universais - ninguém tinha conhecimento de convocatória semelhante por parte de um governo em favor das mulheres expatriadas). Portugal era, por sinal, um Estado improvável para se tornar pioneiro neste domínio, com as suas políticas particularmente misóginas, desde os tempos da Expansão até ao 25 de Abril... E mesmo depois da revolução de 1974, continuara a centrar os esforços de promover a igualdade apenas dentro das suas fronteiras - as prioridades da Comissão para a Igualdade denunciam esta visão" territorialista" das suas tarefas. Em 1984/85, o impulso para a inovação e para a mudança veio do CCP, onde uma mulher "fez a diferença". As pioneiras do Conselho eram poucas, mas notáveis e estiveram, em 1993, entre as fundadoras da Associação Mulher Migrante, animadas pelo projeto de criar uma associação feminina internacional, segundo a estratégia delineada no Encontro de 1985.
4- Na sua segunda vida, em 1996, o CCP tornou-se um órgão eleito por sufrágio direto e universal, seguindo os novos moldes entretando adotados pelos congéneres europeus. Mas, de facto, em muitos domínios, (ensino, cultura, segurança social, recuperação da nacionalidade, participação cívica e política) as suas preocupações inseriam-se na senda do Conselhos anterior. Todavia, apesar do escasso número de eleitas em cada novo ato eleitoral, o CCP não retomou, nos seus plenários, a ideia de um forte chamamento cívico das mulheres a uma intervenção mais ativa no seu funcionamento e nas comunidades. As principais exceções foram o Canadá, que, com Maria Alice Ribeiro e o coordenador nacional Manuel Leal, colocaram esta problemática nas prioridades da agenda no plano local (dinamizando, com sucesso, colóquios e work shops em diversas cidades), os EUA, com Manuela Chaplin e o coordenador João Morais e o Uruguai, com Luis Panasco Caetano ( que se envolveu ativamente na promoção do associativismo feminino no sul da América) . Não haverá muito mais a assinalar.
A decisão de promover o aumento da presença feminina na instituição acabou por vir de fora, não em cumprimento de uma qualquer recomendação dos conselheiros, mas "ex vi legis", com a extensão às eleições do CCP das regras da Lei da Paridade, que rege a composição do Assembleia da República, das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas e das Autarquias.
E, por puro acaso, fruto da cronologia eleitoral, a primeira experiência da aplicação da chamada "lei das quotas" foi justamente a elaboração das listas para o Conselho. Um teste positivo, já que a proporção da mulheres aumentou, sem prejuizo da sua competência. Porém, no que respeita a cargos formais (presidência do órgão ou das comissões), o CCP tem sido sempre um "mundo de homens", ao contrário da Assembleia da República, ondea presidência, vice-presidência, chefia de delegações internacionais, dos grupos parlamentares e de comissões por deputadas entrou no domínio da normalidade ..
.5- A composição do Conselho saído das eleições de setembro passado, está muito longe da igualdade de género, com apenas 12 mulheres conselheiras, embora a paridade tenha sido alcançada, aqui e ali.... A Venezuela figura, doravante, nos anais da instituição, com a liderança feminina das listas vencedoras no conjunto das duas áreas consulares, e os nomes de Milú de Almeida e de Fátima Pontes, que encabeçaram listas rigorosamente paritárias. O mesmo se diga da Argentina, com Maria Violante Martins, e de Macau, com Rita Santos.
Se quantitativamente o resultado fica muito àquém do ideal da paridade, já de um ponto de vista qualitativo ( olhando o movimento que leva as mulheres ao "empoderamento" na assembleia representativa dos emigrantes, que é o CCP), há sinais promissores de mudança. Pela primeira vez, são eleitas conselheiras oriundas de um associativismo de matriz cívica, de um "congressismo" que se reconhece no " espírito de Viana" - caso da "Mulher Migrante" com as suas ramificações internacionais, particularmente fortes na América do Sul, na Venezuela, na Argentina. Maria Violante, Milú de Almeida e Fátima Pontes são associadas e dirigentes da "Mulher Migrante"..
6 - O CCP fez história das políticas de género com a proposta do Encontro Mundial de 1985, que designámos como uma espécie de "CCP no feminino". Tem agora, com militantes de movimentos que aí nasceram, a possibilidade de levar por diante essas políticas, incluindo na sua agenda de preocupações e de prioridades de ação a metade marginalizada das comunidades, as mulheres, ou seja, de integrar, definitivamente "o feminino no CCP".

Maria Mnauela Aguiar

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