terça-feira, 3 de setembro de 2013

SÃO PASSOS a sua história

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Irei transcrever uma entrevista/reportagem cuja autoria é da jornalista Sónia Trigueirão, história verídica publicada no livro O TEMPERO DA MORENA - O Melhor da Cozinha Africana. Colaboraram nesse livro - com histórias e receitas -  5 (Cinco) representantes de países lusófonos: Cabo Verde ... São Tomé e Príncipe ... Guiné-Bissau ... Angola ... Moçambique. O livro esgotou-se. Espero por nova edição ...

NOTA: Acrescentei uma ou duas frases aos escritos da Sónia Trigueirão :)


Maria Conceição dos Santos Mestre Passos Mealha, SÃO PASSOS (nome artístico), nasceu na cidade da Beira, Moçambique, e aí viveu até aos 4 anos, assentando depois arraiais até aos dezassete anos em Quelimane, capital da província da Zambézia. Regressou à sua terra natal e casou-se aos 20 anos com o jornalista que um dia a entrevistou, por causa dos eventos da comunidade onde vivia.
Procuravam-se novos talentos e a SÃO MESTRE - ainda solteira - queria ser um deles. "Uns olhos verdes, verdes e vontade de vencer" era o título do texto que servia de mote à sua entrevista. "Foi assim porque tenho os olhos verdes e porque queria ser actiz". A entrevista foi publicada no matutino NOTÍCIAS DA BEIRA, por aquele que viria a ser seis (6) meses mais tarde o seu marido e, pai dos seus únicos filhos, João Paulo (42 anos) e Iolanda Amália (35 anos).
- Hoje, com sessenta e quatro anos, viúva e avó de um casal, garante que se há algo que jamais esquecerá é o país onde nasceu. Até porque viveu lá vinte e sete anos da sua vida.
- Quando era pequena queria ser actiz, mas acabou por seguir a carreira de professora. Depois do casamento, viajou para TETE, onde deu aulas de Desenho e de Trabalhos Manuais aos 5º e 6º grupos. Acumulava o ensino com o trabalho num jornal e locutora numa rádio. Se lhe perguntarmos o que tem presente na sua memória, não hesita: "A gastronomia, as paisagens e os cheiros. Lembro-me o cheiro da terra molhada".
- Divertida, conta como aprendeu a cozinhar os pratos tradicionais moçambicanos. Apesar de menina prendada, até a sua roupa fazia, a mão ainda não lhe puxava para os tachos. Um dia disseram-lhe que ia passar a dar aulas de culinária aos sábados. "Queriam que ensinasse receitas moçambicanas, mas como eu na altura não sabia, o meu marido ofereceu-me um livro para me ajudar", diz, acrescentando que acabou por arranjar uma estratégia: "Disse aos meus alunos, de ambos os sexos, que percebiam mais do que eu de gastronomia moçambicana, que lhes ensinava comida portuguesa e em troca eles ensinavam-me as receitas deles". Em casa havia uma grande mistura de temperos. "O meu pai era algarvio e a minha mãe era filha de uma africana e de um grego". Quando lhe perguntam qual a sua comida preferida responde: "É o caril de caranguejo ou de ovos cozidos que a minha mãe ainda hoje faz. O de caranguejo era tradição aos domingos. Íamos à missa e depois almoçávamos o caril", explica.
- E quando se fala em tradições, gosta de contar aquela vez em que ignorou uma: " Quando uma grávida vai ter um bebé, as mães ou as avós fazem um determinado chá. Supostamente era para ajudar à dilatação antes do parto, mas eu deitava-o fora sem que a minha mãe visse, porque era muito amargo. O certo é que na hora do parto e porque passava a vida a tomar banho no mar - Oceano Índico - parecia que estava selada e a criança demorou a nascer".
- Sobram recordações dos bailaricos, que substituíam a televisão, que não havia, os ensaios dos grupos de cantares das colectividades, os passeios na marginal, os primeiros passos nos trabalhos pictóricos, às refeições em família.
- "Eram tempos bons", diz, sorrindo, "porque era jovem e ireverente. Acho que ainda sou". Com a ajuda dos moldes da revista Burda criava as próprias roupas, o que chocava as freiras da escola que frequentava. "Diziam que era avançada demais para esse tempo".

- Com a descolonização, veio para Portugal, aos vinte e sete anos e com um filho de cinco. Aqui manteve a tradição de, antes de beber o que quer que seja deitar um pouco para o chão: É para os antepassados".
- Trabalhou vinte e dois anos num jornal diário. Um dia, por razões de saúde, retirou-se. Hoje os olhos verdes, continuam com vontade de vencer. Não foi actriz, mas é uma artista plástica que pinta as suas memórias de África.
(in Sónia Trigueirão - O TEMPERO DA MORENA - O Melhor da Cozinha A F R I C A N A)

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