terça-feira, 8 de outubro de 2019

GRAÇA GUEDES Presidente da AMM, na abertura do ano académico da USE



ASSOCIATIVISMO E BEM ESTAR
UNIVERSIDADE SÉNIOR DE ESPINHO VERSUS ASSOCIAÇÃO MULHER MIGRANTE

Maria da Graça Sousa Guedes
Professora Catedrática aposentada da Universidade do Porto
Presidente da Direção da Associação Mulher Migrante



INTRODUÇÃO

Não é uma frase de circunstância, mas a expressão de um sentimento verdadeiro, dizer a honra e satisfação de estar aqui hoje e participar nesta sessão que marca o início das aulas da Universidade Sénior de Espinho, neste que será o 23º ano escolar do seu percurso.

Participo com uma abordagem que envolve o associativismo e o bem estar, para explicitar como pode desempenhar um papel fundamental na melhoria da qualidade de vida de todos e, sobretudo, dos mais velhos, trazendo dois exemplos paradigmáticos: a USE e a AMM.


ASSOCIATIVISMO E BEM ESTAR

Pela sua própria natureza, o Homem tem necessidade vital de se relacionar, de criar laços de cooperação e de entreajuda, de desenvolver projetos comunitários, de trocar experiências, de viver e conviver com as pessoas que vivem junto de si ou nas suas proximidades.

Desde a família nuclear, passando pela família alargada, pelos amigos, pelo clã e tribo, desde os tempos mais remotos e primitivos aos atuais, o instinto de sobrevivência sempre obrigou o Homem à criação e recriação de laços comunitários e a estruturas associativas diversificadas.

O associativismo é assim um dos pilares da sociedade. Uma das mais belas e perfeitas expressões de vida social, que efetiva os valores de entreajuda, de cooperação e de solidariedade.


As associações são normalmente escolas de cidadania e de vida, que fazem desenvolver nos seus membros competências específicas, estruturando a assunção de responsabilidades, rentabilização de recursos, trabalho de equipa.

A sua lógica de interdependência interna, protege-as das vulnerabilidades e rentabiliza as potencialidades individuais e coletivas, permitindo ir mais longe na construção de uma sociedade inclusiva.

Desde confrarias, misericórdias, hansas e guildas dos tempos medievais, de pendor religioso e social, a sociedade foi encontrando formas novas e renovadas para responder às necessidades emergentes.

E Portugal, tal como em muitos países, tem sido um alforge riquíssimo de respostas adequadas aos desafios dos tempos.

Se outrora tudo gravitava à volta das instituições religiosas, que respondiam como podiam e sabiam aos problemas das populações, com a evolução do pensamento e da ciência, começaram a eclodir novas soluções para as aspirações da  sociedade.  

Associações cívicas, patrióticas e humanitárias, de socorros mútuos, sindicatos, caixas de crédito e de consumo, cooperativas de ensino e de outras valências, que juntaram vontades e recursos para minimizarem as limitações materiais, culturais e educativas das comunidades.

Segundo Martins (2009), o associativismo tem a ver com a transformação social e política verificada no advento do liberalismo, das ideias propagadas pela Revolução Francesa (1787) e pelo surgimento da revolução industrial inglesa (sec. XVII).  

Para este autor, o aparecimento em Portugal das primeiras associações acontece na passagem do sec. XVIII para o XIX, quando começaram a surgir as primeiras sociedade filarmónicas de que há registo nacional, tais como a Banda de Música de Santiago de Riba-Ul (1722), a Banda Musical de Figueiredo (Arouca, 1741), a Banda Musical do Pontido (Vila Pouca de Aguiar, 1765), a Sociedade Artística Musical Fafense (Fafe, 1770), a Sociedade Filarmónica de Mões (Castro D´Aire, 1971), a Banda Musical de Oliveira (Barcelos, 1782), a Banda Musical de Monção (1792), a Sociedade dos Artistas Lisbonense (1792), a Filarmónica Verridense (Montemor o Velho, 1808), ou a Banda Filarmónica Ovarense, em 1811. Todas elas estão ainda em atividade.

Serão também de registar as associações de socorros mútuos, que surgem nos inícios do século XIX: o Montepio do Senhor Jesus do Bonfim em 1807, o  Montepio Jesus Maria José (1822) e o Ourives de Prata Lisbonense, em 1822.

Para Costa (2009), é na segunda metade do século XIX que surgem associações com vocações mais diversificadas: de vocação musical (Bandas de Música e grupos corais) de teatro, centros de instrução, de recreio, de desporto e de cultura, que  acumulavam muitas vezes a sua vocação com uma componente beneficiente. Surgiram também as associações humanitárias de bombeiros, os ranchos folclóricos, as sociedade colombófilas, etc.

Este caldo sócio-cultural foi espaço privilegiado para o aparecimento da maioria das associações então criadas e muitas das quais chegaram vivas e ativas até aos nossos dias.

Atualmente há um vasto leque de associações com diversificadas finalidades: científicas e de investigação, de ensino, de moradores, de pais, juvenis,  de defesa do património e do ambiente, de relações internacionais, de entre tantas outras, que se vêm afirmando e aperfeiçoando. Consequentemente, que se afirmam solidamente no universo social em que se inscrevem e para o qual se dirigem.

O associativismo tem também uma forte expressão na diáspora portuguesa, constituindo uma forma de conjugar indivíduos com interesses ou gostos análogos, que tem favorecido a implementação de objetivos comuns - convivência social, práticas culturais, recreativas e desportivas -  que podem ser consideradas como um processo globalizante de interpretações sociais e um meio privilegiado para o estabelecimento de um diálogo intercultural, que se alicerça no fortalecimento dos seus próprios valores culturais. 

As associações portuguesas espalhadas pelo mundo, em grande número e que abrangem todos os continentes, refletem a espontânea necessidade em manter e cultivar a sua própria identidade, de forma a criar mecanismos próprios para defesa dos seus interesses, bem como para manifestar uma presença ativa no país de acolhimento.

Na última década do século passado, nasceram a Universidade Sénior de Espinho e a Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade Mulher Migrante. 


UNIVERSIDADE SÉNIOR DE ESPINHO VERSUS ASSOCIAÇÃO  MULHER MIGRANTE 

Não vou aqui e agora explicar o que é a USE!
Obviamente!
Mas dizer o que penso: um modelo paradigmático de um associativismo dirigido para os mais velhos e para o seu bem estar, que conjuga magnificamente as aprendizagens em várias áreas científicas, propiciadas por excelentes professores, com a Arte, a Dança e a Música, que justificam a sua vitalidade e crescente desenvolvimento.
Os meus parabéns a todos e a todas: direção, professores, alunos.
Os meus votos de um excelente ano letivo que agora tem início 

Mulher Migrante – Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade (AMM), é  também  designada Associação Mulher Migrante (AMM).

Foi constituída em 1993 e destaca-se por ser uma Associação defensora dos direitos de todas as mulheres portuguesas ou estrangeiras, dentro e fora de fronteiras, no domínio das migrações, da luta pelos direitos humanos e pelos direitos das mulheres.

Esta Associação teve um papel singular por preencher uma lacuna no acompanhamento da situação das emigrantes portugueses, sobretudo depois do 1º Encontro Mundial de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo, que a Secretaria de Estado da Emigração realizou em Viana do Castelo, em 1985. Um Encontro que constituiu uma espécie de "Conselho das Comunidades no feminino" e foi o primeiro passo de uma política para a igualdade. Tratou-se  de um acontecimento memorável, por ter ultrapassado, em qualidade de reflexão e debate, as expetativas mais positivas e também, por ter consubstanciado o nascimento das políticas de género para a emigração, que contudo só viriam a ser desenvolvidas, sistematicamente, duas décadas depois.

Em 1993, algumas das participantes e das organizadoras do mítico "Encontro de Viana", decidiram instituir a AMM, uma ONG destinada a colocar na ordem do dia as questões da emigração feminina e a repensar o papel das mulheres na Diáspora.

Considerando a divisa da AMM - Não há estrangeiros numa sociedade que vive os direitos humanos – foi determinada a nossa missão: contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, em que cada ser humano se possa realizar inteiramente - estrangeiros, mulheres, que sem direitos iguais, são como que estrangeiras no seu próprio país.
E, assim sendo, definidos os seguintes objetivos:
. Contribuir para a existência de políticas do género dentro e fora de fronteiras;
    . Aprofundar o conhecimento de realidades variáveis de comunidade para comunidade da emigração; aproximar essas comunidades entre si; promover as condições para a cidadania plena em cada uma delas; lutar pela igualdade e cidadania das mulheres;
  . Estabelecer redes de aproximação de mulheres de diferentes comunidades e delas com a AMM, potenciando assim uma vertente internacional;
   . Dar especial incentivo a uma participação cívica e política das mulheres emigrantes, seja pelo seu acesso ao patamar do dirigismo associativo em geral e em alternativa, pelo desenvolvimento de movimentos cívicos;
. Denunciar situações e promover a mudança;
  . Analisar e debater estudos científicos que favoreçam uma rigorosa interpretação da sociedade onde as mulheres ainda não têm iguais oportunidades;
. Dar relevo ao papel das mulheres em várias dimensões de cidadania;
    . Motivar as mulheres para a consciencialização do seu papel na mudança de esteriotipos socialmente construídos.

Metodologicamente, procuramos combinar a componente investigação (em diversas áreas, de acordo com a investigação científica desenvolvida nas universidades e centros de investigação), com o serviço público, o jornalismo, a arte, a literatura, o desporto , o associativismo, a música, a academia, a política, cuja divulgação é realizada em Congressos, Encontros, Colóquios, Tertúlias, Mesas Redondas, em parceria com Universidades, Autarquias, Fundações, Escolas e Associações, em Portugal e no estrangeiro, normalmente organizados pelas nossas associadas nesses países, algumas das quais criaram aí delegações da AMM (Argentina, Brasil, África do Sul, Canadá, EUA).  

Sempre que foi possível economicamente e graças ao patrocínio da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, foram publicados trabalhos científicos, atas dos eventos,  em edições próprias da Associação MM.


O 1º Encontro Mundial de Mulheres Migrantes – Gerações em Diálogo, realizado em Março de 1995 e aqui em Espinho, marcou indelevelmente o início das atividades da Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade Mulher Migrante. Foi Presidente da Comissão de Honra a Dra. Maria Barroso, que presidiu, brilhantemente, à sessão de encerramento.

Na década seguinte, foram realizados diversos colóquios e congressos, no país e no estrangeiro, mas é sobretudo a partir de 2005, por ocasião da comemoração do 20º aniversário do 1º Encontro Mundial, que a AMM organiza os Encontros para a Cidadania (2005-2009), em parceria com a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas e outras ONG’s, tais como a Associação Pro Dignitate e a "Rede Portuguesa de Jovens para a Igualdade".

A Dra. Maria Barroso presidiu a todos os Encontros. Ninguém como ela poderia ser o rosto de um projeto de inclusão de género e de geração na vivência plena de cidadania nas comunidades portuguesas.

Maria Barroso, presente nas iniciativas da Associação Mulher Migrante e desde a primeira hora, continuou connosco nestas iniciativas pioneiras, evidenciando o progresso da democracia portuguesa na aplicação das políticas públicas da igualdade fora dos limites do território. Todo o programa foi desenvolvido, ao longo de quatro anos: na Argentina (Buenos Aires, 2005), na Suécia (Estocolmo, 2006), no Canadá (Toronto, 2007), na África do Sul (Joanesburgo, 2008), encerrando em Espinho (2009) – Encontro Mundial de Cidadãs da Diáspora, com a presença de representações de cada um desses Encontros. Simultaneamente, iniciou-se a comemoração dos 15 anos de atividades da AMM.

A história do já longo percurso desta Associação, da sua transformação em parceira de uma rede de organizações internacionais e de sucessivos governos (com a organização dos congressos mundiais de mulheres da diáspora de 2011 e 2013 e de conferências e colóquios nos vários continentes da nossa emigração e até 2018) para a execução de políticas de género, é a demonstração da capacidade de dar corpo a um projeto consistente, agregando vontades e talentos, de mulheres e homens por igual, à volta da problemática tradicionalmente marginalizada das migrações femininas em geral e, em particular, do objetivo da igualdade, pelo não à discriminação e pelo aumento dos níveis de participação cívica e política das mulheres, dentro do movimento associativo português (onde tradicionalmente não tinham voz e não ascendiam à liderança).


Porquê o sub título UNIVERSIDADE SÉNIOR DE ESPINHO VERSUS ASSOCIAÇÃO  MULHER MIGRANTE?

Para além de uma constante presença nas nossas organizações e que muito nos honra e agradecemos, razão pela qual em 2009 lhe foi atribuído em Assembleia Geral da AMM e por unanimidade o título de Sócia Honorária, a USE é de certa forma e muito justamente a madrinha das Universidades Sénior que já se criaram na África do Sul (Joanesburgo, Pretória e Cape Tawn), na Argentina (Buenos Aires e Vila Elisa ), no Canadá (Toronto).

E madrinha porquê?

Em 2008, estávamos em Joanesburgo num dos Encontros para a Cidadania, aí intitulado Mulher - Vertentes de Mobilidade numa Perspetiva de Diálogo Intercultural. 

Após a minha intervenção e no debate que a seguir normalmente acontece, fui questionada acerca da forma que eu achava poder dar resposta à situação de grande parte das mulheres portuguesas, agora aposentadas e limitadas ao seu espaço familiar, sem programas para a ocupação dos tempos livres. 

E  foi com a maior espontaneidade que logo respondi UNIVERSIDADES SÉNIORES, lembrando-me da USE e da sua dinâmica  e da enorme expansão em Portugal.

Acharam uma ideia ótima, que procurei ajudar a implementar. Recorri à USE, logo que aqui cheguei e a Dra. Glória, com a maior gentileza e disponibilidade, forneceu-me todo o material que julgou fundamental para a sua criação e legalização: estatutos, formulários e demais informações acerca dos procedimentos necessários.

Tudo foi enviado para Joanesburgo e lembrei que achava justo que a USE fosse Madrinha. Não sei se a minha sugestão foi implementada! Sei sim que há mais Universidades Sénior na Cidade do Cabo e em Pretória. Teria sido justo!

Este modelo foi entretanto apresentado em outros países por nosso intermédio, estando já a ser implementado pelas nossas associadas na Argentina, nos EUA e no Canadá. Todas elas a funcionar com a maior intensidade.

Todas com o modelo da USE!

CONCLUSÃO

O associativismo é assim um dos pilares da sociedade. Uma das mais belas e perfeitas expressões de vida social, que efetiva os valores de entreajuda, de cooperação e de solidariedade.

As associações são normalmente escolas de cidadania e de vida, que fazem desenvolver nos seus membros competências específicas, estruturando a assunção de responsabilidades, rentabilização de recursos, trabalho de equipa.

A sua lógica de interdependência interna, protege-as das vulnerabilidades e rentabiliza as potencialidades individuais e coletivas, permitindo ir mais longe na construção de uma sociedade inclusiva.

A USE e a AMM são dois exemplos de associativismo a que pertencemos, com o maior orgulho da sua dinâmica, acreditando que continuarão o seu caminho com a qualidade que sempre as tem caraterizado.

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