domingo, 3 de agosto de 2014

IN " As Artes entre as Letras" - A grande migração de retorno

1 -  Retorno é um substantivo que tomou para nós, desde 1974, um sentido particular, que o confina a uma determinada migração: a que se seguiu ao fim das guerras de independência na Africa lusófona,
determinada pela força das circunstâncias, cheia de dramas individuais dentro do drama coletivo da descolonização. Uma imensa vaga migratória, única e irrepetível no quadro de séculos de expatriação, em que o regresso a casa fazia parte do projeto inicial, mas não se concretizava as mais da s vezes. Não houve nunca efeito demográfico comparável após a perda de outras colónias, no ocaso de outros impérios portugueses - o do Oriente, que se desagregou, devagar, na era Filipina, o do Brasil, para onde, depois da independência, os fluxos de saída se mantiveram imparáveis, ou, em fins do século XX, o fenómeno especialíssimo de Macau, território logo depois convertido numa das "sedes" culturais e económicas da CPLP, a instituição cujo alcance a China parece compreender melhor do que Portugal ou qualquer outro Estado...
De tudo isto se falou num debate que a Associação de Estudos Mulher Migrante promoveu, em parceria com a Câmara de Gaia, no Arquivo Municipal Sophia de Mello Breyner, a 3 de julho. A iniciativa integrou-se num ciclo de colóquios sobre a revolução de Abril e quatro décadas de migrações portuguesas e  teve como principal orador o Dr Amândio de Azevedo, antigo Secretário de Estado para os Retornados a partir de Janeiro de 1976, quando substituiu nessa pasta Vasco Graça
Moura..
 Amândio de Azevedo, que começou a sua militância cívica nos anos 60, no grupo de católicos portuenses ideologicamente próximos do Bispo do Porto, viria a ser um dos "pais " da democracia nascente em 1974. Os altos cargos que desempenhou ao longo de mais de 30 anos (entre outros, Deputado da Constituinte, Vice Presidente da AR, Ministro, Embaixador da CEE no Brasil), terão deixado na sombra essa primeira missão governamental que durou um semestre, o tempo certo para pensar e executar uma estratégia nova, que mudou o destino de dezenas e dezenas de milhares de famílias e o ritmo de desenvolvimento de muitas terras, sobretudo em zonas do interior, contrariando o que seria expectável em período de tão grande turbulência e incerteza. O seu mandato breve foi o momento de viragem de uma política generosa, mas puramente assistencialista e centrada em Lisboa, para uma dinâmica de inclusão social e económica, pela criação de oportunidades de empreendimento e emprego nas diversas regiões do país.
Diz-se que o modelo português de integração de quase um milhão depessoas, que nada traziam  consigo, para além da sua vida para viver, é exemplar. E, de facto, é-o, a nível europeu e universal. Uma boa razão para analisar a forma como foi implementado…

 2 -–  O modo como os governos se moveram face à grande vaga do retorno , mesmo no quadro das comemorações do 25 de Abril não tem, a meu ver, tido a centralidade que justifica.
A primeira observação: independentemente das críticas que possam fazer-se à descolonização, - que é neste domínio o aspeto mais vezes abordado -  há que reconhecer o empenho dos executivos, que se
sucediam, na tarefa ciclópica de acolher  todos os nacionais que chegavam em turbilhão, num vai-vém de pontes aéreas … Aqueles eram tempos em que havia um capital de solidariedade humana, que hoje parece andar perdido nos corredores do poder…
Nos primeiros meses de 1976 não se alterou a dominante solidária, mas deu -se uma rápida e muito bem planeada transição para uma política de mobilidade geográfica e motivação empresarial ou mais latamente ocupacional Fora do campo de ação destas medidas estavam muitos com as suas situações já resolvidas -   funcionários públicos reintegrados nos serviços do Estado e aqueles que se haviam espalhado pelo país, encontrando, sem recorrer a apoios estatais, o seu caminho. Em Lisboa
concentravam-se, então, os outros, os sem emprego, os que ocupavam quartos de hotéis e faziam as refeições quotidianas com vouchers para restaurantes a cargo dos governos. Mês após mês. Um guetto dourado, muitíssimo dispendioso para o erário público –  que nem por isso deixava de ser um gueto…
O abandono deste esquema foi feito rapidamente, em diálogo com os cidadãos, e com ganhos para eles e para o Estado. Terminou com a ocupação hoteleira, com um realojamento mais precário,
mas em condições dignas, em edifícios públicos (como antigos quartéis, antigos sanatórios) ou em casas pré-fabricadas, como as que a Noruega oferecera para o efeito.
 Foi atribuído subsídio de desemprego, que cada um geria conforme entendesse, em qualquer ponto do país. (Creio que a descentralização da assistência, completada por ajudas das autarquias locais foi parte fundamental do sucesso, tão glosado depois)... Foi, ao mesmo tempo, criado um Fundo financeiro, inicialmente composto por um donativo de um milhão de contos do governo dos EUA, destinado a constituir o “capital próprio”, com que estes portugueses se podiam candidatar a
empréstimos bancários para projetos de investimento.
 Foram inúmeros os que resultaram. Souberam, na sua maioria, viver a viragem das políticas. Saíram do gueto, da situação de dependência:
Um retorno dentro do retorno…O primeiro foi um  mero exílio, o segundo uma escolha livre e cidadã de pertença, de participação, de retoma do lugar que era seu em Portugal

Maria Manuela Aguiar

Julho 2014

Sem comentários:

Enviar um comentário