A publicação de homenagem a Rita Gomes, organizada pela Associação " Mulher Migrante" será concluída durante este mês, sob a coordenação de Filipa Menezes, sua neta e membro da Direção da AMM.
Neste dia 6 de outubro, em que celebraria o seu aniversário, aqui deixamos uma primeira coletánea - os testemunhos já recebidos.
Editorial
É este o ano da celebração dos vinte e cinco anos de atividade da Mulher Migrante - Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade. Tempo de celebrar o seu papel na defesa da causa da emigração, da cidadania e da lusofonia, com enfoque especial para as mulheres.
Vinte e cinco anos em que a nossa homenageada abraçou estas causas, juntamente com ilustres fundadoras e fundadores desta Associação . Estávamos no ano de 1993 e, desde aí, a história desta associação permaneceu ligada à vida da nossa saudosa Presidente, Dr.a Rita Gomes.
Neste ano de comemoração, ano de alegria, é ano também de tristeza pela partida desta inesquecível e marcante cidadã, defensora de causas. É tempo de lhe prestar tributo merecido como forma singela de manifestar amizade e reconhecimento. Foi, então, decidido, em reunião da Assembleia Geral, recolher testemunhos reunidos neste Boletim Especial em publicação digital, coordenado por Filipa Menezes. É pois tempo de, por palavras, corporizar o pensamento, dar expressão aos sentimentos, partilhar ações vividas em momentos tão marcantes da nossa Associação. Seguramente que muito haverá para dizer sobre a amiga, a mulher, a cidadã, a profissional com um fantástico percurso ascendente por mérito próprio e competência reconhecida em termos nacionais e internacionais sobre assuntos da emigração, chegando ao alto cargo de Presidente do Instituto de Apoio à Emigração e Comunidades Portuguesas!
Possivelmente muito ficará por dizer porque, às vezes, as palavras não chegam para extravasar tantas vivências de uma intensa vida de cidadania e momentos inesquecíveis partilhados, mas mais importante é que em cada ação desenvolvida ficou, nas nossas memórias, o cunho desta encantadora cidadã.
Os vários testemunhos recolhidos são reflexo do reconhecimento da sua ação enquanto mulher e cidadã .
E, neste ano de celebração, de homenagem e agradecimento de todas e todos os associados à Dra Rita Gomes, é também tempo de reflexão debruçada sobre um longo percurso de intenso trabalho em defesa dos direitos humanos. Seguir e honrar o lema desta Associação " Ninguém é estrangeiro numa sociedade que respeita os direitos humanos " continua a estar sempre presente a lembrar-nos que há muito caminho por fazer...
Assim, é tempo de continuar com a mesma determinação da nossa homenageada e para isso , nada melhor do que, inspirados nestes testemunhos do passado, termos os olhos postos no futuro. Estou certa de que dar continuidade ao trabalho, à missão desta Associação será a melhor homenagem que poderemos prestar à saudosa e inspiradora Dr.ª Rita Gomes
Arcelina Santiago
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RITA GOMES
CAUSAS DE UMA VIDA INTEIRA
A Rita deixou-nos no momento em que a Associação Mulher Migrante, (AMM), comemora os seus 25 anos, tantos quantos ela dedicou da sua vida à vida de uma instituição que se impôs, progressivamente, no domínio das migrações, da luta pelos direitos humanos e pelos direitos das mulheres. Não podemos, por isso, deixar, com o nosso silêncio ou inércia, perder-se no esquecimento geral a memória da sua admirável intervenção cívica, e a própria organização a que tão apaixonadamente se dedicou.
Para Rita, a emigração nunca se resumiu a burocracia rotineira, a trabalho em gabinete fechado, ou a elaboração teórica. Teve sempre em conta os rostos de pessoas, traduzindo-se em gestos sinceros e espontâneos de solidariedade. Uma intervenção que principiou no exercício de funções profissionais, décadas antes do seu envolvimento em puro voluntariado. Foi nessa outra faceta que a conheci no Palácio das Necessidades, em janeiro de 1980. Durante cerca de sete anos e através de quatro governos, colaborámos com entusiasmo na procura de soluções para os problemas muito concretos dos nossos expatriados, assim como de fórmulas mais eficazes de diálogo institucional com a Diáspora.
Naquele 1980 particularmente intenso - um ano, um governo, um programa pensado e articulado em cinco continentes - tudo era novo para mim. A experiência de longos anos que a Rita já contava foi preciosa para o êxito do que chamámos "as políticas de reencontro" com as comunidades entre si, e entre elas e o país.
Uma das primeiras certezas que me deram os diplomatas do meu gabinete foi a de que, dentro dos serviços da Secretaria de Estado, um se distinguia e com ele poderia contar inteiramente: o núcleo dirigido pela Dr.ª Rita Gomes. Uma direção de serviços chamada comummente o "Centro de Estudos" do Instituto de Emigração. Uma espécie de "think tank", que ganhara prestígio e autoridade, no meio de outros departamentos mais votados às tarefas administrativas do quotidiano - também imprescindíveis, mas de diversa natureza.
O "Centro de Estudos" era formado por jovens muitos empenhados e intelectualmente brilhantes, que poderiam ter procurado lugares mais aliciantes e promoções mais rápidas, e que ali estavam e continuariam por vocação, à imagem da própria líder, que tão bem os sabia mobilizar e os tratava como família. Melhor do que eu, dirão certamente o que Rita Gomes representou para eles e para a obra realizada numa equipa unida, quer pelas causas, quer pelos afetos.
Em 1981, foi instituído e entrou em atividade o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), que era visto como sede estratégica, por excelência, de reflexão e co participação nas políticas e programas para as migrações e para a Diáspora. O CCP era, note-se, 100% masculino. Eleito no universo associativo, refletia a marginalização de que eram, então, objeto as mulheres emigrantes. As presenças femininas nessa primeira reunião mundial foram, quantitativamente, tão escassas quanto notáveis de um ponto de vista qualitativo. Eram todas dirigentes ou técnicas de diversos ministérios, que moderaram ou assessoraram comissões, com aplauso unânime..
Entre essas pioneiras teve um papel central a Dr.ª Rita Gomes, que posteriormente seria Secretária-geral do "Conselho".
De destacar é igualmente a sua preponderância no domínio das negociações com os países de destino da emigração, nas comissões mistas para o acompanhamento dos acordos bilaterais, e, no plano multilateral, em organismos internacionais, como o Conselho da Europa ou a OCDE, onde se notabilizou em representação da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas. Os êxitos que foi somando, incansavelmente, eram devidos, por um lado, à excecional competência e rigor no tratamento dos dossiês, e, por outro, à facilidade de fazer e conservar amizades, em qualquer contexto ou cenário transnacional.
Tão espantosa trajetória profissional culminaria na nomeação para Vice-presidente e, seguidamente, Presidente do Instituto de Apoio à Emigração e às Comunidades Portuguesas, que a tornou uma das primeiras mulheres a ocupar um cargo hierarquicamente equivalente ao de Diretor-geral no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Em síntese, poderíamos, simplesmente, constatar que, em mais de quatro décadas de serviço público, subiu a pulso, por mérito universalmente reconhecido, todos os patamares hierárquicos de uma carreira, da base até ao topo!
A nossa relação pessoal manteve-se, naturalmente, depois desses tempos de convívio quotidiano na Secretaria de Estado. Lembro, com nostalgia, os convívios na sua casa da Alameda Afonso Henriques, onde com o marido, Arquiteto Andrade Gomes, era a mais perfeita das anfitriãs. Do alto do 7.º andar de uma enorme varanda, assisti muitas vezes, no meio de um numeroso e alegre grupo de amigos, a grandes comícios partidários, que enchiam o terreiro da Fonte Luminosa e faziam história numa democracia jovem.
Em 1993, a aposentação da Função Pública não significou para Rita um cessar ou abrandar de atividades, antes a sua prossecução ao mesmo ritmo e com o mesmo propósito, embora em enquadramento e condições muito diferentes. Convidada a aderir ao projeto da Associação Mulher Migrante, logo, conjuntamente com Fernanda Ramos, assumiu a liderança. Atravessávamos então, em Portugal, um período propício ao nascimento de quaisquer ONG. Contudo, se muitas então surgiram, poucas foram as que sobreviveram. Ter um sonho, criar uma organização e conseguir adesões não é a coisa mais complexa. O difícil é assegurar sustentabilidade à aventura coletiva no dia-a-dia, ano após ano! A história do já longo percurso ascensional da AMM, a sua transformação em parceiro de uma rede de organizações internacionais e de sucessivos governos, na execução de políticas de género nas comunidades do estrangeiro, é a prova maior da capacidade de dar corpo e dimensão a um projeto consistente. Mulheres e homens, por igual agregados à volta da problemática tradicionalmente marginalizada das migrações femininas, em particular do objetivo da igualdade pela via da participação cívica e política das mulheres, têm conseguido dar continuidade e permanente renovação à ideia original da AMM.
Levar por diante a Associação, de que a Rita será sempre parte, é, a meu ver, a melhor forma de demonstrar, por atos e não somente por palavras, a nossa estima e a nossa saudade - saudade do passado vivido com ela e movimento para o futuro, em que a sua memória há de viver.
Maria Manuela Aguiar
Espinho, 27 de agosto de 2018
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Lamento tanto a morte da Dr. ª Rita Gomes. Sinto que morro cada vez que morre um / a amigo /a . fico mais pequeno e mais órfão , mais atrofiado até, porque os meus amigos estendem – se pelo meu corpo como os poros pelos quais respiro .
Foi ela , a Dr. ª Rita Gomes, que me levou “ pela mão “ a Zurique , era eu um jovem estagiário no saudoso Instituto de Apoio às Comunidades Portuguesas; deslocação essa , no âmbito da Comissão Mista de Acompanhamento em matéria de Emigração Portugal / Suíça e guardo, religiosamente, a garrafinha de vinho distribuída no avião da TAP , assinada por todos os integrantes dessa Missão. Aliás , a Dr. ª Rita Gomes , enquanto Presidente do Instituto , nunca se esqueceu desta Região Autónoma , pessoal e institucionalmente falando, mesmo mais tarde, nas suas funções como dirigente da Associação Mulher Migrante . Foi com Ela que preparei uma deslocação à África do Sul que , integrava , para além da sua Presidente , Dr. ª Manuela Aguiar , a Dr. ª Maria Barroso e a Professora Doutora Maria Beatriz , de entre outras respeitadíssimas personalidades.
Enfim , ficará este “ buraco “ no meu peito que vou enchendo com o carinho que a Maria Rita me dedicou . Paz à sua alma e que repouse onde repousam os justos.
GONÇALO NUNO SANTOS
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Pessoas que ficam no tempo e por todo o tempo – Rita Gomes, Presidente da Associação Mulher Migrante !
Afável, sensível, perfecionista, determinada e grata: são estes, de entre muitos outros, os adjetivos que escolhi para caracterizar a Dra Rita Gomes.
Acima de tudo era a doçura e delicadeza das suas palavras, do seu olhar, que nos tocava de imediato. Lembro o dia em que a conheci para nunca mais o esquecer: o seu sorriso meigo e as doces palavras de gratidão sobre as iniciativas da AMM em que tive a honra de participar ou organizar ficaram para sempre na minha memória. Sempre preocupada com todos os detalhes esta profunda conhecedora da emigração e uma grande humanista foi e será sempre uma mulher inspiradora para nós, mulheres e homens que defendem a liberdade e os direitos humanos.
O seu papel enquanto Presidente da Mulher Migrante, Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade foi tão envolvente que ficará intimamente ligada à história da própria Associação dado que foi também uma das suas fundadoras.
Apesar de não ter tido o privilégio de a conhecer há muitos, os últimos dez anos em que tive essa honra, foram para mim de aprendizagem e admiração. Principalmente nos últimos anos, em que uma imensa resiliência imperava, dando o seu melhor mesmo quando a saúde já nem sempre obedecia ao seu ímpeto de mulher cheia de determinação.
A melhor maneira de homenagear a cidadã defensora de causas em torno da diáspora, das mulheres e da lusofonia, numa Associação que abraçou de coração cheio, é manter a sua memória viva, agarrando no legado de que tanto cuidou e dar-lhe continuidade. Apesar de todas e todos vivermos momento de grande tristeza, temos o dever de seguir em frente com este projeto que era seu e que é nosso. Daí que, ao ser convocada para ser a sua sucessora e sabendo que a sua marca foi tão notável e possivelmente inigualável, mesmo apesar das contrariedades pessoais, aceitei o desafio porque acredito que o seu legado intemporal tem de ser preservado e continuado. Seguramente, assim será, graças à vontade de um grupo de cidadãs e cidadãos que, orientando-se por princípios de solidariedade e cooperação levarão os desígnios desta Associação em frente, mantendo, desta forma, a sua memória por todo o tempo.
Tenho a certeza que a Dra Rita Gomes estará em paz e feliz com esta determinação. Afinal, ela foi e será sempre a minha, a nossa inspiração!
Arcelina Santiago
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Falar da Dra Rita Gomes devia ser fácil para uma mulher da AMM acabada de chegar ao outro lado do mundo, carregada de perdas, feridas e desgosto, com outras tantas malas de força e de esperança.
Estou numa praça portuguesa, amarela e branca, rodeada de estrangeiros pequenos e ruidosos, tirados a fotocópia, que circulam no país deles. Agora sou emigrante.
Vejo quanto é difícil, mesmo sabendo como, encontrar um notário, ir ao Consulado, às Finanças, ou ao SEF do sítio; procurar uma aspirina, ir à segurança social ou a matricular o filho na Escola. É fácil para mim em Lisboa, como para os nativos deste país aqui. Ao contrario, qualquer que seja o estatuto, ser emigrante é difícil, muito difícil.
Depois de mais de 25 anos a acompanhar a Sra Dra Rita Gomes na Associação Mulher Migrante, e de com ela ter estado em tantos países (França, Luxemburgo, Suiça) e em etapas tão difíceis e aliciantes como o Congresso de 1995, a passagem da CIDM à Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, etc., deveria ser fácil escrever sobre a extraordinária mulher, profissional, Amiga e nossa Presidente que foi. Acontece que não é e, confesso-o, o que vai ao papel é curto.
O que mais me impressionou quando conheci a Dr.a Rita Gomes foi o saber relativo a qualquer que fosse a comunidade portuguesa que abordasse. Assim pois, o conhecimento profundo dos portugueses lá fora e a naturalidade humana com que se inteirava do que pretendia saber; ouvia com afabilidade e sabia sempre da comunidade em apreço: uma referência actualizada do governo, do nosso Cônsul, do Embaixador, de um funcionário que podia ser útil. Sempre uma palavra de esperança, sobretudo uma preocupação inexcedível para com as mulheres mães. E nunca se cansava, trabalhava noite fora, sempre.
Era impossível dizer-lhe que não, testemunhei-o várias vezes nas reuniões com os dirigentes do Ministério dos Negócios Estrangeiro, como na Câmara Municipal ou no Palácio Foz. Sempre a mesma calma sabedora, a mesma serenidade e presença segurando uma esferográfica que raramente escrevia, o mesmo resultado positivo.
Nesta praça é meio dia do fim do prazo, bateram há pouco os 35 graus com 90% de humidade, aproxima-se a festa da Implantação da República Popular da China. É um dia normal de trabalho no intervalo para o almoço. Os nativos parecem seguros de uma superioridade natural que não têm, como nenhum povo tem, e não notara ainda. Será talvez porque vos falo de uma grande Senhora Portuguesa, por certo.
Não sei uma palavra desta idioma à excepção de “m’goi” que também é «doh ze», que se diz “Tdóh tzé”, quando é um presente que se agradece a alguém.
Doh Ze Dra Rita Gomes: Nenhuma pessoa é estrangeira no planeta Terra. Somos todos iguais: às vezes nativos, às vezes turistas, às vezes forasteiros, neste caso emigrante em Macau.
Até Sempre
Ana Paula Barros
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EM HOMENAGEM À DR.a MARIA RITA ANDRADE GOMES
A aproximação de outubro traz-me desde há longos anos a lembrança do aniversário da nossa estimada e comum amiga Dr.ª Rita Gomes e, bem assim, o cuidado de acompanhar mais de perto o compasso do tempo de modo a que não lhe faltasse nesse dia com uma palavra de saudação alusiva à data e os votos da sua repetição por muitos mais anos. Neste ano, como o renascer das fontes com as primeiras águas do outono, a lembrança voltou mas a minha habitual saudação, feita umas vezes em direto, outras vezes por telefone, carta ou outro meio de contacto, ser-lhe-á dirigida desta vez, seguro da fidelidade que mantive até aqui à nossa amizade, através deste meu depoimento, no quadro da homenagem que a família e a Associação Mulher Migrante (AMM) decidiram em boa hora prestar-lhe, lançando um convite a todos os amigos e amigas da Dr.ª Rita para a recordarem por mensagem na data em que ela, se estivesse ainda entre nós, cumpriria um ano mais de vida.
Por motivo algum, faltaria ao pedido da família, com a qual mantenho cordiais relações de amizade, bem como ao empenho e ao esforço da Associação Mulher Migrante e dos seus órgãos sociais, em especial da Assembleia Geral, de que é presidente a Dr.ª Maria Manuela Aguiar, para não deixar cair no esquecimento a memória da sua importante e notável ação no campo das questões da emigração e das comunidades portuguesas, incluindo a valorização da presença e do papel da mulher nessas áreas, como de resto o fez já com outras conhecidas personalidades do mundo das comunidades portuguesas.
Temo apenas, e estou disso consciente, que o meu depoimento venha a não corresponder por falta de tempo, limitações pessoais e de outra ordem, ao que gostaria de escrever, lembrando a este respeito que a Dr.ª Rita me pediu um dia para preparar um texto sobre ela e vir depois a apresentá-lo num ato que estaria a ser preparado em sua homenagem. O ato não se realizou, por razões que continuo a desconhecer, e eu, no meu íntimo, de que guardei até hoje segredo, saboreei o gosto de não a ter dececionado, o mesmo gosto que desejaria agora voltar a saborear.
Entre os múltiplos aspectos da personalidade e da ação da Dr.ª Rita, há três que, neste curto e simbólico testemunho, me parece merecerem particular destaque.
Começo pelo que respeita à sua carreira profissional, por ter sido no quadro da sua vida profissional que a quase generalidade dos seus amigos e amigas a conheceu e com ela manteve relações de trabalho e de amizade. O nosso primeiro contacto data de 23 de janeiro de 1973, dia em que, na companhia do nosso saudoso e querido amigo Dr. Carlos Correia, tomei posse no Secretarido Nacional da Emigração como técnico superior de segunda classe, em cerimónia presidida pelo Secretário Nacional da Emigração, Dr. Américo Saragga Leal, também ele de saudosa memória. Previamente à tomada de posse, apenas tinha falado no organismo com a Srª.D. Elvira, secretária do Dr. Manuel Francisco Farinha, chefe de divisão do Gabinete de Estudos e de Relações Públicas, meu futuro chefe, com o qual tive uma entrevista e acertei os pormenores da minha próxima entrada no serviço. Para além do chefe de divisão, licenciado em Direito, o Gabinete contava já com o Dr. Vasco Rodrigues da Silva, licenciado em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa e com a Dr.a Rita Gomes, licenciada em Economia pelo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras. Foi este o núcleo inicial do Gabinete de Estudos que veio pouco depois a ser reforçado com a chegada dos Drs. Adelino Bento Coelho, Jorge Gouvêa Homem e Henrique Pietra Torres. Limito-me nesta referência a antigos colegas do tempo do Secretariado que foi igualmente o tempo do início do nosso relacionamento com a Dr.ª Rita. Outros colegas, que recordo aqui também, sem citar porém os seus nomes, chegariam mais tarde tanto para a então designada Direção de Serviços de Informação Especializada e Acordos de Emigração, como para outras direções de serviços. De todos os colegas, a Dr.ª Rita era a que tinha mais idade e mais experiência profissional. Antes mesmo do nascimento de alguns de nós, a Dr.ª Rita tinha já ingressado na Função Pública, em 20 de março de 1948, na Junta da Emigração, com a categoria de 3.º oficial, depois promovida a 2.º oficial, a 8 de abril de 1953, e com concurso feito para 1.º oficial em 6 de março de 1958, vaga para que foi nomeado um outro candidato do sexo masculino, por em igualdade de classificação “a prestação de serviço militar era de atender como primeira preferência, sendo essa preferência invocável também contra candidatos do sexo feminino”. No seguimento dessa decisão, corroborada por um parecer da Procuradoria Geral da República, veio em 1963 a ser requisitada para o Fundo de Abastecimento do Ministério da Economia com a finalidade de prestar serviço no Gabinete do ministro da Economia de então, Professor Doutor Luís Teixeira Pinto, seu professor no ISCEF, que a convidara para chefiar os serviços da secretaria do seu Gabinete, funções que desempenhou de 31/5/1963 até 19/3/1965. A partir dessa data, passou a trabalhar como técnica do Gabinete de Estudos Económicos da Junta Nacional da Cortiça, promovida a adjunta do diretor em novembro de 1970, período em que esteve igualmente associada à atividade da “Confédération Européenne du Liège”. Em 1 de março de 1972, após a extinção da Junta de Emigração, voltou aos serviços de emigração, ao então recém criado Secretariado Nacional da Emigração, para exercer funções, como já referi, no Gabinete de Estudos e Relações Públicas. Manteve-se nos serviços de emigração até 23 de março de 1992, data da sua aposentação, primeiro como técnica, de 1/3/1972 a 7/07/1977, e, depois, como dirigente, tendo com esse estatuto exercido as funções de diretora de serviços de Informação Especializada e Acordos de Emigração na Direção-Geral de Emigração e, após a extinção desta em 20/08/1980, no Instituto de Apoio à Emigração e às Comunidades Portuguesas (IAECP) da Secretaria de Estado de Emigração (7/7/1977 até 17/3/1982); de vice-presidente do IAECP da Secretaria de Estado da Emigração e das Comunidades Portuguesas, nos pertíodos de 17/3/1982 a 30/6/1983 e depois de 1/2/1985 a 8/8/1989; e de presidente do mesmo Instituto desde essa última data até 23 de março de 1992. No âmbito das várias funções descritas, manteve ligações com múltiplos organismos e organizações a nível nacional, tais como o Grupo de Estudos sobre Convenções Internacionais de Segurança Social e a Comissão Permanente de Peritos do Conselho das Comunidades Portuguesas; a nível bilateral, intervindo em negociações de acordos e convenções relativos a questões migratórias, em comissões técnicas e de acompanhamento de projetos; e a nível multilateral, participando nas atividades de organizações internacionais ligadas às migrações, nomeadamente a OCDE, o CIME, atual OIM, e o Conselho da Europa, deixando aqui uma menção à sua participação na organização da 3.ª Conferência de Ministros da Europa Responsáveis pelas Questões de Migração que, em colaboração com a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, se realizou no Porto, no Palácio da Bolsa, de 13 a 15 de maio de 1987. Este foi em grandes linhas o percurso profissional da Dr.ª Rita, um percurso a todos os títulos notável, em cuja caracterização sobressaiem ao aspetos seguintes:
- A sua longa duração, exatamente quarenta e quatro anos, na sua larga maioria perfeitos nos serviços de emigração;
- O desempenho ao longo de todos esses anos de funções de elevada exigência técnica e da mais alta responsabilidade, em especial a presidência do IAECP, cargo equiparado a diretor-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros;
- A intensidade e a abrangência do trabalho desenvolvido, em contextos de grande complexidade institucional e política quer a nível nacional, quer a nível internacional;
- O escrutínio a que funcionalmente esteve submetida, sob a supervisão tutelar da hierarquia do Ministério dos Negócios Estrangeiros, incluindo o próprio ministro e a (o) secretária (o) de Estado das Comunidades Portuguesas, e a sucessiva renovação da confiança dos seus superiores no seu trabalho.
Num registo mais pessoal, a imagem que guardo da Dr.ª Rita, dos perto de vinte anos que trabalhámos na mesma área de serviço público, é a de uma colega que no exercício das suas funções sempre agiu no respeito pelos princípios exigidos aos agentes da Administração Pública; a de uma colega que sempre pôs os seus conhecimentos, talentos e capacidades ao serviço do Estado e do interesse público; a de uma colega próxima dos utentes e do público em geral, profundamente convicta da utilidade do seu trabalho e por isso sempre disposta a abraçar todas as causas em que reconhecesse interesse para a promoção e desenvolvimento dos emigrantes, das suas famílias e das respetivas comunidades, mesmo quando as circunstâncias não eram as mais favoráveis; a de uma colega imbuída de um profundo humanismo, solidária e companheira nos bons e maus momentos, conhecedora da vida e das voltas que a vida dá. Exemplos? Não me faltariam…
Neste seguimento, outro ponto a destacar, o segundo, tem precisamente a ver com a sua dimensão humana, projetada a nível tanto pessoal, como familiar, que tão importante foi para a aproximação e a ligação entre a Dr.ª Rita e os colegas e colaboradores mais próximos e para a coesão conseguida no âmbito do trabalho da direção de serviços que passou a dirigir e, mais tarde, à frente dos destinos do IAECP, marcante não só no âmbito interno, mas também no quadro da nossa atividade no âmbito externo, em especial junto do MNE. A Dr.ª Rita teve sempre o cuidado de fomentar um bom ambiente de trabalho e de estimular a amizade, o respeito e a estima entre todos os colegas tanto no trabalho, como fora dele, contando com a abertura, compreensão e ajuda do marido, o arquiteto Sérgio Gomes. Quantas vezes os dois nos receberam em sua casa e pudemos disfrutar da sua simpatia, amabilidade e convívio, ajudando-nos a fazer novas descobertas, a começar pelas afinidades existentes entre nós! Num artigo publicado sob o título Os Amigos, sem poder referir a fonte e a respetiva data, José Tolentino Mendonça, hoje arcebispo e arquivista responsável pelo arquivo secreto do Vaticano, comentava que “o que aproxima os amigos, o que os liga entre si é a descoberta de uma afinidade interior, puramente gratuita, mas suficientemente forte para fazer persistir no tempo o afeto, a cumplicidade, a relação e o cuidado”, acrescentando que “…Se quisermos explicar que afinidade é essa nem sabemos.” Momentos tive também de alguma tensão com a Dr.ª Rita, talvez devido à grande afinidade que nos aproximava. Por ocasião da nossa promoção conjunta a técnico superior principal, lembro-me de me ter dito que a situação que lhe causava algum incómodo, invocando como causa a diferença de idade entre ela e os restantes colegas promovidos, nos quais estava também incluído. Agastado com o comentário, por me parecer injusto, pedi-lhe apenas para não esquecer que era a nós, os seus jovens colegas, que devia a promoção, pois fora graças à nossa ação no pós 25 de Abril que o nosso organismo não passara por graves convulsões internas e fora assim possível aprovar a revisão do respetivo diploma orgânico e, no interesse de todos, do correspondente quadro de pessoal. Em consequência dessa e doutras conversas, muito possivelmente, a Dr.ª Rita teve sempre colegas mais novos como colaboradores mais próximos e tive agora a grande satisfação de descobrir que na dedicatória do CV que apresentou ao concurso para assessor principal do quadro de pessoal do IAECP, em 1989, reservou parte da sua dedicatória “…aos Colegas e Colaboradores que sempre me ajudaram”. A Dr.ª Rita foi a funcionária exemplar com que mantive estreitas relações de trabalho durante perto de metade da sua vida ativa, cerca de vinte anos, como foi também a colega amiga, a que me ligaram laços profundos de afinidade durante quarenta e cinco anos das nossas vidas.
Termino, fazendo menção, em terceiro e último lugar, ao tempo que dedicou à Associação Mulher Migrante - desde outubro de 1993 até à sua morte - de que foi sócia fundadora, sempre como voluntária. O seu exemplo na área do voluntariado é um legado deixado a Mulher Migrante-Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade, muito inspirador por certo para a sua ação no futuro.
OBRIGADO DR.ª RITA.
Victor Gil
Lisboa, 28 de setembro de 2018
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Com saudade recordo uma longa viagem ao Brasil na companhia da queridíssima Dra Rita Gomes no âmbito de um encontro internacional da Mulher Migrante.