terça-feira, 9 de janeiro de 2018

V CONGRESSO DA RUTIS

(As "universidades seniores") 1 - Realizou-se, há poucos dias, no Porto, um Congresso Científico e um Encontro Mundial de Universidades Seniores, promovidos pela RUTIS - a rede que procura abarcar boa parte das chamadas "universidades seniores", que um movimento de cidadãos vem criando, em Portugal, desde as últimas décadas do século XX. A convite da Universidade Senior de Espinho (USE), tive a sorte de poder participar nestas importantes reuniões internacionais, juntamente com a sua Presidente Drª Glória Rocha e o Sr Van Zeller. Sou admiradora declarada do paradigma institucional a que, nas últimas décadas, deram e dão vida muitas centenas de iniciativas locais, inspiradas umas nas outras, de norte a sul do continente e nas ilhas atlânticas - entre as quais se distingue a que tenho acompanhado mais de perto, a USE. Esta era, pois, uma oportunidade única para alargar os horizontes do conhecimento sobre tal domínio - o vibrante mundo novo dos mais velhos, unidos e reunidos para voltarem "ao ativo"- olhando-o numa perspetiva comparatista. Participaram nos trabalhos investigadores, políticos, deputados, autarcas, dirigentes associativos de vários países e continentes, sobretudo da Europa, ocidental e de leste, das Américas, e também da África, com uma presença muito significativa do Brasil e da Galiza, que nos são tão próximos cultural e afetivamente. A maior parte dos académicos levaram, todavia, o debate para outras configurações deste fenómeno - não as que são comuns num sem número das nossas cidades, vilas e aldeias, mas as que se centram nas próprias universidades públicas ou privadas, em cursos de frequência universitária intergeracional, ou de extensão à comunidade, com ou sem a possibilidade de passar exames (sempre facultativos), e de atribuir, ou não, diplomas oficiais. É uma vertente que se acrescenta e completa a mais corrente entre nós, a de um puro associativismo de base etária, popular e cidadã, e vem privilegiar a perspetiva de "intergeracionalidade" que é aquela em que se colocam as chamadas "age friendly universities" (na tradução portuguesa: "universidades amigas de todas as idades"). Algumas atuam já em redes internacionais, como no caso que nos foi apresentado da Universidade de Leeds. Do Brasil nos chegaram, igualmente, nas jornadas do Porto, bons exemplos de universidades abertas aos mais idosos - de Campinas a Goiás - assim como de Espanha, das Universidades de Vigo, Corunha e Salamanca e do Campo Educativo de S. Alberto (Nóia - Galiza). Da Eslováquia, destacou-se a presença da Universidade Técnica de Zvolen. E de Portugal tivemos mostra convincente de uma adesão crescente a esta corrente, com programas inovadores, como os da Universidade do Porto, em especial da Faculdade de Desporto, ou os do Instituto Politécnico de Leiria. E quantos mais não haverá? Foi o que perguntei a uma das investigadoras presentes. Ao que parece o levantamento está ainda largamente por fazer. Um tema excelente para teses de mestrado, sugeri, e a minha interlocutora concordou. 2 - Uma outra questão quis colocar ali, entre tantos e tão excelentes especialistas: a da pertinência da disseminação das academias séniores no contexto da emigração, como instrumento de convívio, de combate à solidão, de integração em sociedades estrangeiras - um objetivo extra a alcançar, para além das demais finalidades a que, nos seus vários moldes, se votam com enorme sucesso. Aí a resposta que obtive (de Nuno Frazão) foi: "Essa é a pergunta que vale um milhão de dólares" . Também acho, dado que não se trata de tarefa fácil... Sei-o por experiência própria, desde que, em 2008, num encontro com mulheres portuguesa em Joanesburgo, a Professora Graça Guedes lançou a ideia da formação de universidades seniores locais, dando o exemplo da USE. A partir de então, a" Associação Mulher Migrante", a que a Professora e eu pertencemos, transformou a ideia em projeto prioritário, procurando impulsiona-lo no vasto círculo da nossa Diáspora. Na África do Sul, a Liga da Mulher Portuguesa veio a constituir, algumas das primeiras universidades deste tipo em comunidades de emigração (não digo as primeiras, porque suponho que já então existia a da Paróquia de Santa Cruz, em Montreal, com centenas de alunos e numerosas disciplinas). Seguiu-se a Argentina, por obra da Presidente da Associação Mulher Migrante nesse país, Maria Violante Martins e está em fase de estudo uma outra em Toronto. É ainda pouco para a continuada divulgação que temos feito junto de outras comunidades da emigração. A meu ver, o maior dos obstáculos à sua expansão é o desconhecimento das virtualidades do modelo. Os líderes das comunidades parecem não acreditar na capacidade de empenhamento, de assiduidade dos idosos na vivência desta fórmula de associativismo sócio-cultural. O generalizado êxito das academias ou tertúlias seniores no nosso país demonstra (exuberantemente!) o contrário - mas lá longe isso não é evidente. Se pudéssemos convidar alguns desses líderes a vir a Espinho para acompanhar uma semana de trabalho da USE, aqui mesmo fariam a sua "estrada de Damasco"... O mais complicado é mesmo dar o primeiro passo, implantar as primeiras Universidades, depois o seu exemplo promoverá rapidamente um movimento, que tão eficazmente responde a necessidades e anseios de sociedades com uma forte componente de populações envelhecidas, que, todavia, querem envelhecer com mais força anímica e coragem de combater a visão distorcida das suas reais capacidades. 3 - É extraordinário o surgimento, em Portugal, deste associativismo destinado a idosos, e, note-se, em larga medida, fundado e dirigido pelo grupo etário dos "mais de 50", com uma participação maioritária de mulheres. A sua expansão por todo o território, a sua expressão quantitativa e qualitativa coloca-nos na vanguarda, a nível europeu e universal- constatação tanto mais relevante quanto, a nível de políticas públicas, estamos ainda numa retaguarda, entre aqueles Estados que parecem considerar a terceira idade como um pesado fardo e limitam as suas preocupações para com ela à sustentabilidade do sistema pensões ou aos cuidados de saúde, chegando ao extremo de a discriminar no plano económico, cívico e cultural. Veio tarde - mas mais vale tarde do que nunca - por Resolução do Conselho de Ministros de 29 de novembro de 2016, o reconhecimento governamental do papel das universidades seniores, pela forma como têm colmatado a inércia do Estado na defesa dos direitos dos mais velhos à igualdade de oportunidades, à valorização cultural e à participação cívica e política. A Resolução reconhece a RUTIS, justamente, como entidade parceira no desenvolvimento de "políticas de envelhecimento ativo e da economia social". De facto, a RUTIS enquadra uma boa partes das muitas centenas de instituições deste género existentes atualmente. Ao discursar na sessão da abertura do Congresso do Porto, o seu presidente Dr Luís Jacob traçou um quadro com números deveras impressionantes: 302 afiliados, mais de 46.000 alunos e 5.600 professores, com idades e formação variáveis. Cerca de 75% dos frequentadores das "universidades" são mulheres. A média de idades é de 67 anos, a média de habilitações o 9.º ano de escolaridade, a média de propinas pagas de 10 euros. Entre os docentes, as mulheres são 66%, os doutorados 27% e os licenciados ou bacharéis 58%. Quase todos exercem as funções "pro bono", mas, se fossem remunerados, receberiam, anualmente, na estimativa do Presidente da RUTIS, mais de quatro milhões de euros. Contudo, a meu ver, a maior riqueza criada, quer nas chamadas "universidades" deste grande movimento social, quer nas Universidades oficiais abertas à inclusão da "terceira idade" é a imposição de uma nova imagem, mais real e positiva da qualidade humana de toda uma geração, de rosto rejuvenescido no processo de relativização do envelhecimento. Imagem que, no mundo académico, vem sendo validada cientificamente em múltiplos domínios, nomeadamente o do empreendedorismo e da "economia grisalha" ("silver economy"), e, no mundo associativo, é credibilizada pela "mais valia" de uma dinâmica intervenção cultural nas comunidades locais. É o caso da USE, na cidade de Espinho.

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