RHODE ISLAND COLLEGE
INSTITUTE FOR PORTUGUESE AND LUSOPHONE WORLD STUDIES
NOTA DE IMPRENSA / PARA DIVULGAÇÃO IMEDIATA
20 de abril, 2020
*Ibrahimo Abu Mbaruco: uma voz suprimida
Testemunho do jornalista António Pacheco
20 de abril de 2020
Nesta semana foi divulgada a notícia de que um radio jornalista, do norte de Moçambique, que trabalha numa rádio comunitária em Palma desapareceu do radar da família, dos amigos e a sua voz foi silenciada. Aparentemente os últimos contactos que fez levaram-no às instalações da polícia de Palma e à procuradoria.
Cabo Delgado é uma zona riquíssima do Norte de Moçambique e é também uma região flagelada por guerras desde os anos 60 no período da luta pela independência e de novo conflito armado ainda não totalmente esclarecido.
Juntei os dois factos e surgiu-me o conceito de “rádios comunitárias, o poder da voz contra a voz do poder." A expressão deixa entender que as pessoas não confiam mais no que o "poder" dominante diz ou transmite, seja poder de elites religiosas, políticas ou o poder económico. As pessoas estão mais atentas ao poder da sua voz, transmitida pela sua rádio comunitária, criada com o esforço comunitário, com o sacrifício conjunto.
Na África de expressão portuguesa acompanhei o aparecimento e reforço das rádios locais. Na Guiné Bissau conheci o caso da Rádio "Voz de Quelele," a primeira rádio comunitária do país, estabelecida em 1994 pela associação de moradores do bairro do mesmo nome. Em 1997 surgiu uma epidemia de cólera no país e a rádio do estado, a tal voz do poder, escondia os dados nas suas notícias. Pelo contrário, a "rádio voz de Quelele" que era constituída por voluntários jovens, informava e sensibilizava os moradores. Conclusão: Quelele foi o único bairro de Bissau sem um caso de cólera. Este caso é estudado nas escolas francesas como exemplo da importância da "voz" do povo.
Infelizmente, as rádios do estado no espaço lusófono continuam a ser instrumentos de conflito, mentira e intriga: instrumentos do colonialismo primeiro, tornaram-se depois das independências em "vozes da libertação" ao serviço do clã, do grupo económico, da etnia e até das religiões - também rádios de mentira e de manipulação.
Queria terminar com outra recordação pessoal: Em 1989 e 1990 durante o conflito na Guiné-Bissau havia um programa em Lisboa, chamado "Renascença África" que era transmitido em simultâneo por rádios comunitárias como a rádio Bombolom na Guiné ou a rádio Pax (de Moçambique e que funcionava numa carrinha nas traseiras da Catedral da Beira). No programa entrava um espaço desportivo, a "bola branca". As notícias traziam as últimas informações do futebol europeu pela voz inconfundível do jornalista Ribeiro Cristóvão. E então acontecia o impensável: a guerra parava na Guiné porque rebeldes e forças armadas queriam conhecer as últimas notícias do futebol. E o povo, de rádio em punho, saía então à rua para o reabastecimento necessário. Quando o programa terminava, regressavam aos esconderijos.
Este o sentido para mim de rádios ao serviço do povo e da paz.
Que o nosso amigo radialistaIbrahimo Abu Mbarucodo Norte de Moçambique retorne com a sua Voz para continuar a servir o Povo da sua terra!
*Testemunho pode ser escutado na Radio Sol Mansi (Guiné-Bissau) eRádio Observador (Portugal). RM disponível para partilhar com rádios locais.