quinta-feira, 24 de outubro de 2024
1 – Uma infância feliz
Sou uma mulher do Norte. Mais precisamente do Porto. Acompanho António Cândido, quando diz “Portugal é o meu País, mas o Porto é mais a minha terra do que o resto do País” (cito de memória, as palavras podem não ser estas, mas a ideia é. Sou assim praticamente em tudo: capto a essência da coisa, não o detalhe, o que torna qualquer tentativa de me retratar o equivalente a traçar uma tela impressionista.
O Porto é a minha paixão, a minha cidade, o meu clube – o estádio das Antas, o cinema Batalha, o Café Guarani, ou o Imperial, a ponte Dom Luís, o Douro…. Mais precisamente, sou de Gondomar, São Cosme, que é o centro de uma milenária povoação, que recebeu o nome de um rei godo. No tempo da minha infância, era uma terra lindíssima, famosa pela beleza do emblemático Monte Crasto, pela fertilíssima agricultura, e pela arte da filigrana.
Nasci na casa da Avó materna, uma “casa de brasileiro” enorme, de cor rosada e venezianas verde escuras, varandas voltadas para o Crasto, cercada por jardins simétricos de rosas, que nas traseiras se continuavam por pomares e vinhedos, a perder de vista. Não havia palmeiras, nem nada que especialmente nos falasse dos trópicos, se excetuarmos um diospireiro gigante, junto ao mirante quadrangular, à face da rua (que foi a Rua Oliveira Salazar e é agora a Rua 25 de Abril) e dois pequenos araçazeiros, um de araçás vermelhos e outro de amarelos. O mítico avô António Carlos Pereira de Aguiar, que fizera fortuna no Rio de Janeiro, morrera, há muito, subitamente, de angina de peito, com apenas 46 anos, deixando uma ainda jovem viúva, e sete filhos, dos quais os últimos guardavam dele poucas ou nenhumas recordações diretas. Mas vivia nas memórias que a matriarca fazia questão de partilhar com os seus numerosos descendentes. O Brasil estava, assim, muito presente no nosso quotidiano, nas histórias, na música, até na gastronomia, da farofa do peru de natal ao chá mate quotidiano. Estes avós tinham sido grandes viajantes, sempre prontos para mais uma travessia do oceano. Alguns dos filhos, a começar pela primogénita Carolina, eram “cariocas”, outros gondomarenses. Uma família de alma luso-brasileira! Até minha mãe, dada à luz em São Cosme, mas concebida no Rio, se considerava brasileira, por ter atravessado o mar Atlântico no ventre materno… A Avó Maria Aguiar tornara-se pessoa muito influente na vila, uma líder no feminino, desde que procurara na Igreja, no voluntariado, as formas de mitigar a irreparável tragédia da perda de um amável marido com quem fora feliz, em dois continentes. Pertencia às organizações da paróquia, à “Obra das Mães”, às associações culturais. Promovia peregrinações religiosas, serões musicais e comédias representadas pelos estudantes de São Cosme no Cine- teatro Nun´Alvares, visitava os presos e a alguns chegava a dar emprego como jardineiros...
Não menor influência nos meus anos iniciais teve o Avô paterno, Manuel Dias Moreira, cuja profissão os documentos oficiais identificavam como “proprietário”. Eu prefiro descrevê-lo como grande melómano, cinéfilo e ator de teatro amador (do Grupo Mérito Avintense). Com ele, desde os cinco ou seis ano, aprendi a gostar de teatro, de cinema (operetas, westerns, comédias, nunca filmes infantis…), e do ambiente dos cafés do Porto. A Avó Olívia era tão devota como a Avó Maria. Com ela, não escapávamos da reza quotidiana do terço. Era uma senhora generosa (da sua mão recebíamos a nossa mesada), hospitaleira. e as visitas de senhores padres eram, na sua casa, tão frequentes como na Vila Maria. Uma casa muito diferente, também grande, mas de desenho duvidoso, dando a impressão de que a o núcleo original de dois andares discretos, à face da Rua 5 de Outubro, haviam sido acrescentadas, nas traseiras, divisões de um só piso, ao sabor de passadas necessidades ou fantasias.
Nestas duas casas, vivemos, meus pais, minha irmã Madalena (Lecas) e eu até aos meus 8 anos – mais centrados na Vila Maria, mas passando temporadas, férias e fins de semana na margem sul do rio, onde o nosso quarto tinha janelas rasgadas sobre larga curva que percorre, mansamente, entre Avintes e Oliveira do Douro – uma vista fabulosa. O verão era passado em Espinho, ora numa pequena casa de praia dos meus bisavós, na rua 7, (que meu pai partilhava com os primos Capelas), ora em andares arrendados, sempre a norte, ali por perto, porque éramos fieis à Praia Azul.
Meus pais, curiosamente, não mostravam interesse em ter o seu próprio pequeno lar. Ele, já então era funcionário do Grémio dos Ourives – adjunto do Secretário Geral, a quem havia de suceder, quando este se reformou, muitos anos depois - e o seu vencimento não era propriamente esplêndido. Partilhar os casarões da família era solução racional e confortável, desejada por todas as partes, e significava ter quem os ajudava a cuidar das crianças – um trabalhão, pelo menos, no meu caso. (ainda moramos, depois, uns anos em casa da Tia Rosaura, irmã da Avó Maria e, como ela, viúva solitária, que se tornou a nossa terceira avó, e os pais só arrendaram o seu próprio apartamento, contrariados, por forte pressão da nossa parte, quendo insistimos em viver no Porto, para eu frequentar os dois últimos anos do liceu).
Uma infância feliz! Eu era a favorita da Avó Maria e do Avô Manuel. Sendo embora uma criança terrível, com cada um deles, fora de portas, portava-me bastante bem, porque me levavam ao Porto, para espetáculos (o Avô Manuel) ou para fazer compras e lanchar na Pastelaria Villares (a Avó Maria). Fora deste contexto, testava a paciência dos adultos, era precoce, cheia de perguntas irritantes, irrequieta turbulenta - na linha dos tios Aguiares, que granjearam tal fama nos bancos da escola, que tudo o que acontecia de pior ou mais insólito lhes era atribuído, e, em regra, justamente. Estava em contínuo movimento, saltos e correrias, com larga margem de liberdade, pois a Vila Maria era totalmente cercada de muros altos. Em vão, a Avó tentava moderar-me, ensinar-me o recato e as boas maneiras, femininas. Dizia-me, vezes sem conta, "as meninas não fazem isso" - "isso" sendo por exemplo, subir às árvores, saltar dos elétricos em andamento ou jogar futebol com os primos... Eu gostava imenso da Avó, mas não podia seguir esses seus conselhos. O plural: "as meninas", levava-me a reagir, a mostrar que as "meninas" eram tão capazes como os rapazes de "fazer isso". O meu feminismo data dessa época remota, (dos meus seis ou sete anos). Feminista praticante, com uma emergente consciência da existência das questões de género .... Paradoxalmente, os homens, Pai e Avó Manuel, eram fãs das minhas proezas desportivas, tanto como das escolares. Incentivaram.me a estudar para ter um futuro profissional. Estávamos nas lúgubres décadas de quarenta e cinquenta, mas nunca o paradigma salazarista da "fada do lar" esteve nos meus horizontes - ou nos deles. Teria sido, certamente, uma fada falhada - era desastrada de mãos, impaciente e rebelde de espírito. Plena de autoconfiança, enérgica e dotada de prodigiosa memória (muito antes de ir para a escola, recitava, com perfeita dicção “O Melro” de Junqueiro e todas as lengalengas que me ensinavam). Todos punham em mim exageradas expectativas, a que, na idade adulta, não correspondi. Na verdade, fui “normalizando” com o passar dos anos, cedo entrei num gradual declínio, imparável até hoje. Um amigo dizia-me um dia: “Não te lamentes. Se fosses igual a essa criança eras insuportável”. Os homens, (não todos, mas os melhores) sempre me compreenderam. E assim, graças a eles, o meu feminismo esteve "ab initio" na linha de pensamento de uma Ana de Castro Osório, mesmo que, nesse tempo, não conhecesse o seu nome (como Mr. Jourdain, que fazia prosa sem saber...). Os homens foram, de facto, aliados - muitos, incluindo numerosos tios e primos, e, mais tarde, professores de Coimbra (Barbosa de Melo, Eduardo Correia, Ferrer Correia…), os meus” legítimos superiores” de António Siva Leal e José Magalhães Godinho a Mota Pinto e Sá Carneiro.
Talvez a família, o grande fresco familiar, explique muito do que me fui tornando num descontraído relacionamento com tanta gente, desde criança. Era, sobretudo do lado materno, um vasto conjunto, unido e convivial, mas dado a discordâncias ruidosas, e politicamente muito dividido. A tradição vinha de trás -houve, sucessivamente, regeneradores e progressistas, monárquicos e republicanos, salazaristas e democratas, germanófilos e anglófilos (com meus Pais na vanguarda). A política estava bem presente, em acesas discussões sem fim. Ninguém se zangava. Consideravam os outros "gente de bem", por mais extremadas que fossem as suas convicções. Tendo a atribuir mais a essa experiência vivida do que à idiossincrasia a ausência de preconceitos partidários em relação a quem não pensa como eu. E também o gosto pela argumentação, pela defesa “à outrance” de pontos de vista, a sensibilidade a formas de injustiça. como as assimetrias regionais, as desigualdades sociais e de género, a repressão das liberdades.
Outra fórum de "convívio e debate" determinante foi a escola. Na verdade, o momento mais marcante da minha infância foi o primeiro dia na Escola. Um velho edifício do Largo do Souto. Há muito que eu queria ter dade esse passo. Nascida a 9 de junho, não me permitiram matricular-me em 1948. Meus pais não quiseram pedir exceção para a menina precoce. Vivi meses de revolta à espera daquele dia. “Entra com o pé direito” recomendaram-me. Sempre baralhei as direções (uma dislexia inelutável). Coma comoção, enganei-me. Avancei de pé esquerdo em riste… fiquei preocupada, mas venci a superstição. Era ótima aluna, ia para a escola como para uma festa. Nos recreios criava o pandemónio, em temível dueto com uma “Arminda do mato”, filha de pequenos ladrões. Ainda fiz a 2ª classe no setor público, mas por essas outras histórias, os pais acharam melhor mandar-me para o Colégio do Sardão, internato de Irmãs Doroteias, a quinta essência do elitismo. E foram sete anos de sardão, que costumo a um quartel chique, onde prestei uma espécie de "serviço militar obrigatório". Famoso pela excelência do ensino, o que ali mais me agradava eram as estruturas desportivas, (ginásio, campos de jogos), os parques e largos espaços de recreio. Organizava torneios (incluindo de futebol clandestino), escrevia peças de teatro, crónicas e romances que partilhava com as colegas. Uma dessas crónicas, que pretendia fazer humor sobre os poderes constituídos e o absurdo dos seus regimentos foi apreendida, e quase provocou uma expulsão mesmo nas vésperas do exame do antigo 5º ano. A Madre Superiora escreveu aos meu Pais uma longa carta, espécie de “nota de culpa” em que até de ser comunista era acusada… Havia precedentes familiares –a Tia Glória Doroteia foi banida do Colégio da Esperança, por alegado delito de opinião e o Tio José Augusto, de vários colégios do Porto, por diversos fundamentos, (um deles ter feito explodir o laboratório do colégio). Só não lhes chamaram comunistas! Acabei absolvida, talvez por interferência do capelão e de algumas das Madres, que acharam graça ao manifesto... Mas, para mim, fora a gota de água e consegui que me deixassem, enfim, sair do internato. Foi então que os pais, a pedido insistente de ambas filhas e contra a vontade unânime do resto da família, arrendaram um andar no Porto, perto do Marquês de Pombal. Horrorizada a Avó Maria chamava ao condomínio uma “ilha vertical”, e durantes uns meses, recusou-se a visitar-nos! O Colégio da Paz, externato das Doroteias, ficava a dois passos e o Liceu Rainha Santa Isabel muito longe, mas eu não me deixei vencer pelo argumento geográfico. Escolher, teimosamente, o Liceu público-foi a primeira grande decisão adulta da minha vida. O Pai lembrado do seu próprio insucesso escolar, quando, depois de 10 anos de Colégio dos Carvalhos, se viu "à solta" no Liceu Rodrigues de Freitas, vaticinava-me sorte igual. E brandia o argumento da ímpar qualidade pedagógica das Doroteias. Engano seu... Se eram excelentes as mestras do Sardão não o eram menos as professoras do Rainha. Passei ali dois anos de sonho. Fui “adotada” de imediato, fiz facilmente amizades com as colegas, não me lembro de qualquer rivalidade ou incidente e, no que a classificações bati todos os recordes pessoais… no exame de 7º ano e ganhei, pelo bem-amado Liceu, o” prémio nacional”, que sendo ano de comemoração do Infante de Sagres, deu conteúdo material à distinção, com uma viagem coletiva ao Norte de África dos representantes de cada cidade capital de distrito. Estar no Porto dava-nos acesso a pé a livrarias, alfarrabistas, lojas, espetáculos, às Antas, onde ia quinzenalmente com o Pai, desde a inauguração do Estádio. E, com os Pais e o Avô, frequentava cinemas e teatros (mais raramente) e, também, os cafés do Porto, coisa invulgar na época para o sexo feminino, de qualquer idade. Um tempo feliz. Fui feliz na escola pública.
COIMBRA ANOS 60
Porquê Coimbra? E porquê Direito?
Dois escritores que que pouco têm em comum, jogaram um papel crucial nessas escolhas. Trindade Coelho e Earl Stanley Gardner. Do primeiro, “In illo tempore”, o livro mais divertido com que jamais me deleitei (é dizer muito para quem viria a ser leitora intensiva de PG Wodehouse) levou-me a amar a Coimbra académica – uma Coimbra que já não existia no meu tempo, embora o que restava ainda valesse a pena. E Direito, porque queria brilhar na barra dos tribunais como Perry Mason, o que também não iria acontecer. Fiz, de facto, o meu estágio de advocacia no ramo do crime e, em Portugal, não há nada mais deprimente! Assim me curei rapidamente de sonhos impossíveis e fui ganhar a vida num tranquilo gabinete jurídico, no domínios do Trabalho e da Segurança Social….
Creio que tinha devorado muitos dos seus fascinantes mistérios, ora na Vampiro, ora em “pocket bookss” na língua original – antes mesmo de me sentar nos bancos da Faculdade. O ler policiais em inglês seria vício que havia de se acentuar nos mais de treze anos em que fui membro da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa - leitura fácil em pausas de aeroporto e em noites de hotel, entre elaboração de densos relatórios, com a boa desculpa de refrescar os conhecimentos da língua franca do século. Na verdade, o meu inglês, que se tornara fluente, foi enriquecido, ao longo de anos, pela literatura policial– um bom conselho recebido durante a minha primeira viagem ao estrangeiro, a Inglaterra, no verão de 1957, ainda antes do meu 17ª aniversário. Hoje, para ser considerada uma aventureira, é preciso ir sozinha para Bali ou Machu Picchu, nessa época Paris era o suficiente. E, por acaso, nem parti sozinha, mas com uma colega de Liceu, Margarida Losa. Em Paris passamos alguns dias, como hóspedes de uns tios da Margarida, judeus alemães muito simpáticos, mas, logo à chegada a Londres, tivemos de nos separar –eu fui para um lar de freiras irlandesas, o St Catherine’s, e ela diretamente para casa de umas excêntricas velhinhas inglesas, “au pair”, como ” dama de companhia” temporária. Também eu, depois de duas semanas a excursionar pela cidade e arredores, com a mesada no vermelho, fui levada a procurar um desses empregos de verão, mal pagos, mas, em princípio, ligeiros. O meu primeiro emprego: “nanny” de duas meninas de um abastado casal de judeus ortodoxos, durante dois meses de férias em Hove/Brighton! (Digo sempre que o imprevisto fez parte da minha vida - aqui está um primeiro exemplo). O pai de família era advogado, só vinha de Londres nos fins de semana. E foi ele, que, apercebendo se da pobreza do meu inglês, me incentivou a ler autores bons e fáceis, como Agatha Christie e W Somerset Maugham. Ambos, certamente, depressa constataram, também, a minha patente inexperiência, quer em trabalhos domésticos, quer com crianças, e foram exemplos de compreensão e paciência. Cães e gatos eram o meu forte, não os humanos em miniatura, todavia as duas meninas apreciavam, visivelmente, o exotismo do meu exercício de funções. Acho que o meu respeito pelo povo judeu despontou nesse verão. Não só eram compreensivos comigo, mas o marido, quando presente, substituía a mulher em tudo o que, da minha imperícia, sobrasse para ela, que não fazia nada! Um verão esplendorosamente quente, mediterrânico dir-se-ia, cheio de saborosas histórias para contar, (que, porém, não cabem nesta crónica). As de Coimbra, entre 1960-65, também não, salvo uma ou outra nota.
– Trindade Coelho (leitora – primeiro a Bíblia do tio padre). Praxe (lar das dominicanas). Baile das finalistas de capa e batina…
Em Coimbra, era também à mesa dos café que estudava, que convivia e bradava contra as discriminações em que continuava fértil a sociedade portuguesa de 60. ..
No Tropical, no Mandarim, no bar da Faculdade de Letras ou de Farmácia encontrava-me com colegas, com assistentes, pouco mais velhos do que eu, embora bastante mais sábios, como era o caso do Doutor Mota Pinto, que viria a ser o responsável pelo meu tirocínio na política.
Eu falava abertamente, contestava leis e costumes. A leitura do Código de Seabra era um pesadelo - a "capitis diminutio" da mulher casada, que era a expressão latina para a escravidão feminina subsistente 2.000 anos depois, só podia alimentar sentimentos de revolta, a
revigorar um feminismo que, por oposição à situação portuguesa, ia ganhando base doutrinal na social-democracia sueca. O tema da igualdade de sexos não estava na agenda política de 60 – e ainda hoje não está suficientemente... Em todo o caso, na altura soava mais a radicalismo e excentricidade. Esperava tudo menos que, anos e anos mais tarde, essa faceta pudesse
pesar, como creio que pesou, numa mudança de rumo, que pôs fim a escolhas profissionais assentes (assistente de um Centro de Estudos Sociais, assessora do Provedor de Justiça).
Sempre sonhei com uma carreira jurídica. A magistratura estava-me vedada por ser mulher. Queria ser advogada, uma cópia portuguesa de Perry Mason. Era no terreno jurídico que queria competir, não no da política. Direito era, então, um curso de perfil masculino, com um corpo docente sem uma única mulher e com mais de 80% de alunos homens.
No meu livro de curso, conto 63 homens e 12 mulheres. Entre elas há excelentes advogadas e juristas, mas, das 12, na política só eu, e acidentalmente... Dos 63, foram muitos os que, no pós 25 de Abril, se distinguiram em Governos da República - Daniel Proença de Carvalho,
Laborinho Lúcio, António Campos, Luís Fontoura, João Padrão... Ou que
são vozes autorizadas no domínio em que se cruza o Direito com a Política, como Gomes Canotilho ou Manuel Porto, ou com as Letras, como Mário Cláudio ou José Carlos Vasconcelos...
Ao fim de 5 anos felizes, eu trazia de Coimbra apenas um pequeno trauma: na única eleição a que concorri, pelo Conselho de Repúblicas, para uma qualquer comissão, cujo nome nem recordo - só sei que dava acesso à direção da Associação Académica - perdi num colégio
eleitoral que era 100% feminino. Coisa natural, porque a maioria das meninas era conservadora, mas eu assumi pessoalmente a derrota e convenci-me de que não estava mesmo nada vocacionada para tais andanças...
E depois, arranjar emprego? Muitas carreiras fechadas. Fui fazendo o estágio de advocacia… Bolsa da Fac. Para fazer o mestrado (Prémio Beleza dos Santos – Dº criminal)- Dr. Carneiro Leão ISE, onde o pai fazia Política Social, Administração de Empresas, sociologia – fomos colegas, depois eu desisti, ele continuou (ISCTE, sociologia)
Mº Corporações (Praça de Londres) Sérvulo Correia, Monteiro Fernandes, Bernardo Lobo Xavier, Carlos Branco, Luís Galvão Teles… OIT (única M no curso com gente de todo o mundo – o russo, Yuri Ymelianov a meu lado. Vaclav Sekanina (no tempo de Dubceck). Mário Lages, um dos fundadores da Católica, os brilhantes engº nucleares, a Eduarda Cruzeiro, a Adelaide Brandão, Nadir Afonso, - fotografia com Mº Lages – jogos de futebol no campo em frente a Casa dos Est Port).
3 - A FORÇA DO IMPREVISTO
Na história dos antecedentes da minha relutante ocupação de cargos políticos, estava já a força do imprevisto: primeiro uma proposta para assistente de sociologia na Universidade Católica que veio da parte de um professor que não conhecia, o Doutor Álvaro Melo e Sousa ( um amigo comum, Carlos Branco, indicou-lhe o meu nome, na altura em que acabava de regressar de Paris, com uns certificados na matéria – escolhe de Paris em vez de Northwestern, Illinois). Foi preciso ele insistir, mas acabei por dizer o sim - e não me arrependi. Esse facto tornou mais fácil aceitar um segundo desafio lançado pelo Professor Eduardo Correia, para a recém-criada Faculdade de Economia em Coimbra da qual ele era o diretor. Confesso que nem sabia da abertura efetiva dessa Faculdade.... Foi um encontro acidental, num colóquio. Quando me viu achou boa ideia associar-me ao empreendimento. Não houve hesitação da minha parte. Que bom voltar a Coimbra! Tomei posse na véspera do 25 de
Abril de 1974. Na semana seguinte, Eduardo Correia era Ministro da Educação do 1ª Governo Provisório e, pouco depois, um novo encontro com outro dos grandes juristas do nosso século XX, o Professor, Ferrar Correia, em pleno pátio da universidade, à sombra da torre, levou-me
para a minha própria Faculdade. Ao saber que estava ali ao lado, na Economia, convidou-me, de imediato, a transitar para Direito e eu aceitei tão depressa, que ele até julgou que eu julgava que ele estava a brincar. Não era o caso, era mesmo questão de feitio. Decido
assim muitas vezes no que exclusivamente me respeita. E ali e então não havia que pensar duas vezes!...
Guardo boas memórias de todas as passagens pelas funções docentes, na Universidade
Católica, na Universidade Aberta, (num curso de mestrado cheio de jovens "promessas"),
mas aquela tinha um significado muito especial - o convite chegava com atraso, mas chegava... Quando acabei o curso, em 1965, as mulheres estavam barradas do ofício - tinha havido uma, não existia impedimento legal, mas a prática era essa. Entretanto mudara, mas não me lembro
de nenhuma colega - só homens e, quase todos, ótimos colegas, como o Fernando Nogueira, o Cordeiro Tavares, o Proença. Dez anos mais novos do que eu, o que me ajudou a rejuvenescer. (Pink Floyd, Alice Cooper, Simon e Garfunkel…). Fui assistente de dois grandes juristas, o Doutor Rui Alarcão e o Doutor Mota Pinto, integrei uma linha de investigação de Direito de Família.
Os tempos agitados são-me geralmente favoráveis - como estudante dei-me bem em Paris, no pós Maio de 68, e o mesmo posso dizer de Coimbra, no pós 25 de Abril. Há coisas que seriam impensáveis fora de períodos revolucionários, e que fiz, sem oposição de ninguém, como dar
aulas "extra muros", aos voluntários do Porto ou aulas práticas, a turmas naturalmente pequenas, no bar de Farmácia, ao ar livre, em dias de sol. Saíamos, em cortejo, dos "Gerais", já a falar das matérias, como os peripatéticos. Esclarecia dúvidas, exatamente como se
estivéssemos numa daquelas escuras e frias salas de aulas. E, depois, analisávamos o PREC. Os rapazes (ainda em maioria) eram quase todos de outros quadrantes ideológicos, mas isso não obstava ao ambiente de tertúlia. Em 1975/76 dei aulas teóricas de Introdução ao Estudo de
Direito a salas cheias de "caloiros" simpáticos. Um dever e um prazer.
E refiro tudo isto, porque julgo que foi esta segunda estada em Coimbra que me abriu as portas da política. Antes de mais, porque reatei, naquele preciso momento da nossa História, o relacionamento próximo com amigos que estavam no centro da fundação de partidos (em
particular do PPD) e da criação de um regime democrático, E, por outro lado, porque descobri que era capaz de comunicar em público - eu, que me considerava fadada apenas para trabalho de gabinete.
Anos mais tarde, (coordenação das MSD – observatório) ao fazer um levantamento do perfil profissional das mulheres mais ativas do PSD, descobri que, sobretudo a nível local,
havia um grande número de professoras. (ONG’s fora do partido, AMM, Assoc Ana Castro Osório, Ana Bettencourt, Mª Margarida Silva Pereira, MParl, Ana Paula e Julieta Sampaio e outras, - com todos os partidos) etc. A meu ver, não era coincidência, mas a consequência de uma maior autoconfiança do que a que se consegue em outras funções... No meu caso, não tenho dúvida de que me transformou o suficiente para admitir a hipótese de enveredar pela exposição nos palcos da política. Que não para a planear... Na verdade, o convite que o Primeiro Ministro Mota Pinto me dirigiu para a Secretaria de Estado do Trabalho, uma daquelas que eram vistas como coutada masculina, foi um absoluto imprevisto. E o Doutor Mota Pinto usou o argumento decisivo: "se recusar, não haverá mulheres no meu Governo". Depois da mera combatividade verbal, era a hora de agir....
Estávamos em fins de 1978. A ousadia da minha designação valeu ao Professor Mota Pinto um rasgado elogio de Marcelo Rebelo de Sousa num editorial do Expresso, que ainda guardo na pasta de recortes e na memória. (mesmo a nível europeu surpreendia - partiam do princípio de que era SE do Trabalho Feminino). Sendo defensora do sistema de quotas, assumi-me como a "quota mínima" daquele Executivo, que veio a integrar outra Secretária de Estado na área mais tradicionalmente feminina da Educação...
Sabíamos que a missão era de curto prazo - um governo de independentes de nomeação presidencial, que não cedia nem a pressões de rua nem a influência de máquinas partidárias, algumas já então poderosas. Na minha opinião, foi um Governo que se impôs, ganhou credibilidade e, por isso, durou ainda menos do que o esperado... Os partidos trataram
de se entender para o derrubar. Foram 9 meses intensos e formidáveis, findos os quais voltei para a Provedoria de Justiça, que, com o Dr. José Magalhães Godinho como Provedor, era o melhor lugar de trabalho à face da terral. Para mim, o Dr Godinho representava um conjunto de lendários tios republicanos, com quem nunca tive as conversas que pude ter com ele. Era família - não aquela em que se nasce, mas a que se faz tão raras vezes na vida. Entrei com Costa Braz, que saiu para organizar eleições. Era a única que discutia política dentro do palacete da 5 de outubro – os versinhos do Dr Godinho.
Até que novo imprevisto sobreveio: em janeiro de 1980, logo depois da posse do VI Governo Constitucional, um telefone do Primeiro Ministro Sá Carneiro, que não conhecia pessoalmente, mas com quem me identificada, porque, como afirmou numa entrevista a Jaime Gama, e
era "social-democrata à sueca".( É por isso que, sem ter filiação partidária antes de 80, me considerava PPD "avant la lettre", ou seja, Sácarneirista desde 1969). Nele gostava tanto das qualidades do que dos defeitos (que, para mim, eram as suas melhores qualidades…)
Pelo telefone, Sá Carneiro, foi sintético e breve a marcar um encontro para as 5.00 horas da tarde - audiência para o qual eu parti inquieta, mal penteada e mal vestida, como andava normalmente. E se ele fosse pessoa distante e pouco simpática? Se com isso arrefecesse a minha "condição de incondicional" de tudo o que dizia e fazia? Grande preocupação... Quanto ao que me esperava, isso já não era assim tão misterioso, porque os jornais falavam do meu nome para várias pastas.
Sá Carneiro recebeu-me à hora exata - não cheguei a sentar-me na sala de espera. Com um sorriso luminoso, que começava no seu olhar claro! Assim sempre o recordo, em todos os encontros que se seguiram. Quando a ele me dirigi pelo seu título de chefe do Governo, atalhou: "Não me chame Primeiro Ministro". Ao que eu respondi: "Desculpe, mas é como o
vou chamar, porque me dá imensa satisfação que seja Primeiro-Ministro, e esperei anos para o poder tratar assim". Mas, tratamento cerimonioso aparte, a conversa tomou o rumo de uma
alegre informalidade. Dei respostas um pouco insólitas, no tom que tantas vezes usei com
outros políticos de quem era amiga de longa data. Sá Carneiro fez-me sempre sentir absolutamente à vontade. Parece que havia quem ficasse inibido na sua presença. Eu, pelo visto, ficava eufórica.
O Doutor Sá Carneiro, ele próprio, era, assim, uma esplêndida surpresa. A outra surpresa veio do pelouro que me propôs: a emigração, num Ministério onde nunca tinha entrado, o de Negócios Estrangeiros.
No governo da AD, em 1980, havia apenas três Secretárias de Estado, uma de cada um dos partidos, a Margarida Borges de Carvalho pelo PPM, a Teresa Costa Macedo pelo CDS e eu pelo PSD (num impulso, filiei-me nessa altura). Ainda a "quota mínima", tripartida...
A emigração, ou melhor dizendo, a Diáspora Portuguesa,( porque falo da que tem uma estrutura orgânica, uma vida própria, coletiva, imersa na nossa cultura e um futuro que talha com a preservação da herança cultural) foi uma esplêndida descoberta - andava de comunidade distante em comunidade distante, sempre e reencontrar-me em Portugal -
um fenómeno por mim insuspeitado de extraterritorialidade da nação. Um mundo associativo espantoso, embora um mundo de homens. Eu era a primeira mulher que junto deles aparecia, como face do governo da Pátria. Se tinha dúvida quanto à reação que provocaria, logo os
receios se desvaneceram - receberam-me sempre com alegria, com simpatia. Não fiz unanimidade, é claro, mas os afrontamentos que houve foram sempre devidos a questões políticas, não a questões de género.
Trataram-me tão bem, que me deram o que mais me faltava: um superávide de confiança. Mesmo nas hostes ideologicamente adversárias encontrei quase sempre boa vontade para trabalho conjunto, até no, por vezes, agitado Conselho das Comunidades, que me coube organizar e presidir, desde1981 (era então um fórum associativo, de perfil masculino,
politicamente dividido entre uma Europa mais contestatária e uma Diáspora transoceânica mais próxima das posições do governo´).
Na verdade, acredito que ser mulher tornou bem mais fácil a minha missão. Logo em 82, quem me fez ver isso, de uma forma bem divertida, foi um jornalista de S Diego, o Paulo Goulart. No fim de uma entrevista, ao almoço, disse-me: "Sabe, aqui só há dois políticos de quem gostámos: é de si e do João Lima". (João Lima, antigo Secretário de Estado da Emigração era, então, deputado pelo PS). Fez uma pausa, como quem avalia e compara os seus dois eleitos e acrescentou: "Pensando bem, o João Lima até tem mais valor, porque é homem e
socialista".
Achei muita graça à sua franqueza. Na América ser socialista, de facto, assusta e não dá votos... E também é verdade que, em certas situações, mesmo na vida política, mesmo em ambientes dominados pelo poder masculino, é uma vantagem ser Mulher... Porque é a "exótica" exceção? Porque há no fundo, um reconhecimento de que as mulheres fazem falta? Muitas hipóteses, para uma só certeza: no meu caso, senti simpatia, adesão e apoio desde o 1º momento, de um sem número de homens influentes e de algumas raras mulheres, que já se faziam ouvir.
Quando deixei o governo, depois de cinco sucessivas experiências - sendo a última aquela em que os Secretários de Estado passaram a ser considerandos "adjuntos de ministro"... - o imprevisto estava, de novo, à minha espera na AR, onde tinha o meu lugar pelo círculo do Porto. Um convite para ser candidata à 1ª Vice-Presidência da Assembleia.
Aceitei, como aconteceu anteriormente, não muito segura de me sair bem na responsabilidade da representação feminina... Fui, assim, a 1ª Mulher a presidir às sessões plenárias do parlamento, à Conferência de líderes, a Delegações parlamentares - ao Japão, para começar...
Após 4 anos nesse cargo que, enquanto não assumido por uma mulher, tinha sido sempre mais discreto, apesar da sua importância protocolar (2ª figura na linha da sucessão do Presidente da República, "en cas de malheur"...) sucedeu-me Leonor Beleza. Mas o País teria ainda de esperar um quarto de século por uma Presidente da AR, escolhida pelo mesmo partido, que é contra as quotas mas aposta na alternativa do pioneirismo na abertura de oportunidades ao que eu chamo "mulheres de exceção”...
Só em 1991, me propus, eu própria, como voluntária, para um lugar que verdadeiramente queria: representante da AR na APCE (Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa). Aí, me mantive até abandonar o Parlamento nacional em 2005. Fui bem mais feliz e bem sucedida fora do que dentro de fronteiras (tanto na emigração como nas organizações internacionais, a APCE. e a AUEO...). Aí havia menos jogos políticos de bastidores, não se sabia o que era disciplina partidária, era larga a margem de iniciativa pessoal, para intervir, para propor
recomendações... Presidi à Comissão das Migrações à Subcomissão da Igualdade e a outras, fui relatora em inúmeras propostas. Defendi a dupla nacionalidade, o estatuto dos expatriados, a não expulsão de imigrantes, o reagrupamento familiar, insurgi-me contra a guerra do
Iraque, denunciei a discriminação de género no desporto... Acabei a presidir, entre 2002 e 2005, à própria Delegação Portuguesa à APCE e á Assembleia da UEO – onde fui VP , como poderia ter sido da APCE (não quis retirar do lugar Medeiros Ferreira…). A 1ª a receber um diploma de membro honorário (não havia essa tradição – juntamente com Terry Davis e Pedro Roseta – grande adepta da UEO, como braço europeu da NATO). Amizade com Russel Johnston – dificuldades com Van der Linden – a “gauchiste” do PPE…). Paris, de novo (os tempos em que tinha um gira-discos, com mecanismo de repetição e meia dúzia de discos de 33 rotações, que ouvia, interminavelmente – Serge Reggiani, Barbara, Leo Ferré. Aznavour, Brassens e Nicoletta… paredes decoradas com três enormes posters dos Kennedys, comprados no Blv St Michel, John, Bob e um terceiro com John e Bob. Mais tarde, Annie Bettencourt dir-me.ia: nunca me esqueci dos teus Kennedys. Eram os únicos… Por todo o lado só havia o “Che” (Guevara). Bonito homem… mas não tão popular assim na Casa da Argentina, onde vivi no meu 2º anos de Paris (setia-me na Argentina, adoro para sempre a Argentina – que diferente da Casa Estudantes Port… pouca política, muita música e dança – tocavam viola divinamente, sobretudo a Morita, que era a filha do diretor, o Prof Covian – um democrata cristão, genuinamente democrata, que pouco depois partiria para o exílio em S Paulo…
Um outro inesperado e insistente convite me levou, depois, à vereação da Câmara da cidade onde vivo, Espinho... Fui vereadora da Cultura no ano do centenário da República e isso permitiu fazer coisas diferentes e por o enfoque no movimento feminista e republicano. Não que eu seja republicana hoje, mas tenho a certeza que o teria sido em 1910, na companhia da Carolina Beatriz Àngelo, Ana de Castro Osório ou Adelaide Cabete. E feminista sou-o no sentido preciso que lhe davam as nossas sufragistas. (8 de março de 1989, quando era VP da AR e presidente da Comissão da Condição Feminina – proposta de Natália… escolhi Ana de Castro usório. Finalmente, falaram pelas nossas vozes
Também nunca tive complexos de inferioridade por prencher, eventualmente, um espaço aberto pela "quota" , mais ou menos larvada. No meu caso, nunca explicita, nem mesmo no cargo de VP da AR e sempre rejeitada como tal pelos opositores das quotas do meu partido. Quando eu dizia: "escolheram-me para Vice-Presidente da AR, porque queriam
uma Mulher" (o que para mim era evidente, estava certo e só pecava por ser decisão tardia), respondiam-me: "Manuela, não diga isso! Está nas funções pelo seu mérito"
O meu mérito não era coisa que eu fosse discutir!... Discutia, sim, o mérito do sistema de quotas, que em nada contende com o valor ou capacidade pessoal, antes pelo contrário o pressupõe, mesmo quando, porventura, errando. Mas erros de "casting" não faltam também, e são muito mais comuns, no caso de políticos promovidos pelas máquinas partidárias, à maneira tradicional.
PELA PARIDADE, PELAS QUOTAS
Com este tema recorrente, vou terminar a minha intervenção longa.... Quando há avaliações objetivas dos candidatos, o sistema de quotas é gritantemente inaceitável! No acesso às universidades, por exemplo, são escolhidos os melhores alunos, os que têm melhores notas. Por sinal, são mulheres, mas aí, se não fossem, não seria justo nem legítimo intervir .
A falta de educação, de formação seria, de resto, o único fundamento de uma desigual participação feminina na vida pública. Onde a situação é de igualdade ou supremacia, a ausência das mulheres num domínio como o da intervenção cívica, da política, impõe uma presunção de discriminação. A Lei da Paridade torna essa presunção inilidível e,
a meu ver, é com base nela que determina uma quota mínima em função do
género. A igualdade de mérito presume-se e a realidade tem vindo a comprovar a
presunção onde quer que o sistema seja praticado de boa fé e com honestidade: no norte da Europa, onde o sistema nasceu, ou no sul, onde chegou com atraso. E Portugal não é exceção. As quotas vieram garantir novos patamares de equilíbrio de género, com aparente valorização do todo! Mas é da maior importância que a aplicação da Lei da Paridade seja objeto de avaliação, como a própria Lei impõe, ao fim de cinco anos (artº 8º).Estranho que 7 anos depois da entrada em vigor da lei, a obrigação de cumprir o preceituado no artº 8º ande esquecida. Onde estão os estudos sobre a progressão das mulheres, a nível do parlamento e das
autarquias locais? Sobre a sua atuação concreta? Estranho, ou talvez não... porque as questões de género continuam descentradas da agenda política em Portugal. Aqui fica uma chamada de atenção ao Governo (à Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, que terá condições ideais para levar a cabo um estudo conclusivo) e ao Parlamento, seja para eventualmente poder o legislador pensar alterações à lei nº 3/2006, com vista a "mais paridade", ou a dar mais visibilidade ao percurso que as mulheres vêm fazendo no caminho aberto pela Lei, contra regras não escritas e práticas discriminatórias vigentes nos aparelhos partidários.
E quanto à frase com que comecei para me definir como feminista, devo dizer que não a li num livro, nem a ouvi num congresso - vi-a, há muitos anos, inscrita numa placa de um automóvel que atravessava o centro de Boston, num dia de sol:
FEMINISM IS THE RADICAL NOTION THAT WOMEN ARE PEOPLE
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