terça-feira, 3 de novembro de 2015

Maria Manuela Aguiar MARIA BARROSO e a sua luta PRO DIGNITATE

Maria Barroso. deixou um país inteiro saudoso de si, definitivamente orfão do seu sorriso maternal, da sua demanda de justiça, de uma cultura de paz e tolerância. Tinha uma forma inegualável de o fazer, acessível, pragmática, afetiva. Ouvir, compreender, ajudar, achar as soluções possíveis estavam quotidianamente numa agenda ciclópica, que começava dentro de casa ou dentro do país, mas que, com naturalidade, ultrapassava quaisquer fronteiras...Era alguém que pensava sobre os desafios de uma sociedade em transformação, que traçava estratégias, e sabia passar da teoria a prática, da defesa dos valores em abstrato à solidariedade muito concreta, Avaliava bem a importância da sua presença, da sua palavra, do seu incentivo - e não queria poupar esforços.
Não há. no nosso século XX, nenhuma outra portuguesa que se lhe possa comparar, no percurso de mais de 70 anos de militância por grandes causas, na empatia com as pessoas com quem se cruzava. Percurso que passa pelos palcos do teatro, pela intervenção política - no tempo de lutar contra a ditadura ou de refazer a democracia - pelas salas de aula, pelo palácio presidencial, pelo espaço do voluntariado, da expansão da lusofonia, da luta cidadã pela igualdade,...


Maria Barroso tem o seu lugar na história da democracia e do feminismo em Portugal e tem, também, um lugar muito especial no coração do Povo, conquistado, sobretudo, pela forma como se sentiu, de facto, representado por ela como a "primeira" das portuguesas, não a" primeira dama"- que só as poderia representar através da legitimidade eletiva de outrém... Viam-na, justamente, como personagem principal, como exemplo de inteligência, de cultura, de elegância da mulher universal. Alguém que estava tão à vontade a receber ou a visitar os mais famosos e os mais poderosos, como a relacionar-se fraternalmente com os cidadãos comuns.
A imagem ´cidadã de Maria Barroso construiu-se a partir das origens de um admirável trajeto de luta revolucionária, trajeto próprio, bem anterior ao encontro de destinos com Mário Soares, mas foi sedimentada durante "os anos de poder" ao lado do Primeiro Ministro e Presidente da República - anos em que conseguiu sempre ser ela mesma, numa afetiva cumplicidade com o marido, que não escondia a sua absoluta singularidade e independência de espírito, e, por isso, nunca ficou na sombra de um grande homem...
Foi no momento em que se despedia da Drª Maria Barroso, surpreso e comovido, que o País redescobriu - ou descobriu - a inteira dimensão da sua personalidade, o pleno significado de uma longa e variada história de vida, que atravessou épocas e regimes, sempre norteada pela coerência de interesses cívicos e humanistas. Uma infinidade de testemunhos, de comentários, de artigos, de reportagens, de entrevistas, acabou por dar uma ideia mais exata da excecionalidade da sua ação, que, ao contrário do que é a regra, nunca entrou em declínio, foi em crescendo com a força da experiência aliada à modernidade da mundivisão.
Depois dos anos passados em S Bento e Belém as suas prioridades não passam pela intervenção nas instituições do Estado nem pela atividade partidária .Torna-se, a nível da sociedade civil, no domínio que escolhe para afirmar os valores humanistas, que gostamos de situar no território comum do socialismo democrático e do fraternalismo cristão, uma individualidade cada vez mais admirada e consensual. A conversão, súbita e emotiva , ao catolicismo, vem, naturalmente, reforçar um sentido de missão sempre presente em si, e acrescentar o número de companheiros de projetos, que encontrou no Vaticano, na esfera da lusofonia (não esqueçamos, em especial, o seu papel no processo de pacificação em Moçambique), no universo da Diáspora, que percorreu, presidindo, nas 7 partidas do mundo, aos "Encontros para a Cidadania - a igualdade entre mulheres e homens".(entre 2005 e 2009, uma parceria com o governo e várias ONG’S, para a prossecução das políticas de género e cidadania na emigração, Octogenária, cheia de vigor e entusiasmo, deu, como pudemos testemunhar todos os que com ela participámos nessa saga, às audiências um horizonte de esperança num novo relacionamento, mais próximo, mais confiante entre as pessoas, as gerações, o País.
Para Maria Barroso, na sua luta pela dignidade de cada ser humano, não havia favoritos - :portugueses, africanos, timorenses, refugiados, imigrantes, velhos, jovens, mulheres, homens... Não foi por acaso que deu à sua Fundação, onde levou a cabo um trabalho notável e multifacetado, a felicíssima denominação de PRO DIGNITATE.
Nessa causa cabem todas as que atualmente constituem desafios maiores no novo milénio - os combates por um mundo sem guerras, sem violência, com a livre expressão da cidadania, em diálogo sobre um futuro comum, a partir de uma diversidade de heranças culturais, que se possam descobrir e aceitar mutuamente. Maria Barroso era um símbolo vivo da ambição de um mundo que cada um tem o dever de melhorar.
Um trabalho incessante, tenaz, admirável em todas as áreas em que constantemente a solicitavam! Fez de cada dia, um dia de labor sem fim, com tempo para todos e para tudo.... Estava sempre em movimento, plenamente envolvida no preente, pronta a intervenir, sempre mais e melhor.
Fez imenso e fez tudo tão bem, na família, na profissão, nas instituições públicas, no puro voluntariado, até ao último dia que passou entre nós.!
Maria Barroso será lembrada como uma personalidade vanguardista nos séculos XX e XXI, como uma Mulher que nos deixou um legado de cidadania verdadeiramente intemporal.

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