segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Univ ABERTA MMAguiar História dos Movimentos feministas e sua projecção na Diáspora


UNIVERSIDADE ABERTA
Mesa Redonda MULHERES MIGRANTES E CIDADANIA ANTES E DEPOIS DE ABRIL
5 de Junho

HISTÓRIA DOS MOVIMENTOS FEMINISTAS E SUA PROJECÇÃO NA DIÁSPORA
Maria Manuela Aguiar

Resumo

-O movimento feminista português, e o seu paradigma de intervenção cívica nos “fora” do "congressismo", tem sido, no âmbito das iniciativas da AEMM, por várias vezes, tema em debate. O mesmo se pode
dizer do associativismo feminino nas comunidades da emigração. Todavia o objectivo principal de tais reflexões não foi o de avaliar a projecção do feminismo português na nossa diáspora, o maior ou menor
relacionamento entre diferentes formas de organização para a defesa dos direitos e interesses das mulheres dentro e fora do país, e as suas similitudes e diferenças. Propomos, agora, esta abordagem, numa
visão comparativa de realidades não necessariamente coincidentes no tempo, na busca dos traços persistentes da acção das mulheres portuguesas, em diversas épocas e espaços geográficos.

I –A Génese do Movimento Feminista em Portugal

O movimento feminista surgiu tardiamente em Portugal, nas vésperas da revolução republicana, embora as suas raízes se possam encontrar em muitas e notáveis precursoras de oitocentos - que se afirmavam, pela
inteligência e pela cultura, nos “outeiros”, em salões literários, ou no jornalismo, na imprensa feminina, nas Letras – num "espaço privado", ou em círculos restritos de vanguardismo..Tinha razão Carolina
Michaelis de Vasconcelos, quando, em 1902, escrevia sobre “O movimento feminista em Portugal”: “O combate das massas feministas em vista de melhores condições sociais está inteiramente por organizar”
O combate por direitos sociais, por direitos políticos estava por organizar… Ninguém poderia prever as mudanças que iriam ocorrer a tão breve prazo... Dois anos depois, Ana de Castro Osório, e algumas outras feministas participaramno Congresso do Livre pensamento. Em 2007, Ana Osório, Adelaide Cabete, Maria Veleda e outras das republicanas que seriam as líderes do movimento foram aceites na Maçonaria. Pequenos passos significativos
. A súbita transformação de um estado de coisas dá-se na travessia da fronteira entre o espaço privado e o público, na invasão pelas mulheres de um domínio que lhes era proibido, Dá-se em resultado de um pacto entre os líderes do Partido Republicano Português e mulheres republicanas já com “curricula” de luta cívica. Um escol feminino foi chamado à secreta preparação e à propaganda pública de uma revolução, portadora de grandes esperanças de progresso nas leis, nos costumes, na vida democrática. Nesse ano de 1908, foi, para isso, constituída a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, a solicitação dos dirigentes do PRP Bernardino
Machado, António José de Almeida e Magalhães Lima. No ano seguinte, a Liga” foi integrada formalmente nas estruturas do partido. Estendeu-se, então, rapidamente, de norte a sul do país, convertendo-se na maior colectividade feminina do seu tempo (1) Resistiu, mesmo às cisões verificadas a partir de 1911, que levaram,
nesse ano, à criação da Associação de Propaganda Feminista e, em 1914, do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, pelas principais ideólogas e dirigentes da Liga – Ana de Castro Osório, Adelaide Cabete, Carolina Beatriz Ângelo, Elzira Dantas Machado…Sem o suporte de uma máquina ubíqua partidária, tiveram influencia e fizeram história, mas ficaram muito aquém da organização matricial, em número de associadas e de núcleos.
A rede da “Liga” cobria o país, de norte a sul, alicerçada em ligações políticas e familiares – as militantes eram as mulheres, asfilhas, as irmãs dos dirigentes republicanos, a nível nacional e local, como o comprovam os muitos apelidos comuns. Família por parentesco e família ideológica entrelaçadas, constantemente! Ao lado de Ana de Castro Osório está o marido, o poeta e jornalistarepublicano Paulino de Oliveira, o pai, o juiz João
Baptista Osório, a mãe Mariana Osório de Castro, que viria a ser a segunda presidente da APF. Adelaide Cabete deve ao marido, cujo apelido adopta, a formação académica tardia, a licenciatura em medicina e o apoio constante no seu envolvimento cívico. Elzira Dantas Machado, casada com Bernardino Machado, por duas vezes Presidente da República, militava com as filhas na primeira linha das iniciativas feministas…·O mesmo acontecia com aquelas que Fina d’ Armada devolve à memória do século XXI· – as “Republicanas quase esquecidas” recordadas nas páginas do seu livro, com esse título: as Moura Portugal, Maria Clementina e as filhas, Maria Adelaide, Maria José e Antónia na Beira interior, as 3 irmãs de Évora, Ana Laura, Cristina e Maria Chaveiro Calhau. 
 (Ana tornou-se, em 1908, aos 16 anos, a primeira mulher do sul do país a falar num
comício). As Cortesão, em Cantanhede - Maria Ester, presidente do núcleo da "Liga" era irmã de Jaime Cortesão e Maria Cortesão Paes, também dirigente da "Liga Republicana”, casou com o activista republicano Avelino de Faria.. A algarvia Adelina Berger, casada com o Presidente da Câmara de Lagos. Laura Sumaviele, cujo marido, emigrante, “brasileiro” de torna viagem, seria, em 1913, presidente da Câmara de Fafe. E tantas, tantas outras… (2).
Também houve, como sabemos, as que aderiram ao processo revolucionário, sem o apoio de parentes afamados, um grupo em que pontificam, naturalmente, escritoras, jornalistas, professoras primárias, como Maria Veleda, Laura Licínia Ramos, Maria José Pires dos Santos….
A aliança com os correligionários se, por um lado, projectou a organização feminista, no seu fulgurante começo, por outro, ter-lhe-á dado, a perspectiva da luta das mulheres como parte de um todo, num universo, em que queriam ser iguais, solidariamente - uma consciência muito clara de que a libertação das mulheres é também a libertação dos homens. Nas palavras de Angelina Vidal: ”Não separemos a nossa emancipação da
emancipação do Homem”. Na mesma linha de pensamento, Ana de Castro Osório escrevia: “O verdadeiro feminismo é um dever, partilhado por homens e mulheres, de desejar que as mulheres sejam criaturas de
inteligência e razão, educadas útil e praticamente, de modo a verem-se ao abrigo da dependência” .Vamos encontrar a mesmo pensamento no discurso de Maria Veleda: “A necessidade de viver honestamente pelo trabalho 
 é que nos inspirou o feminismo”::
Um feminismo muito feminino, em que queriam assumir, na tradicional veste de mães e de esposas, o reivindicado estatuto de direitos e deveres da cidadania plena. Animava-as uma ideia, verdadeiramente
moderna nesse tempo, e até no nosso, da igualdade na diferença, da paridade. O feminismo era visto como uma vertente do humanismo - o – “humanismo integral”, de que falava Léopold Lacour., escritor e feminista francês, cujo pensamento conheciam bem.
 Todavia, após a implantação da República, tornou-se evidente que a utopia libertária, igualitária e fraternalista do programa do PRP chocava com um grosseiro oportunismo político, com o invencível receio do sentido de voto conservador do eleitorado feminino. A promessa do sufrágio universal, do sufrágio feminino, não iria, nunca, ser honrada pelos homens da 1ª República, Foi, por isso, um tempo de desilusão e de cisões dentro do movimento, entre as que eram mais republicanas do que feministas e aceitavam o passo que o partido impunha no tratamento das questões da cidadania feminina (caso de Maria Veleda), e as que eram mais feministas do que republicanas e manifestaram abertamente o seu inconformismo, abandonado a Liga Republicana – entre elas, como dissemos, as fundadoras e suas primeiras líderes históricas
Apesar dos avanços registados noutros domínios – o divórcio, as leis de família, acesso a carreiras profissionais, à função pública, à abertura de escolas, à co-educação – muitas das feministas, sentiam que 
a Revolução lhes dera muito menos do que elas haviam dado à Revolução e à Republica, onde queriam direitos, antes de mais, para cumprir deveres, para trabalhar. É sintomático que como Ana de Castro Osório e Maria Veleda, com pontos de vista tão diferentes em matéria de sufrágio, se tenham afastado, ambas, da vida política, antes mesmo da 1ª República se findar numa ditadura…

II – Mulheres Republicanas na Emigração

O movimento feminista e republicano não teve um grande impacto nas comunidades do estrangeiro.
Nas vésperas da Revolução e nos seus primeiros tempos, estendeu-se a algumas cidades nas colónias portuguesas e há, sobretudo no Brasil, registo de actividades de membros da “Liga”, assim como da APF, mas as intervenções conhecidas devem-se a activistas que tomaram parte no movimento em Portugal, ou que eram porta vozes suas, fora de
fronteiras, e não membros de organizações autónomas fundadas
localmente ou de núcleos muito activos
É o caso de Domingas Lazary do Amaral, que participou na cerimónia
pública de proclamação da República em Luanda (e que, após o seu
regresso de Angola, militou na “Liga” em Portugal), de Ana de Castro
Osório, enquanto viveu no Brasil, com o marido (que fora nomeado
Cônsul em São Paulo, entre 1911 e 1914), de Adelaide Cabete, anos mais
tarde, entre 1929 e 1934, em Luanda (aí exerceu medicina, manteve o
vigor da intervenção cívica e foi a primeira mulher a votar no
plebiscito constitucional de 1933).
Muitas outras eminentes feministas passaram pelo estrangeiro – a
monárquica Olga de Moraes Sarmento (Paris, Bruxelas, Buenos Aires,
Nova York), Maria O’ Neil (Brasil), Cláudia de Campos (Londres), Alice
Moderno, (nasceu em Paris, morou em Londres), Virgínia Quaresma (Rio
de Janeiro) Regina Quintanilha (com escritórios de advocacia abertos
em Nova York e no Rio de Janeiro), Elzira Dantas Machado (seguindo o
marido, nos tempos penoso de exílio), Clementina Dupin de Seabra, grande
 empresária em Espanha, republicana, mecenas,
uma das primeiras portuguesas a pedir o divórcio, e, durante o Estado
Novo, a primeira procuradora à Câmara Corporativa. Particularmente
interessante é o caso de Ana de Castro Osório, que de S Paulo
influenciava, decisivamente, o discurso da recém criada APF.O jornal
da Associação, (“A Semeadora”), publicado ao longo de três anos e
meio, era financiado, em cerca de 40%, por accionistas de São Paulo (3).
Poderemos, assim, dizer que houve vozes feministas, mas não
propriamente movimentos feministas na emigração… A singularidade do
processo revolucionário no país fazia com que fosse irrepetível no
estrangeiro. Era difícil a aproximação entre portuguesas separadas não
só pela distância, como pelas condições de luta cívica e política (4).
E mais difícil era ainda a organização das emigrantes num meio associativo,
globalmente, fechado à sua participação – mais fechado do que a própria
sociedade portuguesa.
O regime republicano não transformou nem as políticas nem a
realidade das comunidades da emigração, embora no período que se
seguiu à revolução, nos anos de 1912/13, o êxodo migratório para o
Brasil fosse o maior de sempre, e levasse para fora uma proporção
crescente de mulheres. Era, todavia, muito mais uma emigração de
massas, fugindo à pobreza do que um exílio de aristocratas, escapando
aos novos poderes... Exilados houve alguns. A revolução despertou,
naturalmente, reacções, no interior das comunidades distantes – foram criados
 centros republicanos, centros monárquicos, mas poucos tiveram vida longa (5).
A presença feminina foi discreta, e ainda é, pelo menos nas grandes
instituições portuguesas ou luso-brasileiras…As respectivas directorias (como se diz no Brasil), admiráveis a muitos títulos, não se distinguiram pela
preocupação com as questões de género, à maneira de um Magalhães Lima
ou de um Bernardino Machado….
E não houve -fora dos períodos em que elas próprias estiveram
emigradas - prosélitas como Ana de Castro Osório ou Adelaide Cabete.(6)

 III – Associativismo Feminino da Diáspora, no Século XX

O associativismo da “diáspora”, no século passado, distingue-se do
associativismo feminista, a meu ver, por três divergências
fundamentais, que respeitam ao posicionamento face à política, à
religião e às próprias questões de género.
A ausência de uma componente política partidária na acção das
emigrantes é a regra – quer no que respeita ao país onde vivem, quer
em relação ao poder político em Portugal. Também de muitas formas de
associativismo masculino, ou misto, se poderá dizer que a regra é a
mesma, mas com muito mais excepções, sobretudo na relação com Portugal.
O facto do associativismo feminino da diáspora ser menos politizado é,
“de per si”, obstáculo a um enfoque na defesa dos direitos das
mulheres. A  sua intervenção começa por se centrar
em objectivos que melhor se coadunam com uma visão tradicional dos
papéis de género, embora, em alguns casos, a tenham, num segundo
tempo, ultrapassado corajosamente.
A conexão religiosa pode existir, ou não, mas, em qualquer caso, não se
conhece na Diáspora querela semelhante à que condicionou a primeira
cisão da Liga, na sequência da qual as sufragistas, fundaram a APF,
aberta a todos os credos, apartidária e internacionalista. Na mesma
linha seria, três anos depois, criado o CNMP
A “Liga Republicana” era eminentemente anti clerical, vendo na
influência reaccionária da igreja do seu tempo a primeira das causas
da submissão feminina, Pelo contrário, nas comunidades da emigração e
noutro contexto, as paróquias católicas foram, geralmente, vistas como
espaço propício à afirmação feminina. Um exemplo é o da
comunidade de Oackland, na Califórnia, onde a igreja se revelou o
lugar ideal para as mulheres conviverem e agirem, ao abrigo de
proibições familiares ou crítica social. As duas maiores associações
portuguesas do século XX nasceram precisamente nesse reduto de
confraternização feminina:
– A Sociedade Portuguesa Rainha Santa Isabel derivou de uma sociedade
 de altar da Igreja de São José, para o modelo de sociedade mutualista;.
 A União Portuguesa Protectora di Estado da Califórnia, criada, também
em Oackland, como obra de beneficência, sob a égide de Nossa Senhora
 da Imaculada Conceição, evoluiu, igualmente, para a integração nas correntes
fraternalistas de socorros mútuos (8).
 A SPRSI (1898 -1901) e a UPPEC (em 1901) constituíram uma resposta à
exclusão de que as mulheres eram vítimas nas associações fraternais da
sua comunidade. Pode dizer-se que foi resposta eficaz e assombrosa.
Mesmo que essa não fosse a intenção que movia aquelas mulheres, converteram-se em símbolo vivo da capacidade feminina de gestão económica e de rasgo empresarial. E para além do objectivo principal de prestar auxílio às filiadas – cuja consecução já era, em si, um feito extraordinário numa época em que às mulheres a lei dos homens negava a administração dos seus bens próprios…- cooperaram activamente na sociedade local, tanto na
vertente de beneficência, como da cultura. Ao longo de quase um
século, ambas as colectividades – e outras existiram, de menor
dimensão – agregaram milhares de associadas, marcaram a vida das
comunidades da Califórnia, combateram preconceitos, deram uma imagem
extraordinária de empreendedorismo e evoluíram como modernas
companhias de seguros. Já nos nossos dias, viria a ser questionada a
razão de existir de seguradoras exclusivamente femininas, e aconteceu
o que era previsível, primeiro a UPPEC, depois a SPRSI, optaram pela
fusão com sociedades do mesmo ramo, com as quais ombreavam do ponto de
vista do sucesso empresarial.
Na segunda metade de novecentos, as maiores associações femininas,
nomeadamente as três que mencionarei, de uma forma muito sintética,
estão voltadas, fundamentalmente, para o bem fazer: a Sociedade de
Beneficência das Damas Portuguesas, de Caracas, a Liga da Mulher
Portuguesa da África do Sul, a Associação Mulher Migrante Portuguesa
da Argentina.
A Sociedade de Beneficência das Damas Portuguesas foi pensada por
conselho da Embaixatriz Susana Teixeira de Sampayo, que ainda hoje é
lembrada como figura emblemática da instituição. Na sua sede própria
de Caracas, lançaram um programa generoso, prestando
cuidados médicos e alimentos a mulheres e crianças pobres –
independentemente da nacionalidade – e ajudando portugueses em
situações de carência. Numa comunidade em que a primeira geração
envelhecia, foi germinando o magno projecto da construção de um lar de
terceira de idade, que, ao fim de anos, conseguiram por de pé – e é,
talvez, o mais grandioso de todos quantos existem na Diáspora.
A Liga da Mulher Portuguesa da África do Sul, que tem núcleos
espalhados pelas principais cidades do país, é mais orientada para as
migrantes de vários estratos sociais e económicos, procurando o
diálogo entre elas, a entreajuda, a formação profissional, a valorização dos
seus saberes. A Liga da Mulher foi, por isso, escolhida como parceira
para a organização, em 2008, de um dos Encontros para a Cidadania,
promovido pela AEMM, com o patrocínio da SECP; Na sequência dessa
memorável reunião, que contou com larga participação de mulheres e
homens, dando cumprimento a uma das propostas aí aprovadas, a Liga
tornou-se pioneira na transposição do figurino das universidades
seniores para as comunidades portuguesas.
A Associação da Mulher Migrante Portuguesa da Argentina é a mais
recente e está, desde a origem, no final do século, ligada à AEMM –
não como núcleo, mas como instituição autónoma, com o seu próprio
programa para o repensar do papel das mulheres no mundo associativo
luso-.argentino. A sua prioridade recaiu, justamente, na área da
assistência social. Desde a falência da Beneficência Portuguesa em
Buenos Aires, o vazio que deixara nesta área não tinha sido
completamente preenchido, e estas mulheres propunham-se tenta-lo.
O êxito que alcançaram foi relevante, tanto para a comunidade,
beneficiária da obra realizada, como para o propósito de enaltecer as
mulheres na vida das comunidades, perante os outros, na sociedade, e
perante si próprias, dando-lhes auto-confiança. Em boa parte, o
sucesso fica a dever-se à experiência associativa de quase todas elas
nos bastidores, como coadjuvantes dos maridos, que se revelou
valiosíssima quando iniciaram a aventura de fazer coisas novas,
necessárias e bem feitas em conjunto – sem prejuízo de continuarem
o trabalho nos centros e clubes comunitários.
Têm sido, por isso, excelentes mediadoras no interior do mundo
associativo e na relação com a Embaixada de Portugal para o auxílio
aos portugueses mais carenciados, por exemplo na aplicação dos
subsídios do ASIC (apoio social a idosos carenciados)
. Em 2005, coube-lhes a responsabilidade da organização do 1º Encontro para a
Cidadania, que foi um verdadeiro paradigma de qualidade (10)
Em 2013, a “Mulher Migrante” da Argentina fundou, em Villa Elisa, a
primeira universidade sénior na América do Sul, aberta a dezenas de
mulheres portuguesas e argentinas.
O primado dos projectos assistenciais na génese deste associativismo
é, assim, uma característica que parece distancia-lo do movimento
feminista, voltado, em primeira linha para a defesa dos direitos cívicos das·mulheres. Contudo, há muitos pontos de contacto na forma como todas concretamente se envolveram no voluntariado, num e noutro paradigma, olhando atentamente os males e problemas sociais do seu tempo e procuraram minora-los. De facto, as principais organizações
feministas estiveram ligadas ou patrocinaram iniciativas benéficas… E,
por outro lado, as preocupações de intervenção cívica estão cada vez mais presentes nas associações femininas de feição tradicional. – mesmo quando evitam as reivindicações da paridade no associativismo de perfil masculino  - que equivaleria à exigência, em 1910, da
influência directa na “res publica”,  pelo voto e pela elegibilidade.
A via de um associativismo próprio, separado, nos dias de hoje, parece
ser uma contestação indirecta à exclusão no associativismo misto, servindo o intuito de evitar a confrontação.
Falo de colectividades, não de figuras individuais, que fizeram ou
fazem da defesa dos direitos das mulheres a sua causa. Para além das
que já foram citadas, as escritoras e jornalistas Maria Archer, em São
Paulo - onde chegou a presidir à “União da Mulheres Portuguesas (11) -
 e Maria Lamas em Paris; a actriz Ruth Escobar, a primeira mulher eleita para a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo; a médica Manuela Santos, a primeira mulher
Secretária de Estado no Rio de Janeiro. E outras – agindo, em geral,
também, fora do centro de gravidade comunitário…
De facto, a problemática da igualdade nas comunidades da emigração
começou por ser suscitada não tanto do seu interior, como de fora –
pelo governo português
 O 1º Encontro Mundial de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo,
em Junho de 1985, foi convocado pela Secretaria de Estado
da Emigração, a pedido de Natália Dutra e Maria Alice Ribeiro, durante a reunião
regional do Conselho das Comunidades Portuguesas, em Danbury, Connecticut, no
Outono de 1984 .
Ao 1º Encontro vieram algumas das que mais se haviam notabilizado, até
então, no jornalismo e no movimento associativo. Nas suas análises e
conclusões se inspiraram as principais iniciativas que têm reunido,
desde então, num esforço de mobilização cívica as mulheres emigradas,
o Governo, organizações, como a AEMM: e associações da Diáspora
O Encontro Mundial de 1995 (promovido pela AEMM), os “Encontros para
a Cidadania sob a presidência da Dr.ª Maria Barroso (entre 2005 e 2009),
os congressos mundiais de mulheres da diáspora em 2011 e 2013…
Movimento ímpar, que tem corrido as 7 partidas do mundo, é “A vez e a voz da mulher”
surgido na Universidade de Toronto, sob o impulso de Manuela Marujo
O congressismo” como instrumento de luta pela emancipação da mulher
migrante, recuperou, assim, os valores intemporais do primeiro movimento feminista. (12)

IV – Associativismo Feminino Hoje - longe e perto de 1910

Na intervenção cívica das mulheres portuguesas, dentro e fora de
fronteiras, ao longo do século XX -  pontuado por duas revoluções e uma
longa ditadura -  encontramos, para além de algumas diferenças, muitas
constantes. Vou, pois, propor que reflictamos, seguidamente, algumas das
que me parecem mais significativas, esperando que outras possam assomar no debate
.
1 - Enquadramento no grupo familiar

 À congregação de famílias inteiras na luta pela revolução que
prometia  igualdade para todos, corresponde um envolvimento semelhante
no movimento associativo da emigração, onde vamos encontrar as
mulheres ao lado dos maridos, colaborando, com eles, formal ou
informalmente, mais ou menos na sombra.. E, quando são elas a
organizar-se, a “entrar em cena”, a recíproca é, em regra, também se
verifica - é normal serem os maridos os seus primeiros apoiantes. No
passado, como actualmente, poderíamos citar um sem número de exemplos.
Só de entre as protagonistas do 1º Encontro Mundial de1985 lembrarei:
Maria Alice Ribeiro, indissociável do António Ribeiro, na direcção do
mais antigo jornal da comunidade de Toronto, o Correio Português:
Natália e Ramiro Dutra, ela dirigente de uma sociedade de
beneficência, ele professor universitário e conselheiro do CCP,:
Benvinda Maria e o Comendador Marques Mendes, ambos à frente do
“Portugal em Foco” do Rio de Janeiro; Manuela da Luz Chaplin –
advogada dos emigrantes, conselheira do CCP, escritora, presidente de
múltiplas associações, sempre secundada, num infindo vaivém de
meritórias actividades, pelo Charles.Chaplin, britânico tranquilo e
perfeito lusófono. …

2 - Uma visão abrangente das questões de género e das questões sociais

A aceitação geral da presença feminina, contra os cânones de uma
tradição misógina, nos palcos dos comícios nas vésperas da revolução,
ou nos salões associativos da Diáspora, muito se deverá ao facto de
elas não estarem a lutar apenas em causa própria, mas em causa comum -
na propaganda republicana, em sessões públicas onde a absoluta
inovação da ingerência feminina era recebida com verdadeiro regozijo,
assim como, actualmente, no reordenamento da orientação da vida
associativa para as questões culturais.... Os clubes puramente
recreativos, do tipo do café ou do bar da aldeia, redutos masculinos,
transformam-se em agentes de agregação e de cultura popular com a
chegada das mulheres, da juventude, ou seja, coma programação de
comemorações, de festas, com a gastronomia, o folclore, o teatro, o
desporto. Uma evolução que foi sublinhada em muitas das intervenções
do 1ºEncontro Mundial, em Viana do Castelo, onde se fez, ou refez,
pela voz das mulheres, numa primeira audição oficial, a autêntica
história do associativismo, com um enfoque essencial no todo, no
colectivo, mais do que naquela parte que elas próprias
constituíam.(13) Desse discurso ressaltava, claramente a consciência
de que a mudança qualitativa se conseguira com elas – na família, nas
colectividades, na comunidade. Uma intenção de melhoria das condições
sociais, e não só individuais (ou de género)., que já encontráramos
nas republicanas do início de novecentos A mesma ausência de
radicalismo, de conflito aberto com o outro sexo … A mesma compreensão
de todos ganham caminhando lado a lado

3 - Entre o conservadorismo e o vanguardismo

A procura de um equilíbrio – entre mulheres e homens, entre a vida
familiar e o trabalho profissional, entre velhos costumes e novas
ideias – foi apanágio da primeira vaga do feminismo nacional,
claramente expresso no discurso como na praxis. Um discurso, forte,
moderno, incisivo, que ecoou na praça pública e ficou perpetuado nos
seus escritos, porém feito por senhoras na aparência iguais às outras
senhoras do mesmo estrato social. Contraste que nos dá um retrato de
corpo e alma, destas portuguesas, que bordavam as bandeiras
republicanas pelas mãos delicadas, com que queriam votar, escrever,
trabalhar para o futuro da democracia…
Esta é mais uma faceta presente ainda mas organizações femininas, ou
mesmo, mais latamente, na actuação da generalidade das portuguesas
activas nas comunidades da emigração na segunda metade do século XX.
São mães de família, que assumem dedicadamente esse papel e cuja
intervenção pública, em muitos casos, é fundamentalmente determinada
pela preocupação com a escolarização e a formação das segundas
gerações (14)
O associativismo das mulheres ainda tem o seu lugar hoje - e terá, na
medida em que lhes oportunidades de agir que, de outro modo não
teriam. Mais difícil é respondes à pergunta até quando? São cada vez
mais as jovens que, quando participam, participam no associativismo
misto. São cada vez mais as comunidades onde o acesso das segundas
gerações ao dirigismo significa igualdade de género e onde as novas
ideias se cruzam com os novos costumes (15)

4 -  A Libertação da Mulher pela educação e pelo trabalho

O primado da educação e da cultura na sua intervenção cívica é outro
traço de união entre portuguesas épocas e lugares diferentes. Ocombate
pela educação das mulheres tem, aliás, um passado bem mais longo do
que o do feminismo republicano, e conta também com nomes de homens
esclarecidos, e não necessariamente anti-clericais ou republicanos,
como Verney ou Dom António Costa, primeiro-ministro da monarquia. Mas
a causa do ensino público e generalizado assumia para as feministas
uma enorme importância, constituindo o máximo
denominador comum entre todas elas. Unia as que o sufrágio
separava…Umas aceitavam a posição partidária de que primeiro era
preciso libertar a mulher pela via da educação, para que, num segundo
tempo, pudesse aceder ao “minus” que consideravam a igualdade de
direitos políticos.. Contudo, a rendição das mais notáveis sufragistas
à ideia de condicionar o voto feminino em função do nível de
instrução, acaba por as aproximar das opositoras, na mesma crença na
força emancipadora do saber, e, bem assim, da independência da
mulher pelo acesso ao trabalho remunerado, a todas as profissões de
prestígio que eram coutada dos homens.
Decorrido um século, a questão do acesso ao trabalho, a boa integração
dos filhos no sistema escolar local (a educação, praticamente sem
distinção de sexo) continua a ser uma prioridade na agenda das
mulheres. A emigração foi, aliás, para uma maioria delas, mesmo para
as que
vinham de meios rurais ou operários, e não tinham curriculum
académico, um caminho de emancipação pelo trabalho, pela abertura a
sociedades multiculturais, onde tiveram capacidade de se adaptar tão
bem ou melhor do que os maridos, sendo, em regra, as primeiras a
contribuir para a integração de toda a família.
Os movimentos feministas – não só em Portugal, como um pouco por todo
o lado – não tiveram em grande atenção os problemas específicos das
mulheres migrantes, mas, no caso português, bem podemos dizer que as
expatriadas foram, na maioria dos casos, na maioria das comunidades,
as que melhor souberam cumprir as esperanças da luta das feministas,
pela autonomia que alcançaram, através do trabalho fora de casa e da
vivência de um papel mais igualitário dentro da família,  e da sua
influência decisiva no bom sucesso do projecto migratório. Feministas,
sem se reconhecerem como tal – podemos afirma-lo, citando Ana de
Castro Osório que considerava feminista “muita gente que se horroriza
ou escandaliza com a palavra”
Em suma, hoje como no passado, vemos o percurso de afirmação colectiva
das mulheres portuguesas no associativismo pautar-se por uma hábil
procura de harmonia entre sexos, pela recusa de agressividade e de
radicalismo. Não saberemos nunca se uma postura diferente, se a opção
por um maior afrontamento no discurso e na actuação concreta, teria,
ou não, obtido mais rápidos e melhores resultados…



NOTAS

(1) A “Liga Republicana, apesar de contar com muitas centenas de
aderentes, nunca foi uma organização de massas, mas de uma elite
urbana e revolucionária – as interlocutoras do PRP eram mulheres como Ana de Castro Osório e Adelaide Cabete que alcançaram, na Maçonaria, o estatuto de “veneráveis”. Em lojas independentes, 38 anos antes de isso acontecer em qualquer outro país. – o  que revela o alto
prestígio moral e intelectual de que gozavam e o vanguardismo do Grande Oriente Lusitano Unido, em matéria de igualdade de sexos – com Magalhães Lima como Grão-mestre.
”Vd Fernando Marques da Costa, Maçonaria Feminina, uma das raras obras dedicadas ao tema, em Portugal
(2) Sem o incitamento ou beneplácito paterno, teria uma jovem de 16
anos, como Ana Calhau, podido discursar num comício político? Como
ela, muitas jovens nascidas num meio familiar culto e progressista,
tiveram a possibilidade de intervir, em público, com grande inteligência e segurança
(3) A empresa de Propaganda Feminista e de Defesa dos Direitos das
Mulheres, que financiava “A Semeadora”, tinha 64 accionistas
(espalhados desde Manaus, na Amazónia, ao Rio Grande do sul, dos EUA,
Cabo Verde, Angola, Moçambique até Ribandar, na Índia lusófona). 14
eram homens, entre eles, Magalhães Lima e o Juiz João Baptista Osório
(4) A organização feminina que mais eco e ramificações teve no
estrangeiro, sobretudo no Brasil, foi a Cruzada das Mulheres
Portuguesas, certamente, porque se centrava, não em problemas
específicos das mulheres, mas numa causa patriótica, nacional– o apoio
à participação do País na 1ª grande guerra. Foi tempo de tréguas entre
facções do movimento feminista, entre monárquicos e republicanos,
tanto no país como nas comunidades do estrangeiro. A mesma
solidariedade se verificou a nível de outros movimentos de emancipação
feminina, por exemplo na Inglaterra, onde até as mais radicais, as
“sufragettes,” sob a indómita direcção de Emmeline Pankhurst, se
colocaram ao lado do governo, e do exército, do seu país (e aí, um
governo do partido conservador, em regime monárquico, soube
corresponder, com o reconhecimento do direito de voto feminino, antes
mesmo do termo do conflito…).
· (5) A proibição das organizações de cariz político, por Getúlio
Vargas, explica o desaparecimento da generalidade destas agremiações.
(6) Estamos, porém, num domínio em que faltam os estudos aprofundados.
A imprensa das comunidades é um repositório precioso de informação,
ainda largamente inexplorado. Um exemplo, embora mais tardio - décadas
de 5o e 60 – é da feminista Maria Archer, que colaborou intensamente
em vários periódicos comunitários, assim como em grandes jornais
brasileiros, em escritos de intervenção política, que permanecem
esquecidos. Nenhum romance ou novela nos deixou Maria, durante o seu
longo exílio em São Paulo, ao contrário de Ana de Castro Osório, cuja
vivência de apenas três anos, entre portugueses e brasileiros, nessa
mesma cidade, a inspirou a escrever “Mundo Novo”. Um romance
interessante, não só do ponto de vista literário, como numa
perspectiva feminista (um enredo em que introduz constantemente o
debate sobre velhos preconceitos e ideias novas sobre as mulheres,
relatado pela figura central, que se chama, não por acaso
evidentemente, Leonor da Fonseca)
(7) Deolinda Adão, especialista da história deste associativismo, num
artigo publicado na revista da AEMM ( “Entre Portuguesas – homenagem a
Maria Lamas”) salienta a SPRSI conserva uma margem de autonomia que lhe pode permitir continuar a sua vocação beneficente.
(9) As 30 Mulheres portuguesas fundaram, em Março de 1898, na Igreja de São
José uma sociedade de altar, cuja primeira presidente foi Rosa Oliveira. Três anos depois, autonomizaram-se da Igreja, criando a SPRSI, em moldes mutualistas, e estendendo,
progressivamente a sua acção a todo o Estado da Califórnia,Chegaram a ser cerca de
14.000 associadas.
Em 1901, também em Oackland, Maria Leal Soares Fenn e 64 companheiras
instituíram uma obra de beneficência, que rapidamente se converteu numa grande
associação feminina de socorros mútuos - a UPPEC
. Manuela Chaplin, no seu livro “Retalhos de Portugal Dispersos pelos EUA - Mulheres
Migrantes de Descendência Portuguesa” destaca Rosa Oliveira e Maria Fenn entre as pioneira da presença portuguesa na Califórnia.
(10) As preocupações sociais do movimento feminista, evidenciam-se,
por exemplo, na formação da “Obra Maternal”, impulsionada por Maria
Veleda, a partir da “Liga Republicana”, ou na ligação de “A
Semeadora”, órgão da APF,, à acção beneficente da “Associação
Protectora dos Recém nascidos Indigentes”, da
Caixa de Auxílio a Estudantes pobres do sexo feminino”, ou da “Obra
das Crianças – o Natal das crianças nos hospitais” (criada por
Luthegarda de Caíres, uma das poucas não republicanas que deixou o
nome na história desta época)

(10) À “Mulher Migrante da Argentina” se deve, em larga medida, a extensão do ASIC aos portugueses desse país, até então excluídos por errada avaliação da legislação local .
(11) A intervenção política de Maria Archer é particularmente
ressaltada numa biografia sua, que acaba de ser publicada: “Acerca de
Maria Archer” de Guilherme Bandeira

(12) Foram seis os “Encontros para a Cidadania – a Igualdade entre
Mulheres e Homens”
  2005 -  América do Sul (Buenos Aires), 2006 .  Europa (Estocolmo,
2007 -  América do Norte costa leste (Toronto), 2008 - África (Joanesburgo), 2008 -  América do Norte, costa oeste (Berkeley), 2009 – Encontro Internacional  Cidadãs da Diáspora (Espinho)

(13) O 1º Encontro foi inédito, em termos europeus, e constituiu, na verdade, uma primeira audição da voz das emigradas, proposta pelo CCP, que era composto por dirigentes de
associações e jornalistas, onde  poucas tinham assento. Esse terá
sido um défice que se quis colmatar.
(14) Adelaide Cabete define bem toda uma forma de estar em sociedade,
de vestido comprido, em plena revolução. “O verdadeiro feminismo não é
o que muitos julgam e pensam, as mulheres a desejar imitar os homens,
usando colarinho e gravata e tantas outras imitações ridículas”

(15) Na primeira celebração do Dia Internacional da Mulher, promovido
na região de Paris pela Federação das Associações Portuguesas de
França, em 2004, em reunião com mulheres presidentes de Associações
federadas, apercebi-me, com surpresa, de que todas elas tinham aceite
o encargo da presidência para garantir o ensino de português aos filhos..

(16) A AEMM levou a cabo seu 1º Congresso Mundial, em 1995, sob o lema
“Diálogo de Género e Geração”, reunindo em Espinho cerca de 300
participantes. Já então se via na ascensão dos jovens no
associativismo um meio de diminuir as discriminações de género

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